Passou-se um ano desde o início da guerra na Ucrânia, uma guerra imperialista pela disputa da hegemonia mundial entre os blocos liderados pelos EUA e pela China. Em declínio, com derrotas em todos os outros continentes face ao emergente e potente imperialismo chinês, a oligarquia estado-unidense decidiu que não pode abdicar do controlo sobre a Europa, custe o que custar. Encontrou no regime ucraniano de extrema-direita um aliado ansioso por aderir à NATO, provocando a invasão de Putin e encontrando assim uma razão sobre a qual unir os governos europeus contra o bloco adversário.
Mas, apesar de toda a propaganda, torna-se cada vez mais evidente que o imperialismo estado-unidense encabeça um novo fiasco. Depois de usar milhares de ucranianos como carne para canhão, apesar de ter armado e partilhado inteligência com o governo de Zelensky, o governo dos EUA corre o risco de ter que se envolver mais diretamente na guerra para a manter. Uma opção que acarreta o risco de incendiar ainda mais a luta de classes a nível nacional e internacional. As sanções à Rússia também foram um tiro no pé: não só as suas receitas com as exportações de hidrocarbonetos aumentaram quase 30% como a sua venda se expandiu para mercados tradicionalmente aliados dos EUA, como a Índia. O exército russo conseguiu consolidar os territórios conquistados e a previsão é que o PIB da Rússia cresça 0,3% este ano.
Na verdade, são os seus parceiros europeus que estão a pagar a factura energética da guerra — aos EUA e a outros mercados. A Alemanha, o principal motor da economia europeia, está a pagar quatro vezes mais pelo gás importado em comparação com o russo, fazendo com que o governo tenha de aumentar os seus subsídios, e, portanto, a dívida pública, para manter a sua indústria competitiva1.Esta situação está obviamente a causar divisões nas várias burguesias europeias — com a alemã à cabeça, mas também na Hungria e República Checa —, contrariando a propaganda de uma Europa unida contra o invasor russo. Isto não impediu os capitalistas que controlam o sector das energias no continente de transferirem os custos para a classe trabalhadora, resultando num aumento da inflação por toda a Europa.
O que os EUA conseguiram foi, confirmando uma vez mais o seu papel de principal factor de instabilidade económica, política e militar, trazer o velho continente de volta ao epicentro da luta de classes a nível mundial. A empobrecida classe trabalhadora em França e Reino Unido está a mostrar a sua força e revolta contra o sistema capitalista e todas as suas instituições, protagonizando levantamentos e protestos de massas, obrigando o sindicalismo burocrático a convocar greves gerais que paralisaram ambos os países. A classe trabalhadora em Portugal segue na sua esteira.
A classe trabalhadora em Portugal enfrenta esta nova crise capitalista sem ter ultrapassado a anterior
O capital financeiro internacional, com a conivência de sucessivos governos burgueses, relegou a classe trabalhadora em Portugal para trabalhos mal pagos, principalmente nos serviços, como call-centers e turismo. Em aliança com o governo de Passos Coelho usou os seus instrumentos como o FMI e a União Europeia para, durante a crise da dívida pública que criara, privatizar e liberalizar o que ainda não tinha conseguido e garantir que os salários permaneciam baixos. Com salários estagnados há 10 anos, estávamos no início de 2022 mais pobres — o nosso salário real, aquilo que conseguimos de facto comprar com o nosso salário é menor — do que em 2012. Os últimos dados, de 2020, revelam que quase metade da população sobrevive com menos de 550€ por mês.
Agora a situação tornou-se ainda mais insuportável. Também em Portugal os capitalistas viram a guerra como uma oportunidade para aumentar os seus lucros. Na fase superior do capitalismo, o imperialismo, como dizia Lenin, os monopólios e os cartéis controlam toda a economia, e decidem os preços a praticar. Só a concertação de preços explica a inflação geral de 10% e de 22% nos bens essenciais. Os lucros record das grandes empresas como a Jerónimo Martins fazem-se à custa da nossa fome, obrigando-nos a roubar para comer. Uma demonstração gráfica do total falhanço do sistema capitalista que é incapaz de oferecer condições de vida minimamente dignas.
Sofremos ainda com a crise da habitação — que nos empurra para as periferias e para condições de habitação completamente insalubres — e com o colapso das infraestruturas e dos serviços públicos. Dezenas de milhares de alunos sem professores e hospitais a encerraram por falta de médicos e enfermeiros, resultado de décadas de subinvestimento e degradação das condições de trabalho dos funcionários públicos. Enquanto a classe trabalhadora tem cada vez menos acesso à saúde e educação públicas, a burguesia parasita-as e recebe chorudos subsídios do governo para fazer crescer saúde e educação privadas. Não satisfeito, o governo PS decidiu ser a altura de dar a machadada final nos serviços públicos, avançando com a municipalização na saúde e uma tentativa na educação, deixando à decisão de cada autarquia quanto investir ou se privatiza as suas escolas, o que significaria a completa destruição da escola pública.
