Após quase uma década de governo PS com austeridade encapotada sobre a classe trabalhadora, desinvestimento massivo nos serviços públicos e de uma crise de habitação sem fim à vista, a direita conseguiu chegar ao poder nas legislativas de março.

Menos de três meses após a tomada de posse do novo governo minoritário da AD, o seu programa político mostra bem ao que vem e o que a juventude e a classe trabalhadora poderão esperar no futuro próximo. O executivo de Luís Montenegro elegeu imediatamente os trabalhadores imigrantes como bode expiatório, copiando o discurso xenófobo e racista da extrema-direita, impondo restrições à imigração.

Por outro lado, os benefícios ao capital e à pequena-burguesia do turismo multiplicam-se. Indo ainda mais longe que o governo PS, a AD vai aumentar os subsídios ao pagamento de rendas, promover o alojamento local, preparar a privatização do SNS e diminuir a carga fiscal sobre quem mais ganha e sobre o capital. Este é o programa da direita.

A direita ataca os trabalhadores imigrantes

Esse programa começou a ser implementado e em tempo recorde, tendo como alvo os trabalhadores imigrantes. Em 24 horas, foi anunciado, aprovado e depois promulgado pelo Presidente da República um novo pacote de medidas para restringir a imigração. A principal medida consiste em acabar com a “manifestação de interesse”, um procedimento que permitia aos imigrantes que estivessem a descontar para a Segurança Social solicitar autorização de residência.

Ainda que com grande burocracia e tempos de espera de vários meses e até anos, este caminho permitia aos imigrantes, já residentes e a trabalhar em Portugal, regularizarem a sua situação. Agora, os novos pedidos e concessão de vistos de trabalho passam a ter de ser efetuados nos serviços consulares dos países de origem, o que criará várias barreiras à sua entrada e um poder maior para as máfias locais. Além disso, cria na prática uma distinção entre, por exemplo, os imigrantes originários da CPLP e dos países asiáticos — uma atitude que fomenta a xenofobia, racismo e a islamofobia.

Ao contrário das mentiras do governo, estas medidas não acabarão com as redes de tráfico e com a imigração dita “ilegal”. Na verdade, este pacote tem dois objetivos muito claros. O primeiro é deslocalizar para os países de origem a incapacidade de resposta da AIMA, mantida propositadamente com recursos insuficientes, e assim esconder o “problema” dos olhos da sociedade portuguesa. O segundo objetivo será manter na ilegalidade os imigrantes não-CPLP, aumentando a sua situação de super-exploração na agricultura e turismo.

Uma camada importante da pequena-burguesia nas grandes cidades e no campo está a lucrar como nunca antes graças à especulação imobiliária e ao crescimento do turismo, baseado na superexploração dos trabalhadores imigrantes, e também à exploração intensiva da agricultura, com condições de semiescravatura. 44% do trabalho não qualificado na agricultura, pecuária e pesca é realizado por imigrantes e um terço nas cozinhas na indústria hoteleira.

Para melhor explorarem estes imigrantes é necessário mantê-los indefinidamente numa situação de semi-legalidade, sem contratos nem direitos. É preciso que estes mesmos trabalhadores imigrantes não se organizem enquanto classe. E é este o papel político que desempenha a violência de extrema-direita: disciplinar os trabalhadores imigrantes, impedir que se organizem e que exijam os mesmos direitos que os autóctones. Para a classe trabalhadora imigrante, o quotidiano tornou-se um verdadeiro inferno: são super-explorados, atacados por fascistas e habitam em condições sub-humanas.

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Para a classe trabalhadora imigrante, o quotidiano tornou-se um verdadeiro inferno: são super-explorados, atacados por fascistas e habitam em condições sub-humanas.

Este tipo de políticas escancara as portas à extrema-direita. A suposta direita “democrática” que enche a boca dos valores da liberdade e da democracia, sanciona o racismo e a xenofobia como parte aceitável do regime. Nisso não se enganam: o capitalismo convive muito bem com a extrema-direita e não hesita em utilizá-la contra os trabalhadores e oprimidos.

