O capitalismo encontra-se hoje numa crise de decomposição que coloca na ordem do dia a revolução ou uma nova destruição maciça de forças produtivas. Na comunicação social, as tentativas de justificar esta crise com a guerra imperialista da Ucrânia não passam de propaganda. A realidade é que a guerra — como as restantes instâncias da disputa pela hegemonia mundial que levam a cabo os EUA e a China — é apenas o sintoma mais agudo da crise deste modo de produção, agravando os profundos desequilíbrios dos quais a economia mundial já padece desde a Grande Recessão de 2008.
O caos económico que se perfila no horizonte, e para o qual até mesmo a comunicação social já alerta, traz consigo um novo agravamento das condições de vida de enormes sectores da população mundial, com uma brutalidade inusitada para as massas europeias. O facto de que esse caos se aproxima com completo conhecimento da classe dominante e é ainda assim imparável só demonstra a incapacidade dos governos burgueses para resolver as contradições do capitalismo. O arrastamento e agravamento da crise social provoca necessariamente sublevações de massas — nos levantamentos da classe trabalhadora e da juventude no Sri Lanka, no Irão e no Haiti, os restantes países encontram uma imagem do seu futuro a curto prazo.
Em Portugal, o governo PS olha atónito para esse futuro. A economia deste pequeno país, ferreamente atrelada à economia alemã através das instituições da UE, vai ser atingida em cheio pela tempestade económica mundial. As mentiras de António Costa e dos seus ministros são tanto maiores quanto mais nitidamente esta realidade se apresenta aos olhos de todos. Os ministros da social-democracia portuguesa dizem-nos que, com a sua maioria parlamentar, vão “aprovar legislação que protege as famílias com crédito à habitação”, vão “aliviar o impacto da inflação na vida das famílias”, vão aprovar um orçamento do Estado para 2023 que “reforça os rendimentos" dos trabalhadores. Mentem com todos os dentes que têm na boca.
Pobreza e humilhação para nós…
Os números da pobreza a que temos acesso são, por agora, os do final de 2020. Já nesse momento, 19,8% da população estava, nos termos do Instituto Nacional de Estatística (INE), “em risco de pobreza ou exclusão social” — 20,2% quando consideramos apenas as mulheres, que são especialmente atingidas pela crise. Mas como noticiava o Diário de Notícias no passado mês de outubro, sem os apoios sociais, no final de 2020, num país de 10,3 milhões de pessoas, 4,4 milhões seriam pobres — i.e., viveriam com menos de 554 euros mensais —, o que significa mais de 42% da população! E os termos do INE são altamente questionáveis… Como é possível viver com dignidade a receber o salário mínimo nacional (SMN) de 705 euros mensais? Este SMN é um salário de pobreza.
A situação torna-se ainda mais dramática para os idosos da nossa classe, os nossos pais e avós. São hoje 1,64 milhões de idosos a viver com reformas abaixo do SMN.
O governo tentou ocultar esta catástrofe social durante a pandemia e esforça-se agora para nos convencer que as vidas da generalidade da população estão a melhorar, mas é por demais evidente que a nossa classe está a afundar-se num pântano de miséria.
Os sinais estão por todo o lado, e um dos mais explícitos é o aumento drástico do roubo de alimentos e produtos de primeira necessidade em supermercados. Estes “roubos” são tão prevalentes que o atum enlatado e as garrafas de azeite já têm alarmes nos principais supermercados. Como noticia o mesmo diário, quem se vê forçado a fazer isto são idosos com pensões miseráveis e mães e pais desesperados para alimentar os seus filhos.
Esta situação é completamente impossível de alterar sem chocar com os interesses do grande capital. Ora, basta olhar para os governos de Costa para ver como o PS governa religiosamente para o grande capital. Assim, e como já dissemos aquando da apresentação do programa “Famílias Primeiro", este governo não tem outra opção senão a de acelerar a propaganda ao máximo num cenário absolutamente dramático de crise económica na Europa e no mundo. Ao fazer isto, coloca-se em rota de colisão frontal com a realidade. E como também já dissemos nessa mesma ocasião, não há qualquer hipótese de esta propaganda surtir efeito precisamente porque todas as famílias de classe trabalhadora sentem o rebaixamento abrupto das suas condições de vida a cada ida ao supermercado, a cada cobrança da renda, a cada conta de energia, a cada noite mal-dormida de ansiedade e receio pelo futuro.
A própria pequena-burguesia, em grandes sectores, vive um processo de empobrecimento que a torna extremamente volátil politicamente e, por isso mesmo, incapaz de continuar a funcionar como até aqui, ou seja, como conjunto de camadas sociais onde o regime e os seus governos se apoiam com relativa estabilidade.
… lucros recorde para eles!
