Só um programa socialista pode parar estes ataques. É preciso tomar a economia nas nossas mãos!
Todas as semanas há novos aumentos. São os combustíveis, é a renda, a eletricidade, a água, os bens de primeira necessidade… Segundo o INE, o Índice de Preços no Consumidor (IPC) subiu 8,7% em junho relativamente ao ano anterior, o valor mais elevado em 30 anos. Para o mesmo período, o IPC dos produtos energéticos disparou para 31,7% e o dos produtos alimentares não transformados para os 11,9%. Já as rendas, mais do que duplicaram nas principais cidades nos últimos anos.
Esta inflação atinge especialmente os trabalhadores e pensionistas. A maioria dos salários estão estagnados, não acompanham o crescente custo de vida. Assim, ainda que nominalmente o salário mínimo tenha aumentado desde 2015, o valor real do salário — aquilo que um salário realmente pode comprar — diminui ano após ano. Neste momento, os nossos salários reais estão em queda livre. Em termos do valor real do salário, a maioria dos trabalhadores vai perder mais de um mês de salário até ao final deste ano.
Mas é na classe trabalhadora, e especialmente aqueles de nós que têm salários mais baixos, que a carestia é sofrida da maneira mais brutal. De acordo com um estudo da OCDE, em Portugal, as famílias dos dois decis mais pobres (ou seja, o 20% com rendimentos mais baixos) gastam, em média, 28% do seu salário em alimentação. Os dois decis mais ricos, pelo contrário, gastam apenas 14% dos seus rendimentos em alimentação.
A pobreza e a fome estão a aumentar a olhos vistos. A taxa de risco de pobreza — definida pelo INE como viver com um rendimento líquido inferior aos 554 euros por mês — aumentou para os 22,4%, ou seja, abrange já 2.303.392 pessoas. Os pedidos de ajuda para o banco alimentar e outras instituições de caridade multiplicam-se.
Ao mesmo tempo, os lucros de fundos de investimento, de bancos e de empresas energéticas disparam. Só no 1º trimestre do ano, os lucros da Galp aumentaram 500%! Enquanto uma onda de fome se abate sobre uma parte cada vez maior da população mundial, nas bolsas de valores de todo o mundo, os capitalistas especulam com os preços dos cereais e outros alimentos. A nossa miséria e a nossa fome não passam de um jogo de casino para a burguesia.
A inflação é a consequência dos monopólios capitalistas
A classe dominante precisa sempre de esconder a exploração debaixo de mentiras. Para a crise alimentar, a grande culpada oficial é hoje a guerra na Ucrânia. Dizem-nos que todo o sofrimento que está a viver a nossa classe em todos os países — e que ameaça estender-se para 2023 — é culpa de Putin. A verdade é muito diferente, como já explicamos. Atualmente, são produzidos alimentos suficientes para satisfazer as necessidades de toda a população mundial, mesmo após a invasão russa da Ucrânia.
E apresentando a guerra também como a causa da escalada de preços, os patrões, tal como Costa, o seu governo e todos os restantes mordomos deste sistema, garantem que não há nada que se possa fazer, que temos de “apertar o cinto” e esperar por melhores dias. Acima de tudo, asseguram-nos que o aumento dos salários só aumentaria ainda mais os preços e poderia piorar ainda mais as nossas vidas. É verdadeiramente incrível tentarem convencer-nos de que se recebermos mais, viveremos pior!
António Saraiva, presidente da Confederação Industrial de Portugal, rejeitou o aumento generalizado dos salários porque “a inflação dos salários levaria inevitavelmente a inflação sobre inflação” e que “É na nossa produtividade e no nosso crescimento económico que assenta a sustentabilidade dos salários”. Já o Ministro das Finanças, Fernando Medina, repete o mantra das “contas certas” — o eufemismo para cortes salariais e sociais —, congratulando-se pela redução do défice enquanto centenas de milhares de trabalhadores e pobres vivem em situação de fome.
Aos patrões e ao seu governo, junta-se ainda o coro de comentadores na comunicação social, repetindo versões mais ou menos elaboradas dos discursos oficiais. Longe de explicar as razões para o aumento de preços, o que estes “especialistas” pretendem é fazer precisamente o contrário: confundir e enganar a classe trabalhadora, esconder as causas reais do nosso empobrecimento.
Os ataques que estão a fazer-nos são apresentados como uma inevitabilidade da guerra, que afeta todos por igual — abate-se sobre “o país” e “a economia” — e que não pode ser travada por este governo. Ora, nada podia ser mais falso. O IPC em Portugal começou a subir já no final de 2021, com o preço dos combustíveis a liderar esse aumento.
Quais são, então, as causas da subida? Em primeiro lugar, a especulação financeira nos mercados internacionais de matérias-primas, de alimentos, etc. Em segundo, a disrupção das cadeias de produção e distribuição como resultado da cada vez mais tensa disputa pela hegemonia mundial entre os EUA e a China, que deu um salto qualitativo com o estalar da nova crise capitalista mundial e da pandemia.
Na fase imperialista do capitalismo, a “competição” e o “livre mercado” são substituídos pelos monopólios, pelos cartéis e trusts, como explicou Lenin. Com o capital concentrado em cada vez menos mãos, os maiores capitalistas dos países mais avançados podem especular com os preços de qualquer mercadoria, e não se abstêm de o fazer também com bens essenciais. A guerra na Ucrânia, muito mais do que uma causa, é na verdade uma consequência da crise capitalista. Ela rebentou, como também já explicamos anteriormente, porque os blocos imperialistas dos EUA e da China estão a disputar o controlo de matérias-primas, mercados e rotas comerciais.