A violência de extrema-direita é uma ameaça real

A grande vencedora das legislativas de março foi a extrema-direita com a eleição de 50 fascistas para o Parlamento. E, nas ruas, estes resultados têm consequências dramáticas. Os crimes contra imigrantes, que já tinham aumentado 38% em 2023, são cada vez mais comuns, violentos e perpetrados por grupos organizados.

Assassinos condenados, como Mário Machado, continuam a gozar de total impunidade para organizarem marchas neonazis pelas ruas de Lisboa e Porto com escolta e cobertura policial, enquanto manifestações anti-racistas e anti-fascistas são reprimidas violentamente pela mesma polícia. O governo chora lágrimas de crocodilo e não toma qualquer medida.

Esta violência emana igualmente do próprio Estado. À semelhança de outros governos europeus, o plano é retirar os imigrantes sem-abrigo do centro das cidades, como no caso de Lisboa, e interná-los compulsivamente em “centros de acolhimento temporário” — eufemismo para campos de detenção — para que os turistas não os vejam.

Na Assembleia da República, o discurso racista do Chega é normalizado pelo próprio Presidente da AR, o militante do PSD, Aguiar-Branco, sob a capa da liberdade de expressão. Com democratas destes, como é que a extrema-direita não há-de sentir-se encorajada e impune para praticar os seus crimes?

Não pretendemos exagerar a força da reacção mas, no atual contexto, seria um erro ignorá-la. Ainda que as marchas neonazis não ultrapassem a centena de participantes, a extrema-direita não está presente apenas nestas organizações. A polícia e as forças armadas estão infestadas de fascistas que são uma das principais bases sociais da extrema-direita e autores ou cúmplices de crimes de ódio. O aparelho repressivo e de justiça é totalmente conivente com os fascistas.

Estes ataques começam nos trabalhadores imigrantes, mas não terminam aí. Os ataques às pessoas queer e activistas de esquerda também têm vindo a crescer. Todas as semanas surgem notícias de ataques verbais e físicos. Recentemente, o ex-primeiro-ministro Passos Coelho lançou um livro contra a “ideologia de género”, isto é, contra os direitos das mulheres e das pessoas queer. Sessões de leitura pró-LGBT são interrompidas por grupos de extrema-direita. O movimento estudantil pela Palestina é reprimido violentamente pela polícia a mando dos diretores e reitores das universidades.

O programa do governo da AD é uma borla aos senhorios e às camadas intermédias

Devido ao carácter minoritário do governo da AD, nestes primeiros meses o executivo de Montenegro tem avançado com alguns pacotes e medidas para procurar o apoio entre alguns sectores sociais. Do lado da Administração Pública, foi alcançado um acordo para a devolução faseada do tempo de serviço dos professores — recusado pela FENPROF e STOP, mas que poderá colocar um travão à luta dos últimos anos — e também foi alcançado um acordo com uma parte dos funcionários judiciais. As negociações com médicos, enfermeiros, forças armadas, guardas prisionais e polícias continuam.

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O discurso racista do Chega é normalizado pelo próprio Presidente da AR. Com democratas destes, como é que a extrema-direita não há-de sentir-se encorajada e impune para praticar os seus crimes?

Alegando falta de oferta na habitação — com cerca de 11 mil prédios devolutos por todo o país — o governo coloca como objetivo aumentar a construção. Com as principais cidades convertidas em autênticos parques temáticos para turistas, a abarrotar de hotéis e alojamentos locais, um dos primeiros pacotes do governo foi orientado para a “defesa e estímulo do alojamento local” e do imobiliário nos segmentos de luxo e hotelaria. Não é a falta de construção que impede os trabalhadores de viverem no centro das cidades. Essa oferta existe, mas é canalizada quase na totalidade para o turismo e para o imobiliário de luxo.

