A 16 de outubro, passou na Assembleia da República um projeto-lei que rapidamente ficou conhecido como a “lei da burca”. A proposta, apresentada pelo Chega, teve o apoio de toda a direita, e proíbe a utilização em espaços públicos de roupas destinadas a ocultar ou obstaculizar a exibição do rosto.

Na exposição dos motivos para este projeto, na sua redação, o Chega alicerça-se em três frentes principais, a do secularismo, apelando a um Estado laico que não permita exibição de símbolos religiosos em espaços públicos, à segurança, alegadamente afeta pelo cobrimento da cara não permitir uma fácil identificação do indivíduo e, por fim, o respeito pela dignidade da mulher, que, segundo o documento “é – por aqueles que frequentemente o invocam – frequentemente obliterado”.

Mas se no seu diploma mantiveram uma fachada de universalismo laico, na comunicação social, a direita foi clara em assumir esta lei como um ataque violento contra a comunidade muçulmana em Portugal, mais um numa campanha que procura marginalizar e precarizar algumas das maiores comunidades imigrantes em Portugal, para facilitar a sua exploração às mãos dos seus financiadores capitalistas.

Mesmo à esquerda, a confusão impera, com Rui Tavares, apesar de votar contra a proposta, fazer questão de se demarcar como “contra os gajos que são a favor da burca”. Tais afirmações, desprovidas de qualquer contexto na realidade nacional, apenas servem para confundir e fortalecer a direita nestes seus ataques.

Como comunistas revolucionários, temos de ser claros nesta questão. A lei da burca não é aceitável. É um ataque aos imigrantes, à esquerda e às mulheres. E por isso tem de ser combatida nas ruas.

Pela liberdade das mulheres se vestirem como queiram

Um argumento favorito da direita para justificar a passagem de uma lei que restringe o que as mulheres podem vestir em Portugal é dizer que o fazem para salvaguardar a liberdade, os direitos e a dignidade dessas mesmas mulheres.

Invariavelmente, ao fazer-se estas declarações, a comunicação social ilustra o argumento com imagens de países como o Afeganistão, onde regimes reacionários, e instituições religiosas e patriarcais, forçam, quer por lei quer por costume, as mulheres a usar a burca ou outra indumentária que lhes cobra a cara.

Como comunistas revolucionários, opomo-nos consistentemente a qualquer instituição patriarcal que oprima as mulheres, inclusive limitando-lhes o que possam vestir. Apoiamos a luta das mulheres afegãs contra o regime reacionário dos Talibãs, e as mulheres iranianas contra o regime reacionário dos mulás. A nossa luta é internacionalista – mas não é, nem nunca poderia ser, inconsciente do contexto nacional.

Em Portugal, não existe legislação que force mulheres a tapar a cara na rua, nem existem instituições religiosas que o tentem impor a larga escala. Há cerca de 50 mulheres que usam a burca no território nacional. Se qualquer uma delas o faz contra a sua vontade, apoiaremos completamente o seu direito a vestir-se como desejar, e a libertar-se dessa sua particular opressão. Esta lei não faz nem uma coisa, nem outra, e na verdade, restringe os direitos das mulheres em como se podem apresentar na rua.

A direita portuguesa vir-se colocar como defensora dos direitos das mulheres é rísivel. Esta é a mesma direita que continua a forçar a manutenção das leis draconianas do aborto, que obriga todos os anos a cerca de 500 mulheres a dirigir-se ao Estado Espanhol para poderem abortar ou a fazê-lo cá clandestinamente, e que tudo faz para restringir ainda mais esse direito, mediante do seu próprio fundamentalismo religioso.

Foi também esta mesma direita que votou contra a lei da violência obstétrica, que visava acabar com práticas como a episiotomia e o “ponto do marido”, práticas violentas e degradantes, desencorajadas pela OMS, mas que continuam a ser impostas, sem consentimento, a 40% das grávidas em Portugal.

Desde o início de 2025, já houve 57 casos de grávidas a darem à luz em ambulâncias, mais do que as 50 que usam burca em Portugal. O direito à saúde obstétrica, universal e gratuita, é em todos os sentidos uma questão muito mais relevante para as mulheres em Portugal, e que a direita continua a sabotar, de forma a privilegiar a saúde privada.

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Desde o início de 2025, já houve 57 casos de grávidas a darem à luz em ambulâncias, mais do que o número de mulheres que usam burca em Portugal.

É contra todos estes ataques aos direitos das mulheres que o movimento feminista luta em Portugal. E quando o combatemos, fazemo-lo contra esta direita patriarcal e reacionária, que agora se acha capaz de nos passar lições de moral. Não o aceitaremos.

O hipócrita laicismo dos beatos

“O Estado é laico”, proclama o diploma do Chega. Escusado será dizer, este argumento, que encabeça o diploma que terá de passar por testes de constitucionalismo, nem sequer foi pegado quando a questão é discutida na comunicação social. Isto porque ninguém levaria a sério a direita portuguesa como recém-convertida ao laicismo.

O Estado Português não é laico na prática. Para levar a cabo a laicização do Estado, não é uma religião minoritária que se tem de combater, mas os privilégios da Igreja Católica, que todos os anos é financiada em centenas de milhões de euros pelo Estado Português, com projetos como as Jornadas Mundiais da Juventude, que gere uma rede de escolas que frequentam dezenas de milhares de estudantes, e que ainda se infiltra nas escolas públicas através da disciplina de Educação Moral Religiosa Católica. Isto já para não falar da Eucaristia Dominical que todos os domingos passa na RTP, e nos demais serviços que o Estado Português presta à Igreja Católica, contra o princípio laico.

