A semana das Jornadas Mundiais da Juventude (JMJ) em Lisboa traduziu-se num verdadeiro inferno para quem vive e trabalha na Área Metropolitana de Lisboa. Os trabalhadores, responsáveis por garantir todo o funcionamento dos serviços usados para a JMJ, tiveram que suportar uma semana de transportes lotados após, em muitos casos, jornadas laborais estendidas e extenuantes. Tudo isto para o Estado português promover a ideologia reacionária da Igreja e garantir o lucro das grandes empresas e instituições católicas com o evento megalómano. O caso dos transportes públicos representa muito bem o que significou esta semana para a classe trabalhadora e a verdadeira política da burguesia e do seu atual governo.

Para uma cidade em que a situação dos transportes públicos é deplorável já em condições normais, era de se esperar que se instalasse o caos total no fluxo de pessoas durante as jornadas. Se os próprios peregrinos tiveram queixas dos transportes, para os trabalhadores a situação foi ainda mais insuportável, dificultando a deslocação para os locais de trabalho, com as revistas policiais nas zonas restritas, a pressão das chefias e os descontos a serem realizados ao fim do mês devido aos atrasos causados pela JMJ. Para além disso, as opções de lazer durante folgas e férias viram-se completamente limitadas para os que aqui vivem, sendo a cidade completamente tomada pelo evento. A circulação nas zonas restritas delimitadas foi ainda proibida pelas forças policiais àqueles que não tivessem uma declaração de trabalho, deixando claro que só temos direito aos espaços da cidade se for para garantir os lucros dos nossos patrões.

Os planos do governo para a JMJ incluíam um reforço dos transportes da Área Metropolitana de Lisboa, com um aumento de 354.000 lugares nos dias úteis e 780.000 nos dias do fim de semana, sendo o aumento dos dias do fim de semana mais expressivo dada a escassez de transportes aos fins de semana, principalmente nas periferias de Lisboa. Ainda assim era claro que, com décadas de desinvestimento e degradação das infraestruturas dos transportes públicos, para além da falta crónica de trabalhadores, estas medidas seriam insuficientes para colmatar os problemas e a falta de organização do sistema de transportes.

Tendo em conta o caos dos transportes, o governo teve o cuidado de garantir shuttles rodoviários para os 30 mil voluntários no encerramento das jornadas, utilizando recursos públicos da Carris e da Carris Metropolitana, com a escolta das forças policiais. Os trabalhadores, por outro lado, já não tiveram a mesma sorte, sendo deixados completamente à mercê dos transportes lotados por peregrinos para poder chegar ao trabalho. Também, em preparação para a JMJ, foram disponibilizados 3,3 milhões de euros para apoiar a compra de passes para os peregrinos; enquanto todos os meses os trabalhadores têm de fazer um grande ginástica financeira de forma a poder pagar os passes e todas as demais despesas necessárias à sua sobrevivência.

Tudo isto deixa muito claro que o real problema dos transportes — e dos serviços públicos em geral — não é a falta de dinheiro, mas sim o caráter burguês do Estado, para o qual todo e qualquer investimento só faz sentido se gerar em troca lucros para as grandes empresas, enquanto para os trabalhadores se assegura apenas o mínimo possível para poderem trabalhar e assim gerar mais-valia para os patrões. Estas medidas de reforço dos transportes, apesar de insuficientes, já apresentariam uma melhoria para os trabalhadores se fossem implementadas de forma permanente. Pelo contrário, deixaram de estar em vigor no minuto seguinte ao encerramento das jornadas. Chega a ser obsceno a quantidade de dinheiro público, gerado pelo nosso trabalho, gasto nas JMJ — com dispêndios absurdos como o palco do Papa —, enquanto milhões de trabalhadores vivem em situação de pobreza, no limiar da fome e com a ameaça constante de não ter sequer onde morar. Tudo isto enquanto ouvíamos repetidamente do governo do PS que não é possível investir porque é preciso baixar a dívida pública! Está claro que para este governo os interesses dos grandes banqueiros e da burguesia em geral vêm sempre primeiro.

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Os trabalhadores não tiveram a mesma sorte que os peregrinos, sendo deixados à mercê de transportes lotados por estes últimos para poder chegar ao trabalho.