Também foram apresentadas medidas de subsidiação estatal das elevadíssimas rendas que os senhorios nos cobram, novas garantias públicas ao crédito para a compra de primeira habitação e a isenção do IMT para jovens até aos 35 anos foram anunciadas. No entanto, devido aos baixos salários e aos preços exorbitantes da habitação, nem com estas ajudas a grande maioria da classe trabalhadora será capaz de comprar casa ou arrendar nas grandes cidades. No fim de contas, estas medidas não atacam o raíz do problema que é a especulação imobiliária.

É necessária uma política de habitação pública que imponha um controlo democrático das rendas e uma nacionalização da Banca para controlar democraticamente a atribuição do crédito à habitação. Sem um controlo democrático, os abutres que vivem do nosso suor vão continuar a despejar-nos para fazer alojamentos locais e a aumentar as rendas a seu bel-prazer. Para uma percentagem cada vez maior de trabalhadores, as únicas soluções são partilhar casa, ir viver para cada vez mais longe ou ir parar à rua e à miséria.

É preciso construir uma esquerda revolucionária e combativa para lutar contra a reação!

As políticas de austeridade da esquerda social-democrata e a cumplicidade e bancarrota da esquerda reformista teriam, necessariamente, que ter consequências para estas organizações, quer a nível nacional quer a nível europeu.

Para o PS, as suas políticas a favor do grande capital e contra a maioria dos trabalhadores, além dos casos de corrupção do anterior governo, pavimentaram o caminho para a ascenção da direita e da extrema-direita. É bom recordar que foi precisamente durante os governos do PS que a escravatura de imigrantes na agricultura se desenvolveu no nosso país e que milhões de pessoas foram afetadas pela crise da habitação.

Para a esquerda reformista, que tem atuado como garante da paz social, as consequências são um colecionar de derrotas eleitorais e, mais grave ainda, a perda total da autoridade política entre vastos sectores da nossa classe, sobretudo entre a juventude. As eleições europeias foram a sua mais recente derrota.

Vale a pena perguntar porque é que isto acontece. Será que a sociedade e a “opinião pública” estão de facto a virar à extrema-direita? Será que o povo é burro e incapaz de perceber as mentiras e a demagogia dos fascistas? Porque razão é que os jovens passaram a votar à direita? A culpa é das redes sociais e das fake news?

Estes e outros argumentos costumam ser atirados ao ar de cada vez que há uma eleição e a esquerda reformista é derrotada. Para nós, comunistas revolucionários, as razões são outras e têm origem na luta de classes.

Não negamos que existem várias camadas da pequena-burguesia e inclusivamente da classe trabalhadora que estão a virar à extrema-direita fruto da decomposição social e do descrédito no regime democrático burguês. Vários setores que gozavam de um certo prestígio social e dos privilégios a ele associados começaram a perdê-los com a Crise de 2008 e muitos entraram num processo de proletarização e de aproximação às condições de vida precárias da classe trabalhadora. Entre estas camadas existe um sentimento de querer voltar ao passado glorioso que é explorado pela extrema-direita.

Também existem aquelas camadas da pequena-burguesia que enriqueceram com a mão-de-obra imigrante e semi-legal e, sem a qual, estariam condenados à proletarização mencionada no parágrafo anterior. Estas camadas, normalmente ligadas ao turismo, restauração e agricultura, viraram ainda mais furiosamente à extrema-direita e constituem uma base social sólida e fonte de financiamento de partidos como o Chega.

Mas isto é apenas metade da história. Na última década, os movimentos feminista, anti-racista e LGBT têm dados passos em frente. Mais recentemente, temos visto o movimento pelo clima e contra o genocídio em Gaza a mostrar a sua determinação e combatividade. Além disso, como é que é possível afirmar inequivocamente que a sociedade, no geral, está a virar à extrema-direita quando este ano assistimos a quase 1 milhão de pessoas a comemorar o 50º aniversário da Revolução Portuguesa?

