Em 2014 a Empresa Geral do Fomento (EGF), responsável pela gestão da recolha e tratamento de resíduos de 60% da população, foi privatizada pelo governo de Passos Coelho, mais uma das empresas oferecida de bandeja à exploração capitalista na onda de privatizações que afectou sectores chave da economia portuguesa, como a EDP, a TAP e os CTT.

Os novos proprietários, do Grupo Mota-Engil, diziam querer levar a cabo “um ambicioso plano de investimentos e otimizações […] focado no serviço público e nos resultados”. Mas os resultados são outros: trabalhadores cada vez mais precarizados, condições laborais cada vez mais indecentes, tarifas cada vez mais pesadas para os consumidores e uma estagnação completa do progresso científico e ambiental do tratamento de resíduos.

Trabalhadores sem dignidade, nem condições

Ninguém duvida do esforço que é necessário para se levar a cabo o trabalho de recolha de resíduos. É um trabalho de dia e noite, com turnos longos, ritmo intenso e transporte de cargas pesadas, implicando um grande esforço físico. Feito ao relento, leva à exposição a condições climatéricas adversas e ao ruído.

A segurança e saúde destes trabalhadores é ainda mais comprometida pela exposição aos resíduos, que leva a risco de lesões, infeções e mesmo problemas de carácter psicológico. Já para não falar dos perigos inerentes ao operar maquinaria pesada e o risco de atropelamento durante a noite. Tudo isto leva esta profissão a ser internacionalmente reconhecida como uma das mais perigosas que se pode exercer.

E o que recebem estes trabalhadores por um serviço essencial que providenciam a toda a sociedade? Nem dignidade, nem condições. A profissão é desvalorizada e encarada de forma preconceituosa e os seus trabalhadores tratados com desdém. O salário é miserável para o serviço prestado e os riscos associados. Os subsídios de risco, penosidade e insalubridade são insuficientes para corrigir esta situação, sendo no máximo, segundo a lei, 15% da remuneração salarial.

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A segurança e saúde destes trabalhadores é comprometida pela exposição aos resíduos,risco de lesões, infeções e exposição a condições climatéricas adversas e ao ruído.

Acrescenta-se aos malefícios da profissão a precariedade e a falta de condições de trabalho, e em particular, a falta de investimento na sua renovação e na proteção dos seus trabalhadores por parte das empresas e das chefias. Nem os limites das horas extraordinárias são respeitados, levando a uma ainda maior exploração dos trabalhadores.

Todos estes fatores têm-se vindo a agravar desde a privatização dos serviços de recolha e tratamento de resíduos. Em comparação com o salário mínimo nacional, que desde 2015 subiu mais de 200 euros, trabalhadores deste sector tiveram aumentos de apenas 50 a 60 euros. Sendo que o aumento no salário mínimo nacional não acompanhou de facto o aumento do custo de vida ao longo destes anos, torna-se evidente que os salários reais dos trabalhadores dos resíduos têm vindo a diminuir drasticamente desde que a sua empresa foi privatizada.

Os efeitos nefastos de um cartel lixeiro

Para o lado do consumidor, a privatização tem-se provado igualmente desastrosa, afetando em particular as tarifas cobradas pelos serviços providenciados. A privatização da EGF não só entregou aos privados os recursos já existentes. Desde então, os capitalistas dividiram o país entre feudos de um cartel de 23 empresas que cobram aos municípios da sua região lotada preços exorbitantes.

Vários municípios têm vindo a relatar aumentos abismais no preço cobrado pelos privados para a recolha de resíduos, com o município de Setúbal reportando um aumento de 18 para 43 euros por tonelada de resíduos recolhidos de 2014 a 2021, e o município de Viana do Castelo a sofrer um impressionante aumento de 600% nas tarifas de resíduos sólidos de 2020 a 2022. Os aumentos são tão brutais que algumas Câmaras Municipais avançaram ou pretendem avançar com providências cautelares de modo a travá-los. Mas estas empresas não mostram quaisquer intenções de abrandar o aumento dos preços.

Estes aumentos têm levado não só a um dispêndio cada vez maior por parte das autarquias em relação ao que era feito antes da privatização, mas estes custos têm inevitavelmente acabado por atingir diretamente os consumidores domésticos, com a chamada “fatura da água” passando muitas vezes a englobar mais custos para a tarifa dos resíduos do que para os gastos em água propriamente ditos.

O aumento de preços não se tem vindo a refletir em qualquer aumento da qualidade nos serviços prestados, antes pelo contrário. A degradação das condições laborais sentidas pelos trabalhadores reflete-se também na degradação da qualidade do trabalho ao longo dos anos, e as falhas na higiene urbana têm-se vindo a notar à medida que a produção de resíduos aumenta e as empresas se recusam a contratar mais trabalhadores, pondo em causa a saúde pública.

Estagnação da transição ambiental dos resíduos

Uma outra consequência da privatização foi o completo abandono da modernização do tratamento de resíduos em Portugal. O país tinha vindo a investir, desde os anos 90, na transição do sistema de deposição de resíduos de forma indiferenciada em aterro, para um sistema mais ecologicamente adequado, baseado na reciclagem e na revalorização dos resíduos em prol da construção de uma economia mais sustentável, um elemento importante no esforço de atenuar os efeitos nefastos da exploração capitalista da natureza e dos danos que isso tem provocado nos ecossistemas.