Há meses que os trabalhadores dos transportes públicos alertam para a degradação das infraestruturas, falta de pessoal e práticas das empresas que colocam em causa inclusivamente a segurança dos utentes. Para além disso enfrentam condições degradantes, com horários e cargas de trabalho extensas e cansativas; e vêem-se numa situação de empobrecimento, com os seus salários já baixos a serem reduzidos na realidade pela inflação e aumento do custo de vida. Foram várias as lutas recentes nas empresas de transporte desde a Transtejo e Soflusa, STCP, Infraestruturas de Portugal, Metro de Lisboa e CP, esta última com maior impacto. Esta onda de greves, que se estende também aos outros sectores, também é demonstrativa da situação extrema em que se encontram os transportes públicos, que é do conhecimento de todos os trabalhadores que deles necessitam.

O caso da CP é um exemplo da recorrente campanha de culpabilização dos trabalhadores pelas empresas, com o apoio do governo e dos media. Só se importam com os transtornos causados aos passageiros quando há greves, a única ferramenta dos trabalhadores para exigir condições para uma vida digna e manter uma operação segura e eficaz. É preciso dizer com clareza que a responsabilidade destes transtornos é toda do governo e da direção da CP e, que se recusam a satisfazer as reivindicações urgentes dos trabalhadores por não quererem investir na melhoria do serviço público, garantindo os lucros dos transportes privados. Mas para satisfazer o Papa e a Igreja, afinal já é possível investir!

Como se não bastasse, a CP tem utilizado estratagemas como a perseguição sindical e inúmeras mentiras à imprensa para atacar e dividir os trabalhadores. Foi desta forma, em atuação conjunta com o governo, que conseguiram dar cabo da greve convocada pelo Sindicato Ferroviário da Revisão Comercial Itinerante (SFRCI) durante a semana das jornadas, ao invés de aceitar as reivindicações desses trabalhadores.

A pressão realizada pelo governo para parar esta greve resultou numa derrota dos revisores da CP, que acabaram por aceitar um acordo insuficiente e que mantém desigualdades salariais entre os demais trabalhadores das ferrovias e os revisores, sendo estes últimos os mais prejudicados. A pressão política sobre os trabalhadores para evitar uma greve durante a JMJ foi um fator relevante para essa derrota, mas é preciso apontar a traição dos demais sindicatos como um fator decisivo. Já em maio o SMAQ (Sindicato dos Maquinistas — independente) desconvocou a greve em curso desde abril assinando um acordo que favorecia os maquinistas, “à custa dos revisores e dos outros trabalhadores", como revelou o SNTSF (Sindicato Nacional dos Trabalhadores do Sector Ferroviário — CGTP). No entanto o SNTSF, que na altura mantinha a greve para 31 de maio, acabou por desconvocá-la com a assinatura também de um acordo com a CP — que continua a não incluir os revisores —, tendo mantido a greve apenas o SFRCI sozinho.

É impossível fazer frente aos ataques da patronal com os sindicatos a compactuar com o corporativismo e a divisão entre os trabalhadores instado pela patronal, inclusivamente atacando os trabalhadores que se mantinham em greve a exigir o fim destas discriminações. Uma derrota para parte dos trabalhadores será sempre uma derrota para todos na medida em que enfraquece o movimento operário — a solidariedade é uma arma essencial da qual não podemos abrir mão. É preciso construir um movimento sindical combativo que defenda realmente os trabalhadores, utilizando da experiência histórica dos trabalhadores e as nossas ferramentas de luta.

A maioria das reivindicações do sector dos transportes ainda estão por ser conquistadas. O esbanjamento de fundos de Costa e de Moedas no município de Lisboa para as jornadas despoletou um justo sentimento de revolta entre os trabalhadores e utentes, que se vem acumulando desde há muito. É preciso concretizar esta revolta, levantando uma luta intransigente e defendendo que se há dinheiro para a Igreja, há dinheiro para investir nos serviços públicos e melhorar a vida dos trabalhadores! O caminho será sempre unir as lutas, com reivindicações idênticas ou semelhantes em todas as empresas, construindo a greve geral e lutando pelo controlo operário. Só assim podemos atacar diretamente os lucros daqueles que ganham com a nossa miséria e unir a classe trabalhadora numa luta conjunta.

Só a luta por uma mudança de sistema pode melhorar a nossa a vida!

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