Com a decadência do capitalismo, em particular do capitalismo ocidental, o fenómeno de polarização social é mais do que compreensível. E, por isso, cabe contrapor o argumento da viragem à extrema-direita da juventude. Na realidade, a juventude está a polarizar fortemente quer à direita quer à esquerda. O que acontece é que enquanto à direita encontram uma alternativa eleitoral e organizativa onde se expressar, à esquerda estão órfãos dessa alternativa.

Com que olhos é que a juventude radicalizada e que entra agora na luta vê esta esquerda do regime, cujo objetivo é ocupar um lugarzinho no Parlamento e gerir melhor o capitalismo? A mesma esquerda que defende a polícia que reprime brutalmente o movimento. E que serve de muleta ao PS durante anos e deixa vários sectores profissionais completamente abandonados à sua sorte, como aconteceu no passado com os trabalhadores da Autoeuropa, com os motoristas de matérias perigosas e mais recentemente com enfermeiros e professores.

Porque razão a classe trabalhadora haveria de votar nesta esquerda que a única coisa que tem para lhes oferecer são discursos bonitos no Parlamento?

Para nós, comunistas revolucionários, uma organização verdadeiramente de esquerda tem de ser uma organização de combate. Sabemos que a força e a vontade de luta da juventude e da classe trabalhadora não se limitam, nem pouco mais ou menos, ao voto eleitoral. E por isso a esquerda tem de estar onde está a classe trabalhadora e a juventude em luta: nas greves, nos protestos e ocupações contra o genocídio em Gaza, no movimento feminista, anti-racista e LGBT. Tem de estar nas ruas a lutar e a mobilizar contra a extrema-direita.

Uma esquerda consistente que luta com os métodos da greve, da ocupação e da manifestação de massas por salários dignos, habitação, saúde e educação públicas, gratuitas e de qualidade, por direitos plenos para imigrantes, mulheres e pessoas queer, por uma solução para a catástrofe ambiental.

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As eleições são incapazes de mostrar a verdadeira dinâmica da luta de classes. É necessário estarmos organizados e intervir no movimento contra o genocídio na Palestina e nos movimentos anti-racista, LGBT, feminista ou estudantil.

E a maioria da população compreende bem que esta esquerda do regime não é capaz de cumprir essa tarefa. Aliás, a classe trabalhadora e a juventude tiram todos os dias, do seu quotidiano, a conclusão e as consequências da política desmobilizadora e de colaboração de classes da esquerda reformista e das burocracias sindicais. Quem não tira conclusões nem aprende dos seus erros são precisamente estas direcções que, perante a ameaça da extrema-direita, insistem nos mesmos erros do passado, insistem em defender um sistema que só traz miséria e guerra para a maioria da população.

A perda de credibilidade e autoridade política do BE e do PCP é praticamente total. Por estas razões, os trabalhadores deixaram de votar nestes partidos e preferem utilizar a força do seu voto útil no PS, não porque acreditem no seu programa, mas porque acreditam que é a melhor forma de travar a direita e a extrema-direita.

Mais além das eleições burguesas, que são incapazes de mostrar a verdadeira dinâmica da luta de classes. É necessário estarmos organizados no nosso local de trabalho ou estudo, intervir por exemplo no movimento contra o genocídio na Palestina, alargando o seu raio de acção e a sua capacidade de mobilização. Mas também nos movimentos anti-racista, LGBT, feminista ou estudantil.

Para isso, é preciso construir uma organização que rompa com esta lógica de colaboração de classes e subserviência a este regime. É a essa tarefa que os comunistas revolucionários organizados na Esquerda Revolucionária se propõem. Para derrubar o capitalismo e construir uma sociedade sem exploração nem opressão.

Junta-te a nós!

JORNAL DA ESQUERDA REVOLUCIONÁRIA

JORNAL DA LIVRES E COMBATIVAS

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