Só a luta da classe trabalhadora pode travar a barbárie capitalista e impedir um futuro de miséria e guerra!

O patronato mantém os salários miseráveis enquanto a inflação atinge dois dígitos e traduz-se na perda de dois meses de salário ao ano para milhares de famílias trabalhadoras, incêndios consomem centenas de milhares de hectares de floresta, uma onda de calor mata mais de 500 pessoas no espaço de uma semana, o Serviço Nacional de Saúde mostra sinais de degradação extrema — que chegam mesmo a provocar a demissão de uma ministra —, o ano lectivo inicia-se com falta de professores e em caos nas escolas… E perante tudo isto, o PS lança-se numa campanha de celebração do crescimento económico, da descida da dívida pública e da diminuição do desemprego.

A crer nos discursos destes ministros e deputados, não só a economia está a recuperar como estão a ser aplicadas as mais progressistas medidas de esquerda para proteger as famílias de classe trabalhadora dos efeitos da crise e da guerra da Ucrânia. Tudo vai bem! Mas Costa e os seus cúmplices não têm quaisquer ilusões. Esta propaganda é uma tentativa consciente de adiar uma explosão social que, cada vez mais, tem abundante combustível para se concretizar.

O embuste do crescimento económico

O ministro das finanças, Fernando Medina, congratula-se pelo crescimento da economia portuguesa. Segundo o Eurostat, foi um aumento homólogo de 6,9% do PIB. A média da UE foi de 4%. Além disto, Medina apresentou também uma revisão da previsão de crescimento para 2022, que passou de 4,9% a 6,4%. E estes dados são os elementos de uma desesperada campanha de propaganda da social-democracia.

Mas que crescimento é este? É um crescimento quase completamente assente no turismo, um sector que sofreu uma verdadeira hecatombe durante a fase de restrições, nos primeiros dois anos da pandemia, e que agora está em expansão acelerada justamente porque as restrições foram levantadas e o consumo, previsivelmente, disparou.

Os números são sem dúvida impressionantes. Só durante o mês de julho, o país registou 3 milhões de hóspedes e 8,6 milhões de dormidas, ou seja, um aumento de 85,4% em hóspedes e 90,1% em dormidas face a julho de 2021. Os números de 2019 foram já ultrapassados em 6,3% e 4,8%, respetivamente.

Mas esta recuperação está longe de ser a tábua de salvação nacional que o PS promete. O estalar da crise económica e da crise sanitária atingiu a economia portuguesa com uma brutalidade particular precisamente porque o turismo compreendia cerca de 12% do PIB antes da chegada da covid-19. O que agora está a dar-se é um aprofundamento das piores debilidades da economia e, portanto, a antessala de uma contração ainda mais drástica num momento em que a economia mundial sofre convulsão após convulsão e até mesmo os mais altos representantes da União Europeia admitem abertamente que se está a dar início a “um dos piores invernos da história” do continente.

E se é um facto que o espasmo da economia portuguesa nos últimos meses significou uma diminuição do desemprego, essa diminuição, tal como aquela que vivemos durante os anos de crescimento (2015-2019), está a ser essencialmente uma expansão das condições precárias de trabalho para ainda mais vastas camadas da nossa classe. 

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O sector do turismo expandiu-se tão convulsa e bruscamente que a pressão para a subida de salários se tornou irresistível e ameaçou contagiar outros sectores.

Dito isto, o sector do turismo  onde, como explicamos, o crescimento se concentra quase totalmente , expandiu-se tão convulsa e bruscamente que a pressão para a subida de salários se tornou irresistível e ameaçou contagiar outros sectores — ainda para mais combinada com a referida diminuição do desemprego.

Desesperados para fixar suficiente força de trabalho nas suas empresas, os patrões do sector em várias regiões viram-se forçados a pagar salários mais altos. Na comunicação social não faltaram declarações, testemunhos, entrevistas e todo o tipo de peças jornalísticas sobre a falta de mão-de-obra no turismo e, claro está, sobre a “falta de vontade de trabalhar” dos jovens. Em todas elas, ficou por dizer que os salários continuam miseráveis mesmo depois das subidas, que continua a haver jornadas laborais de mais de 10 horas, semanas sem dia de descanso, precariedade extrema, assédio moral e sexual, condições de trabalho e alojamento degradantes.