Os profissionais da educação lideram as mobilizações de massas em Portugal
Este ataque à escola pública foi a gota de água para os professores. A sua proletarização forçada — com um quarto dos professores precários — e uma sindicalização relativamente elevada tornou os professores na ponta de lança da revolta social contra as condições de vida degradantes. Enquanto os sindicatos burocráticos da CGTP, reunidos na FENPROF, continuavam a dar preferência às negociações à porta fechada, o STOP tornou-se na ferramenta disponível para os professores levarem a luta às ruas e locais de trabalho — a única que faz de facto avançar a organização e consegue alcançar ganhos significativos. Construindo as greves de baixo para cima, organizadas por comités de greve em cada escola, o STOP conseguiu unificar as lutas do ensino, tendo convocado greve também para os trabalhadores não docentes, e trazer dezenas de milhares de profissionais da educação para as ruas em várias ocasiões.
O governo tem usado todos os meios para impedir a greve de continuar, incluindo decretar serviços mínimos que nulificam completamente os efeitos da greve. Não é por acaso. As greves e manifestações dos profissionais da educação estão a ser um exemplo de luta contra a precariedade e os salários de miséria dos quais sofre a esmagadora maioria da classe trabalhadora. A unificação dos professores e trabalhadores não docentes em ações de luta e em manifestações de massas é um gigantesco passo em frente e uma inspiração para que outros sectores unifiquem também as suas lutas.
Não conseguindo conter a pressão dos enfermeiros e dos médicos, que estão na mesma situação dos professores, os sindicatos da CGTP da saúde também já decretaram greves. Mas tal como na educação, insistem em ter o papel reacionário de travar a construção de uma luta consequente, isolando as greves por hospitais e separando as greves de enfermeiros e médicos. Tudo o contrário do que é necessário fazer: convocar uma greve geral de todos os profissionais da saúde por melhores condições de trabalho e em defesa do SNS. Uma greve geral da saúde e da educação seria um passo para a construção de uma greve geral total.
O governo do PS escolhe o capital enquanto a esquerda se abstém, alimentando as forças da reação. É preciso construir a Greve Geral!
As medidas do governo do PS como o aumento irrisório do salário mínimo ou o mais recente pacote para a habitação, embora maquilhadas de progressistas, não apresentam nenhuma solução para a grande maioria da classe trabalhadora. Perante estas, a esquerda fica-se pela simples denúncia, abdicando quase por completo de uma política de mobilização e luta nas ruas. De resto o seu programa, de um reformismo atroz, subjugado aos limites do sistema capitalista, tampouco é solução para nenhum dos problemas da classe trabalhadora. Quem se mobiliza por aumentos do salário mínimo nacional para os 800 ou 850€ — propostas que se mantêm inalteradas há anos — quando é esse o preço das rendas? Pelo contrário, os programas do BE e PCP, incapazes de convencer a classe trabalhadora em processo de radicalização, são dirigidos às camadas mais atrasadas e à pequena-burguesia. A recente “solução” do BE para a habitação é disso mesmo exemplo: proibir a compra de casas por não-residentes em Portugal só beneficia a burguesia e pequena-burguesia nacionais, continuando a alimentar o mercado imobiliário.
Com o desenrolar da crise o desgaste do PS é uma inevitabilidade. As políticas do PS e o reformismo das direções de esquerda só servem para desmoralizar a sua base e fortalecer a ideologia reaccionária da extrema-direita entre a pequena-burguesia empobrecida e a sua penetração nas camadas mais atrasadas da classe trabalhadora. Quando a maioria da burguesia achar que está na altura de levar a cabo um novo período de ataques e escolher seguir com um governo de direita terá aqui a sua base, que já aumenta em número e virulência os seus ataques contra imigrantes, mulheres e pessoas LGBTI+. As limitações que o PS foi obrigado a colocar ao alojamento local já estão a servir para começar a agitação contra o governo “socialista” e de “extrema-esquerda” entre os proprietários de imóveis. Por agora a direita continua num processo de reorganização, com o Presidente da República — o mais esclarecido representante público do PSI-19 — a insistir claramente nessa necessidade de preparação para serem governo nas próximas legislativas.
Mas a classe trabalhadora está em movimento. As greves multiplicam-se em todos os sectores. Os professores continuam mobilizados e a mostrar o caminho. A manifestação “Vida Justa” trouxe às ruas de Lisboa muitos milhares de trabalhadores e jovens num ambiente muito combativo e determinado. É preciso unificar todas as lutas numa greve geral que faça parar o país e que tome para si um programa socialista que rompa com o capitalismo, que retire toda a riqueza concentrada de forma obscena nas mãos de um punhado de capitalistas e a ponha ao serviço da classe trabalhadora para ser gerida democraticamente.
A esquerda tem uma opção clara: adoptar este programa ou perecer. A força da classe trabalhadora na Inglaterra, em França, no Peru, em Portugal e em todos os países é completamente inspiradora e demonstra vez após vez que está à altura deste programa, ao contrário das suas direções. Falta o factor subjectivo, o partido revolucionário, que armado com o programa da revolução socialista e baseado na força e nos métodos da nossa classe acabe com este sistema podre e com a miséria e guerra que propaga. Há que construí-lo!
Junta-te à Esquerda Revolucionária!
Notas
1. Para garantir que o governo alemão não sucumbia à pressão de voltar a comprar gás à Rússia os EUA chegaram ao cúmulo de cometer um ato de guerra contra os seus “aliados” ao fazer explodir o gasoduto Nord Stream que abastecia a Alemanha de gás vindo da Rússia.