O progresso dessa transição era vagaroso mas estável até a privatização do sector em 2014, data a partir da qual a transição ambiental da recolha e tratamento de resíduos estagnou completamente, estado que se perpetua até hoje.

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O abandono da política do aterro e o tratamento adequado de resíduos são fundamentais para o desenvolvimento sustentável, e o próprio sistema capitalista é o maior obstáculo no seu caminho.

Portugal estava ainda atrás da média europeia, no que toca à reciclagem de resíduos, em 2014, mas pelo menos tinha havido um genuíno progresso ao longo da década anterior que dava esperança para poder alcançar as metas europeias. Desde então, o atraso do país apenas se tem vindo a exacerbar, e é fantasioso pensar que será possível atingir as metas europeias de reciclar 60% dos resíduos em 2025.

Sem uma transição do tratamento de resíduos que maximize a reciclagem e reaproveitamento destes, qualquer tentativa de combate às alterações climáticas ficará incompleta. O abandono da política do aterro e o tratamento adequado de resíduos são fundamentais para o desenvolvimento sustentável, e o próprio sistema capitalista é o maior obstáculo no seu caminho.

O desastre da privatização

Face ao estado em que se encontra o sector de resíduos em Portugal, torna-se claro o desastre que foi a sua privatização, tal como a da TAP, CTT ou EDP. Apenas o menosprezo deste sector pela comunicação social justifica que este caso não seja tão discutido, quando a sua crise devia ser igualmente alarmante.

Torna-se evidente que os preços cada vez mais elevados que os consumidores se vêem forçados a pagar de tarifas de resíduos não vão nem para melhorar os serviços, nem as condições em que são efetuados, nem para a modernização do seu tratamento. Servem apenas para forrar os bolsos dos seus proprietários, o cartel que mantém o país refém do seu próprio lixo.

O Partido Socialista que, enquanto serviu de oposição, denunciou a privatização como ilegal e prometeu travá-la no seu programa eleitoral, lavou as suas mãos deste assunto assim que chegou ao poder, tratando antes de passar a responsabilidade de lidar com o novo sector privado às autarquias. Pelo contrário, enquanto tem lucros de milhões de euros com a exploração de trabalhadores e populações, que distribui pelos seus acionistas, o Estado transfere-lhe somas obscenas de dinheiro público para dar ainda mais poder ao patronato.

Apenas os trabalhadores poderão limpar o sector

Perante o abandono do governo de quaisquer promessas de reverter esta privatização, e um menosprezo pela comunicação social perante a crise em curso no sector dos resíduos, torna-se cada vez mais claro que só os próprios trabalhadores poderão pôr fim à exploração exercida sobre eles e sobre a sociedade em geral por este cartel lixeiro. É às suas custas que o sector se tem mantido funcional, e apenas através da sua luta será possível resgatá-lo do iminente colapso.

É preciso dizê-lo: foram as burocracias sindicais que permitiram que a situação chegasse a este ponto, apesar da vontade de lutar dos trabalhadores, e que continuam a utilizar métodos que freiam a conquista de direitos. Se assim não é, porque decretam apenas greves parciais às primeiras horas de trabalho em vez de greves indefinidas, discutindo e votando democraticamente os trabalhadores em plenários todos os dias se continua? Porque não tocam as suas reivindicações em aumentos de salários e redução do horário de trabalho? Porque separam as greves de cantoneiros e condutores em dias alternados, quando todos os trabalhadores são essenciais e só demonstram plenamente toda a sua força quando fazem greves juntos? Aliás, pelo mesmo motivo, porque não mobilizam e decretam greve conjunta de todas as empresas do sector?

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É preciso levar a luta um passo adiante, exigir a nacionalização das 23 empresas numa única, sob controlo democrático dos trabalhadores. Apenas os trabalhadores da recolha e tratamento dos resíduos têm a capacidade de gerir de forma digna e eficiente o seu sector.

É preciso levar a luta um passo adiante, corrigir todos estes erros e exigir a nacionalização das 23 empresas numa única, sob controlo democrático dos trabalhadores. Apenas os trabalhadores da recolha e tratamento dos resíduos têm a capacidade de gerir de forma digna e eficiente o seu sector, de reclamar para si próprios os direitos e a dignidade que lhes é devida, de organizar o seu trabalho e as suas rotas da forma mais eficiente e segura, de manter e expandir a qualidade dos seus serviços e de levar a cabo a transição do tratamento de resíduos para um futuro ecológico, no qual estes são tidos não como lixo, mas como um recurso.

Organizados e unidos numa luta combativa, estes trabalhadores conseguirão desferir um golpe fortíssimo contra o capital e os seus governos, tomando um papel crucial na construção de uma sociedade mais justa, mais digna e mais limpa e depositando por fim os seus patrões e governantes burgueses onde pertencem, na lixeira da história.

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