A resposta da social-democracia a estes problemas deixou mais uma vez bem claro de que lado está este governo: do lado da burguesia. Costa ignora olimpicamente as condições dos trabalhadores do turismo e dos demais sectores há anos, tendo mantido intocadas as contra-reformas laborais realizadas pela direita — em alguns casos até mesmo aprofundando-as — e a liberalização do mercado imobiliário que significa o despejo de centenas e centenas de famílias trabalhadoras e pobres a cada ano. Mas assim que surge uma inconveniência para o patronato, defende energicamente cada cêntimo de lucro. Os queixumes do patronato do turismo tiveram resposta imediata: o governo PS está já a criar canais especiais para importar força de trabalho barata do Brasil e dos PALOP.

Não houve qualquer tentativa de usar este crescimento económico para combater a precariedade, para melhorar as condições de trabalho, para aplicar qualquer programa que visasse melhorar as condições de vida dos trabalhadores, nem mesmo com uma receita social-democrata. Nada semelhante! O PS corre em busca de trabalhadores imigrantes — de famílias pobres, que chegam a Portugal isolados e numa situação de extrema vulnerabilidade — para entregá-los às garras dos capitalistas do turismo.

Não há aqui nada de surpreendente — estes são, no final das contas, os mesmos governantes que se mantêm serenos perante condições de trabalho análogas à escravatura no sector agrícola, os mesmos que governaram durante toda a pandemia com desdém pela vida de milhões de trabalhadores e pobres, arruinando o SNS para encher os bolsos das empresas privadas de saúde, os mesmos que alinham com o imperialismo dos EUA, da UE e da NATO, reproduzindo a propaganda mais repugnante e canalizando recursos para o esforço de guerra atlantista.

As políticas pró-capitalistas da social-democracia são impossíveis de disfarçar já não apenas pelos seus resultados, senão igualmente pelos seus objetivos declarados. É assim que um crescimento de quase 7% do PIB se dá em simultâneo com uma descida de 5,1% do salário real. Aqui estão o “desenvolvimento” e a “recuperação económica” que o PS tem para nos dar.

A propaganda e os gestos vazios do governo

A campanha de propaganda do PS passou por prometer um programa robusto de medidas contra a degradação das condições de vida. No dia 5 de setembro, esse programa foi finalmente apresentado por Medina, com toda a hipocrisia do nome “Famílias Primeiro”: aumentam-se as pensões muito abaixo dos valores da inflação, reduz-se o IVA da eletricidade com um impacto quase nulo na fatura das famílias de classe trabalhadora, permite-se um regresso ao mercado regulado de energia, e, como medida estrela, dá-se uma esmola de 125 euros no mês de outubro e que inclui até mesmo funcionários e empregados com 2.700 euros mensais de ordenado. Gasta-se, para tudo isto, uma pequena fatia da receita que a inflação garantiu ao Estado através do IVA.

Fundamentalmente, este programa não toca nem ao de leve nos problemas que enfrentamos — especulação e carestia, precariedade, crise da habitação, degradação da saúde, educação, transportes e todos os serviços públicos… e deixa os lucros especulativos do grande capital a salvo sob o ensurdecedor rufar dos tambores de propaganda. É verdadeiramente um insulto aos trabalhadores e aos pobres — convidados a passar por um complicado processo burocrático para receber uma pequena esmola — e, em igual medida, é um piscar de olho aos eleitores das camadas médias.

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Este programa não toca nem ao de leve nos problemas que enfrentamos — especulação e carestia, precariedade, crise da habitação, degradação da saúde, educação, transportes e todos os serviços públicos…

O facto incontornável é que toda esta propaganda, todas estas manobras e medidas cosméticas vão, tarde ou cedo, esfumar-se contra a realidade de uma crise de decomposição do capitalismo que se está a agravar a passos largos.