Também não se pode esquecer a profunda influência que a Igreja Católica e os seus beatos têm na política portuguesa e a forma reacionária como a usa, com a principal força contra o direito ao aborto, à eutanásia, e aos direitos das pessoas queer.

Fazer tal corte de relações com a Igreja Católica seria atacado pela direita portuguesa como o mais vil dos pecados. Mas o ataque que fazem à comunidade islâmica é muito mais pessoal. O seu equivalente seria o de proibir a utilização de símbolos religiosos, como os crucifixos que adornam os pescoços. É esta a violência que tomam contra as minorias religiosas com todo o fervor.

Não podemos aceitar que a causa do laicismo se confunda com tal ataque a uma comunidade marginalizada, como tanto o faz a extrema-direita por toda a Europa. A causa do laicismo é uma luta contra os princípios fundamentalistas e reacionários desses senhores e das instituições religiosas que os financiam e apoiam.

A Segurança de um Estado Policial

O tema da “segurança”, que o Chega sempre usou como arma de arremesso, foi dos mais discutidos no circo mediático que se seguiu à passagem da lei da burca. Pois se o tema do laicismo não pegava, então o esforço argumentativo passou a ser que uma pessoa estar num espaço público com cara tapada consiste num grande perigo para a segurança pública.

Neste sentido, destaca-se a publicação do vice-presidente do Chega, Pedro dos Santos Frazão, dizendo: “Com a aprovação do CHEGA, acaba o disfarce nas ruas: nem burcas, nem lenços islâmicos, nem kefiés [sic]!!”, com várias fotos de manifestantes a usar keffiehs, presumivelmente tiradas ao longo das grandes mobilizações pela Palestina ao longo das últimas semanas.

Tal como não tentam esconder que a lei ataca a população muçulmana, também não escondem que, com este instrumento, querem também ilegalizar a luta de solidariedade pela Palestina, uma força de ruas que, ao longo das últimas semanas, se tem tornado uma grande dor de cabeça para os governos de toda a Europa. Novamente, a direita portuguesa dá a mão ao regime genocida de Israel, e tenta abafar a luta das ruas, que se vira contra a sua cumplicidade e os seus ataques.

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Com esta lei, querem também ilegalizar a luta de solidariedade pela Palestina que, ao longo das últimas semanas, se tem tornado uma grande dor de cabeça para os governos de toda a Europa.

Além disso, a ideia, muito defendida na comunicação social por uma pletora de comentadores de direita, de que as pessoas devem estar devidamente identificáveis no espaço público é uma violação atroz do direito à privacidade, e demonstra muito bem a viragem destes partidos para a construção de um regime policial autoritário, que persiga e esmague a classe trabalhadora num momento em que esta se ergue pelos seus direitos.

Para além do mais, sabemos que esta lei, tal como todas as leis de um Estado burguês, será sempre aplicada seletivamente, em particular às mãos da polícia e dos tribunais. É tão inevitável que mulheres racializadas e manifestantes de esquerda sejam importunados pela polícia, por qualquer lenço que levem sobre a cabeça, quer lhes cubra ou não a cara, usando esta lei como desculpa para assediar, como o é que os bandos fascistas possam marchar pelas ruas de cara tapada, sem ninguém os importunar por isso, não fossem ser desmascarados e vir-se a descobrir quantos polícias e militantes de partidos de direita se contam entre esses grupos.

O que a direita entende como segurança é garantir a força para aterrorizar a classe trabalhadora, seja através da polícia, seja através de grupos fascistas. Desse seu privilégio, nunca vão abdicar, e estarão prontos para nos submeter a todo o tipo de humilhações para o garantir. E contra esse seu privilégio, temos de resistir todos os dias.

Só a luta nas ruas poderá derrotar esta lei!

Instituições como a Ordem dos Advogados e o Ministério Público já vieram alertar para a potencial inconstitucionalidade deste projeto-lei, dada a sua clara falta de neutralidade, ao atacar uma pequena comunidade marginalizada.

A inconstitucionalidade deste documento é tão evidente quanto é irrelevante. O constitucionalismo é uma ferramenta do regime burguês, que a usa, e desusa, conforme melhor servir os seus interesses. Salvaguardar-nos em garantias constitucionais é predispormo-nos a uma derrota.

Para vencer contra esta lei, teremos de levar a cabo a luta nas ruas. Apenas uma pressão massiva, com manifestações pelos nossos direitos e contra esta lei, poderá pôr suficiente pressão sobre o Tribunal Constitucional e as demais instituições do Estado que os force a abdicar desta lei. Tal vitória seria um passo em frente muito valioso na luta contra esta direita cada vez mais islamofóbica, autoritária e machista.

E se a lei for em frente, temos de estar preparadas para a resistir no quotidiano e nas nossas mobilizações, e prontas para defender companheiras que, por se vestirem como querem, sejam assediadas pela polícia. A nossa unidade, os nossos números, são a nossa força contra as forças da repressão, e precisaremos de contar com esta cada vez mais.

Na Esquerda Revolucionária e Livres e Combativas estamos a construir uma organização com o objectivo de levar em frente estas lutas, de trazer para as ruas a força das massas para cair estas leis opressivas e enfrentar a polícia e os fascistas.

Vem construir esta organização e participar na luta! Junta-te a nós!

JORNAL DA ESQUERDA REVOLUCIONÁRIA

JORNAL DA LIVRES E COMBATIVAS

Sindicato de Estudantes

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