Enquanto nós nos sentimos afundar num pântano de miséria e somos chamados a sujeitar-nos docilmente a um futuro de exploração e guerra, os grandes capitalistas vivem numa opulência que cresceu ainda mais aceleradamente desde o início da crise económica e pandémica. A Sonae quase duplicou os seus lucros no primeiro semestre deste ano, lucrando, só nesses seis meses, 118 milhões de euros; a Jerónimo Martins, empresa dona do Pingo Doce, teve um aumento de 29,3% nos seus lucros até setembro deste ano, alcançando 419 milhões de euros líquidos; e a EDP, também até setembro deste ano, registou lucros de 518 milhões de euros! Os bancos no seu conjunto, depois de anos de despedimentos massivos e de encerramento de agências, também praticamente duplicaram os seus lucros para 1,9 mil milhões de euros, com os privados a liderar esta subida.
Este é o resultado da governação do PS durante esta crise, um resultado cada vez mais assumido e defendido pelo governo. As palavras de António Costa Silva, ministro da economia e do mar, tal como citado pelo ECO, merecem a nossa atenção pela sua cristalina clareza ideológica: “vivemos num país que, por motivos ideológicos, hostiliza as empresas, hostiliza os empresários, muitas vezes trata o lucro como um pecado (…). E, sobretudo, há também um ataque sistemático contra as grandes empresas e contra aquilo que muitos chamam o grande capital” — e o ministro de “esquerda” prosseguiu — “Oxalá o país tivesse grande capital, o capital é exatamente uma das coisas que mais falta faz para capitalizar as empresas e desenvolver um percurso para o futuro”.
Estas palavras são o cúmulo da hipocrisia. O grande capital não só existe em Portugal como é ainda cúmplice do grande capital de outros países imperialistas que exploram os trabalhadores neste país e internacionalmente. Só os lucros multimilionários auferidos pelas 20 maiores empresas portuguesas nos últimos 3 anos já seriam suficientes para reconstruir o SNS e alcançar o acesso gratuito e universal à saúde. Mas toda essa riqueza é em vez disso canalizada para os bolsos de acionistas que se dedicam à especulação mais obscena com produtos alimentares e energia, escumalha que faz das nossas vidas e das vidas dos nossos filhos um jogo de casino.
Um orçamento de terror contra as famílias trabalhadoras
A medida estrela do OE2023, o aumento do SMN para 760 euros no próximo mês de janeiro, é talvez a melhor ilustração do que a social-democracia tem para nós. Esta será uma subida de menos de 8% do SMN, depois de subidas de 10,7% no preço do pão e dos cereais, 16,7% na carne — 25,1% na carne de aves e 23,4% na de porco, as mais consumidas pelas camadas mais pobres —, 8,7% no peixe, 10,3% no leite, queijo e ovos, 13,7% na fruta, 36,2% nos óleos alimentares. Por fim, o preço do gás natural teve um aumento de 35,5% e o da eletricidade de 28%.
Todos estes números são do INE e registam a variação entre 24 de fevereiro, o dia da invasão da Ucrânia, e o passado mês de agosto. Ora, fevereiro foi apenas o mês em que essa subida acelerou bruscamente, e os preços não pararam de subir em agosto. Portanto, nenhum destes dados consegue expressar precisamente o brutal golpe que sofreram os nossos salários reais. Salários que continuaram a cair depois da formação da “geringonça” em 2015 (especialmente devido à especulação imobiliária) e se mantiveram sempre em queda até hoje, apesar dos aumentos nominais e da propaganda estridente do PS e das direções do BE e do PCP. A chegada da pandemia e, mais recentemente, a invasão da Ucrânia, marcam no entanto dois pontos de aceleração brusca dessa queda. E o OE2023, ao contrário do que nos diz o PS, é um orçamento de austeridade. Em 2023, 760 euros serão um salário de miséria.
Para as pensões, o OE2023 tem um aumento de 4,43% para quem recebe menos de 886 euros e de 4,07% para quem recebe mais do que isso. É uma política de abandono dos idosos à fome, à depressão e à morte que tantas vezes vem por suicídio nas regiões mais rurais do país.
A isto junta-se o subfinanciamento crónico do SNS, da educação, dos transportes públicos e de todos os serviços públicos.
Por outro lado, o OE2023 assegura a continuação de todos os mecanismos de canalização de fundos públicos para os bolsos de privados com as PPP e, por exemplo, os acordos com empresas privadas de saúde. Assegura-se ainda, para o próximo ano, o pagamento de 6,797 milhões de euros da dívida do Estado ao capital financeiro internacional. E, consequentemente, se é parco no aumento do SMN e das pensões, é um “mãos largas” para a política belicista da NATO, inscrevendo 2.584,9 milhões de euros na Defesa, o que representa mais 198,4 milhões de euros face à estimativa de gastos para 2022, isto é, um aumento de 8,3% em relação a este ano.
O PS governa para a burguesia, não para a classe trabalhadora. Tal como em todos os orçamentos de Costa desde 2015, não há neste OE2023 uma única medida que incomode o capital financeiro. O governo de Costa segue o guião do capital imperialista ao pé da letra. Reproduz a propaganda de guerra para justificar os ataques à classe trabalhadora, e aplica esses ataques sem hesitações, fazendo de tudo para proteger e aumentar ao máximo os lucros capitalistas antes do rebentamento da próxima onda da crise.
