Ao juntar-se a PCP e BE na aprovação da contagem integral do tempo de serviço dos professores em comissão parlamentar, o PSD e o CDS-PP tiveram como único objectivo desestabilizar o governo, aproveitando da forma mais oportunista a luta dos professores e tendo em vista as próximas eleições europeias e gerais. A oposição que a direita tem feito ao governo PS é absolutamente ridícula, e esta manobra parlamentar é apenas o mais recente de uma longa cadeia de ataques frustrados ao governo. As condições de trabalho e o salário dos professores nunca preocuparam o PSD e o CDS-PP, que com todo o ranço salazarista que os caracteriza constituíram um governo de destruição do ensino e restantes serviços públicos durante quatro anos que permanecem bem vivos na memória de todos os trabalhadores e funcionários públicos. Este é o primeiro ponto que devemos deixar claro.
Em segundo lugar, há que denunciar novamente que o PS governa para o capital. O governo de Costa teve valores historicamente baixos de investimento público; favoreceu a especulação imobiliária nas principais cidades do país em completa promiscuidade com o capital desse sector e do sector do turismo; anulou todas as “recuperações de rendimentos” através do aumento de impostos regressivos; garantiu ao grande capital rendas milionárias em PPP; aliando-se pontualmente à direita parlamentar, entregou à banca privada milhares de milhões de euros. Acima de tudo, o governo de Costa deixou intocadas todas as contra-reformas laborais do anterior governo e está agora a avançar com um pacote laboral de agravamento da precariedade enquanto ataca frontalmente o direito à greve — com duas requisições civis a ser accionadas em menos de três meses — e se prepara para, novamente aliado à direita, aprovar leis de condicionamento das greves já na próxima legislatura.
Em terceiro lugar, só é possível à direita aventurar-se em manobras parlamentares como a de quinta-feira — tal como se aventurou na tentativa de dirigir a greve dos enfermeiros — porque as direcções do PCP e do BE têm actuado como travões da luta de classes, alimentando ilusões no governo PS. A direita nunca ousaria esta provocação se temesse um ascenso explosivo da luta dos trabalhadores. Ela votou com total confiança de que a aliança entre PS, PCP e BE será capaz de estancar qualquer contestação social. Neste aspecto, claro, está redondamente enganada: a classe trabalhadora vai continuar a lutar e a radicalizar os seus métodos de luta.
Precisamente por compreender isto é que o PS se recusa a contar o tempo de serviço dos professores. As burocracias da CGTP e da UGT, acusando a pressão das suas bases, apressaram-se a declarar que no caso de o diploma ser aprovado na votação geral do parlamento daqui a duas semanas, exigirão o mesmo para toda a função pública. Uma vitória no sector público daria confiança aos trabalhadores do sector privado, que já se levantam numa das maiores ondas de greve das últimas décadas, para lutar de forma ainda mais decidida contra o patronato. É este o verdadeiro custo de uma vitória dos professores. É isto o que realmente preocupa Costa e toda a burguesia. Para a burguesia, uma vitória dos professores tem ser impedida a todo o custo. A crise política não é uma invenção do PS, ela é uma realidade objectiva.
Nós, a esquerda revolucionária, colocamo-nos intransigentemente do lado dos professores e de todos os funcionários públicos precisamente porque estamos do lado da classe trabalhadora. O voto do PCP e do BE foi inquestionavelmente correcto, mesmo que signifique a demissão do governo.
O erro das direcções da esquerda parlamentar não foi esta votação, foi o seu comportamento desde as últimas eleições legislativas. Depois de quatro anos a embelezar a “solução governativa” e a dispersar toda a iniciativa e combatividade dos trabalhadores, o PCP e o BE não conseguiram mais do que fortalecer o PS em detrimento de si próprios. A grande mentira deste governo, a do “fim da austeridade”, foi defendida integralmente pelas direcções reformistas enquanto os serviços públicos se degradavam à vista de todos e a precariedade se alastrava a camadas cada vez mais amplas do proletariado.
Se de facto a direita confirmar a sua votação (o que parece altamente improvável) e o governo se demitir, a demissão de Costa acontece com a sua confiança numa vitória eleitoral segura no caso de legislativas antecipadas. No seu discurso, Costa já demonstrou intenções de manter o acordo com a esquerda — que valeu à burguesia um período de paz social sem qualquer contrapartida.
Para de facto “virar a página da austeridade” é necessária uma política e métodos de luta revolucionários. Independentemente da marcação de eleições antecipadas ou da manutenção do calendário eleitoral, PCP e BE devem preparar uma frente de esquerda armada com um programa socialista. Um programa de nacionalização da banca, energia, água, transportes, comunicação e todos os monopólios, que coloque os sectores chave da economia sob controlo democrático da classe trabalhadora. Um programa realmente capaz de acabar com os cortes, a austeridade e a pobreza, com toda a base da violência contra as mulheres, do racismo e da LGBTfobia, garantindo o pleno emprego e o acesso à habitação, saúde e educação públicas.
A frente unida da esquerda deve ser muito mais que uma aliança eleitoral. Deve basear-se na mobilização de todos os trabalhadores pela conquista de reivindicações concretas como a contratação colectiva, um SMN de facto capaz de tirar os trabalhadores da pobreza, as 35 horas para todos sem perda salarial, o fim da perseguição sindical, o estabelecimento do pleno direito à greve e do direito de associação. E para conquistar tudo isto os métodos a utilizar terão de ser os métodos da classe trabalhadora: a greve e a ocupação.
O apelo que lançámos para a organização de uma greve geral só se tornou mais oportuno com esta crise.