Levantamentos revolucionários como o do Sri Lanka são uma demonstração do que se prepara não só nos países ex-coloniais, senão igualmente nos países capitalistas avançados, e especialmente numa Europa que se vê rasgada pela disputa crescentemente feroz entre os EUA e a China pelo mercado mundial. Os avisos dos burocratas da UE — e em particular dos governos alemão e francês —, sobre um outono de racionamento de energia caso a Rússia interrompa ou reduza o abastecimento de gás para a Europa, pintam um cenário de turbulenta luta de classes no velho continente. Os “estrategas” de Washington e os seus mordomos europeus, com os seus esforços para travar a ascensão do bloco imperialista da China e da Rússia, não estão senão a preparar levantamentos populares da maior envergadura, erodindo ainda mais a credibilidade dos partidos e das instituições da democracia burguesa — ou seja, aprofundando sobremaneira a crise do regime.

Esta tempestade não vai poupar Portugal — que, como dissemos, tem uma economia cada vez mais vulnerável —, e não é nenhum acaso que este crescimento económico seja completamente desprovido de reformas sociais. Tal como o governo de Costa, que nos mente com todos os dentes que tem na boca, a classe dominante deste país está perfeitamente ciente do caráter efémero desta “recuperação” e não tem nenhuma ilusão num futuro de prosperidade. Nem a mais ínfima concessão nos será feita pela via parlamentar, ao contrário do que nos querem fazer crer os dirigentes reformistas. Qualquer melhoria minimamente significativa nas nossas vidas só se conquista pela via da luta de classes mais aguerrida.

A tarefa do momento é construir uma esquerda revolucionária!

Num momento em que todos os elementos de desestabilização e desequilíbrio deste sistema estão a crescer, à esquerda do PS, a social-democracia 2.0 repete obstinadamente todos os erros que a levaram à desastrosa situação em que se encontra — a de uma dramática perda de credibilidade entre os ativistas e a juventude, uma crise orgânica e de militância, uma queda eleitoral sem precedentes…

Os dirigentes do BE e do PCP, com as suas críticas sempre respeitadoras dos limites da lógica capitalista e da propriedade privada que lhe subjaz, tornaram-se um lamentável eco da social-democracia. O problema não é a “insuficiência” dos 125 euros ou de qualquer outra medida, nem é a data “tardia” destas esmolas. E o que aqui está a ser prejudicado não são os interesses do “país”. Toda a política dos dirigentes do PCP e do BE omite o fundamental na política interna tal como o omite na externa — assim, da mesma forma que temos pedidos de “diplomacia” e paz dirigidos às mais importantes instituições internacionais da burguesia (como a UE e a ONU), temos pedidos de humanismo a ser dirigidos ao Estado burguês. Isto não é apenas inútil, é desmoralizador, espalha a confusão e, portanto, ajuda objetivamente a extrema-direita a crescer. Um capitalismo de rosto humano é simplesmente impossível.

Ora, respeitando estes limites, não existe qualquer possibilidade de uma política “mais à esquerda” do que a levada a cabo pelo PS. A única política de esquerda digna desse nome é aquela que luta não por mais esmolas, senão por tomar os imensos recursos económicos que o suor diário da classe trabalhadora produz e colocá-los ao serviço das necessidades sociais. 

O que precisamos é de uma esquerda decidida a levar a guerra contra o capital às suas últimas consequências, uma esquerda leal aos explorados e oprimidos, não a ideais de “democracia” abstrata, ao “país” e a outras balelas que não servem para outra coisa senão para esconder que existe aqui um inimigo, que existe aqui uma classe que não só beneficia da nossa miséria como está a preparar-se para sacrificar incontáveis vidas nessa miséria e, se preciso for, também numa nova guerra mundial.

Um programa realmente de esquerda tem de exigir a nacionalização, sem indemnização e sob controlo dos trabalhadores, das empresas de energia e da banca, das maiores empresas e dos monopólios capitalistas em todos os sectores. E tem de aplicar todos estes tremendos recursos na criação de emprego de qualidade, com salários que não possam ser devorados pela inflação, em pensões dignas, numa saúde e numa educação públicas e de qualidade que tenham um papel real e efetivo na dissolução das desigualdades de classe, numa habitação pública, digna e acessível que permita a todos os jovens emancipar-se das suas famílias.

Tal programa é o único capaz de fazer frente à ofensiva capitalista, à extrema-direita e ao futuro de miséria e guerra que este sistema prepara. E é possível conquistá-lo apenas construindo uma esquerda revolucionária apoiada na força da organização e mobilização da classe trabalhadora, consciente de que essa é a única força que verdadeiramente pode mudar o mundo!

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