Aliás, é o próprio governo a prever, conservadoramente e sem qualquer fundamento sério, uma inflação de 7,4% (a realidade pode facilmente ser muito pior) sobre os preços já completamente insuportáveis deste ano. Nestas circunstâncias, um orçamento do Estado como este é nada menos que uma declaração de guerra contra a nossa classe, uma política do mais autêntico terror social pintada de cor-de-rosa. Como dissemos já em repetidas ocasiões, tal política prepara o terreno para um governo da direita e da extrema-direita que se lançará numa campanha contra os mais básicos direitos democráticos.
Isto é ainda mais claro quando notamos que as perspectivas que existem para 2023, a nível internacional, são tenebrosas. As próprias instituições internacionais capitalistas — FMI, BCE, Banco Mundial… — são quem nos alerta para um ano de 2023 marcado pelo agravamento daquilo que já é uma catástrofe económica mundial. Esta é uma crise de dimensão comparável apenas ao crash de 1929, outra crise agónica e terminal do capitalismo que foi ultrapassada apenas com a destruição maciça de forças produtivas da Segunda Guerra Mundial.
Há que voltar às ruas e construir a esquerda revolucionária!
Perante este cenário, o BE e o PCP limitam-se a propor salários um pouco mais altos (o BE pede 800 euros de SMN, o PCP 850), mais alguns apoios sociais, taxação de “lucros extraordinários”, fim dos “vistos gold” e outras medidas que não tocam numa única questão de fundo e sempre pela via institucional.
Abdicando por completo de uma política de mobilização e luta nas ruas, esta esquerda tenta limpar a imagem do sistema. Os terríveis resultados eleitorais do início deste ano foram apenas um dos sintomas disto, e as tentativas desesperadas das direções do BE e do PCP para reverter as crises internas dos seus aparelhos sem alterar a sua política são tão inúteis como a propaganda do PS. Estes burocratas completamente assimilados pelo sistema caminham para um acerto de contas com a realidade.
A dramática crise social que se abate sobre a nossa classe é causa de um sofrimento imenso, mas é também o tiro de partida para um novo assalto aos céus, para atos heróicos das massas como aqueles que temos visto ao longo dos últimos anos em inúmeros países.
É mais urgente do que nunca levantar um programa que de facto responda às necessidades imediatas da classe trabalhadora e da juventude:
- 1.200 euros de salário mínimo imediatamente e escala móvel de salários que permita a actualização de acordo com a inflação;
- Semana de trabalho de 30 horas sem perda de salário;
- Nacionalização sob controlo dos trabalhadores e utentes de toda a saúde, educação e transportes coletivos, investimento massivo para contratação dos milhares de profissionais em falta, renovação e construção de infraestruturas, compra de novos equipamentos;
- Nacionalização com controlo operário das empresas de energia para acabar com a especulação e fazer a transição energética;
- Nacionalização sob controlo dos trabalhadores das grandes superfícies comerciais para pôr fim à especulação com alimentos e bens de primeira necessidade, estabelecer preços controlados e acabar com a fome;
- Nacionalização da banca com controlo dos trabalhadores e utentes para impedir a fuga de capitais e garantir que controlamos a riqueza necessária para realizar este programa — a riqueza que a nossa classe produziu!
A social-democracia e toda a esquerda reformista dir-nos-ão que estas reivindicações que não há condições para isto, que não há “consciência” nem boa “correlação de forças”. A realidade desmente-os. A última década foi de enormes saltos na consciência da classe trabalhadora e da juventude, que se mostram repetidamente à esquerda destas direções. Os próximos anos serão de encarniçada luta de classes e de ainda mais bruscos saltos na consciência das massas. As greves que já voltam a aumentar em número e em força apontam também nesse sentido — operários da Autoeuropa e Faurécia, dos transportes (metro, MTS…), trabalhadores dos correios, professores, entre tantas outras.
O papel de uma direção é o de unificar estas lutas rumo a uma greve geral que atinja o coração do capital à escala nacional. A correlação de forças modifica-se na luta. Ao atribuir à classe trabalhadora a responsabilidade pela política de adaptação às instituições e parlamentarismo que segue, as direções reformistas da esquerda estão apenas a tentar ocultar o seu medo de qualquer ação direta das massas — o medo de perder a função de mediadoras entre os trabalhadores, por um lado, e os patrões e o seu Estado, por outro.
Podemos contar com a força da classe trabalhadora! E podemos ver essa força por todo o mundo. A construção de uma esquerda revolucionária, combativa, armada com o programa da revolução socialista e baseada na força e nos métodos da nossa classe é aquilo que nos falta para sair desta crise pela via revolucionária de construção de uma nova sociedade e não pela via da miséria, da morte e da guerra imperialista!