Apresentar o aumento dos salários — cujo valor real está em queda continuada desde 1976! — como algo que faria aumentar os preços “em geral” é um absurdo. A ser assim, os preços estariam a descer da mesma forma. Não foram os nossos miseráveis salários a provocar esta crise, não fomos nós a especular com bens essenciais e é preciso lutar para que tampouco sejamos nós a pagar por esta crise! Um aumento dos nossos salários não aumentará o preço de coisa nenhuma, tudo o que fará é provocar uma diminuição dos lucros do patronato.
É necessário um programa socialista face à crise
Perante a queda abrupta nas condições de vida da grande maioria dos trabalhadores — já depois de 2 anos duríssimos de pandemia — o governo de António Costa continua a afirmar que a página da austeridade foi virada.
As medidas postas em prática para atenuar o aumento dos preços são atualizações das pensões absolutamente irrisórias, um subsídio de 60€ para as famílias mais pobres ou diminuições nos impostos sobre combustíveis, prontamente engolidas pelo aumento da margem das gasolineiras. Os pacotes extra de ajuda contemplam borlas às empresas de vários milhares de milhões de euros, não baixam os preços de nenhuma maneira. Aliás, são antes aproveitados para aumentar a margem de lucro dos capitalistas à custa dos impostos dos trabalhadores.
À esquerda, as direções do BE e do PCP mantêm-se encerradas no parlamento e propõem tributar os “lucros extraordinários”. Está claro que a rejeição da luta nas ruas, de qualquer trabalho de mobilização social, de qualquer ação que possa perturbar a paz institucional, é total. Estes dirigentes estão a dissolver os seus partidos na social-democracia, dedicam toda a sua política a fazer propostas para uma melhor administração do capitalismo e esperam poder realizá-la entrando num governo — com as mesmas ilusões, o Syriza na Grécia e o Unidas Podemos no Estado espanhol mostraram bem o beco sem saída ao qual nos leva a política reformista.
As burocracias sindicais da CGTP e UGT, por seu turno, gerem o descontentamento social crescente desarticulando ao máximo todas as lutas e choques entre trabalhadores e patrões. O exemplo mais evidente é o das numerosas greves nos transportes, que deixaram claro como existem condições para dar um passo em frente na unificação de todo o sector. Só no último período, já vimos greves dos trabalhadores do metro do Porto, da Carris, do Metro de Lisboa, da Rodoviária de Lisboa, da Comboios de Portugal, da Fertagus, da Soflusa, da Transtejo… A organização de uma greve de todo o sector à escala nacional, capaz de paralisar a economia e encestar um golpe duríssimo nos lucros dos capitalistas, tem óbvias condições para ser organizada. Entre os trabalhadores e a juventude, não faltou combatividade nem disposição para a luta.
O que é necessário é construir uma via de expressão para esta combatividade, para a raiva que está a acumular-se sob a superfície. Há que voltar às ruas, unificar as lutas e mobilizar os trabalhadores e a juventude massivamente para pôr um fim à carestia.
Para reverter a queda dos nossos salários é necessário lutar por um salário mínimo nacional (SMN) de 1.200 euros imediatamente, e indexar todos os salários da nossa classe ao IPC. Se o preço dos alimentos e da energia sobe, o nosso salário tem de acompanhá-lo. Que sejam os capitalistas a pagar pela crise do seu sistema.
Contra o desemprego e o subemprego, temos de levantar também a reivindicação de emprego para todos. Que se reparta o trabalho existente pelo conjunto da sociedade — entre os jovens, o desemprego continua a situar-se nos 21%. Os horários de trabalho têm de ser imediatamente reduzidos, sem perda salarial, para as 30 horas semanais no público e no privado.
Mais ainda, todos os preços de bens e serviços essenciais — alimentos, energia, transportes, rendas, etc. — têm de ser controlados para acabar com a especulação que dá lucros bilionários às maiores empresas ano após ano. E não serve de nada pedir a este governo que nos faça esse favor — está muito claro para quem governam Costa e a sua camarilha. A nossa reivindicação deve ser a do controlo dos preços pelas organizações de trabalhadores, e para realizá-la não fazem falta propostas parlamentares, mas sim a organização e a luta nas ruas e nos locais de trabalho.
A expropriação das 100 maiores empresas portuguesas, sem indemnização e sob controlo democrático dos trabalhadores é outra reivindicação indispensável se queremos que o nosso trabalho produza realmente para a sociedade no seu conjunto, e não apenas para encher as contas bancárias de um punhado de parasitas. Nisto, a expropriação de toda a banca, do setor energético e agroalimentar são cruciais para enfrentar a fome e a pobreza que a nossa classe vive atualmente. Basta de lucrar com a nossa miséria, basta de fazer jogos de casino com as nossas vidas.
Contra estas reivindicações, se os patrões, a direita, os social democratas do PS e todos os reformistas nos dizem que estamos a querer o “impossível”, então há que responder-lhes que não nos importa, porque se em capitalismo é realmente impossível garantir emprego digno, alimentação, abrigo, acesso à saúde… então o capitalismo não nos serve para nada. Há que derrubá-lo e construir outro mundo. Nós, que produzimos toda a riqueza, que construímos tudo o que existe, seremos perfeitamente capazes de criar esse mundo sem patrões, banqueiros e toda a corja de exploradores que hoje especula com o nosso pão.