Cumprem-se 150 anos do nascimento de V. I. Lenin. Fundador do partido bolchevique e líder da Revolução de Outubro, as suas contribuições políticas significaram um notável desenvolvimento do socialismo científico e da prática revolucionária.

Tanto em relação à teoria marxista do partido, como à caracterização e análise do imperialismo enquanto fase do capitalismo, como à democracia burguesa e proletária ou ainda à revolução no mundo colonial, o trabalho de Lenin representa um guia essencial para a acção na luta de classes.

Lenin rejeitou implacavelmente a política de colaboração de classes e desafiou todos os apologistas da unidade nacional. Proclamou a total independência do partido revolucionário em relação aos governos burgueses, manifestando sempre uma hostilidade militante à participação nesses governos. Apresentou o bolchevismo como a mais intransigente oposição, como o partido do proletariado em luta.

O internacionalismo de Lenin está para lá de qualquer dúvida. Criador, ao lado de Trotsky, da Internacional Comunista, não se encontra nos seus escritos qualquer vestígio da teoria anti-marxista do socialismo num só país.

Entre os seus grandes textos, O Estado e a Revolução constitui uma refutação completa daqueles socialistas que, abandonando o ponto de vista de classe, pensam que o Estado é uma ferramenta para combater o capitalismo e conseguir reformas sociais progressistas.

Um clássico marxista com uma furiosa actualidade

O Estado e a Revolução, a doutrina marxista do Estado e as tarefas do proletariado na revolução, foi escrito por Lenin na clandestinidade, entre Agosto e Setembro de 1917, quando escapou à perseguição do Governo Provisório após as Jornadas de Julho. Com base nos textos clássicos do marxismo, do Manifesto Comunista à Guerra Civil em França, da Crítica do Programa de Gotha ao Anti-Dühring, Lenin prosseguiu um objetivo teórico e prático: desmascarar a política social-chauvinista dos líderes da Segunda Internacional, livrando a obra de Marx do compêndio de distorções reformistas que foram produzidas e repetidas durante anos.

Quando, no calor da Revolução Russa, Lenin escreveu esse texto, o seu impacto nas fileiras do movimento operário internacional — tanto no marxista quanto no de inspiração anarquista — foi tremendo. Trotsky descreveu-o da seguinte maneira: «Naquele momento, Lenin apontou todo o fogo da sua crítica teórica contra a teoria da democracia pura. As suas inovações foram as de um restaurador. Limpou a doutrina de Marx e Engels — a do Estado como instrumento de opressão de classe — de todas as amálgamas e falsificações, devolvendo-lhe a intransigente pureza teórica. Ao mito da democracia pura, contrapôs a realidade da democracia burguesa, edificada sobre a base da propriedade privada e transformada, no seu desenvolvimento, em instrumento do imperialismo. Segundo Lenin, a estrutura de classe do Estado, determinada pela estrutura de classe da sociedade, excluía a possibilidade de o proletariado conquistar o poder no quadro da democracia e empregando os métodos democráticos. Não se pode derrotar um inimigo armado até aos dentes com os métodos impostos por esse mesmo inimigo e, por conseguinte, fazendo desse inimigo o árbitro supremo da luta.»

A função primordial do Estado é a defesa dos interesses da classe dominante numa fase concreta do seu desenvolvimento histórico. O Estado burguês moderno é baseado nas relações sociais de produção que compreendem a propriedade privada dos meios de produção. Este facto fora esquecido pelos social-democratas, que reviram o programa marxista até ao ponto de considerar possível a transição gradual do capitalismo para o socialismo, utilizando o próprio aparelho de Estado capitalista, os assentos parlamentares, os governos locais, as cooperativas.

Lenin encarregou-se de pôr os pontos nos i’s. «Na sociedade capitalista, tomada nas condições do seu desenvolvimento mais favorável, temos uma democracia mais ou menos completa na república democrática. Mas esta democracia está sempre comprimida nos limites estreitos da exploração capitalista e, por isso, permanece sempre, em essência, uma democracia para a minoria, apenas para as classes possuidoras, apenas para os ricos. A liberdade da sociedade capitalista permanece sempre, aproximadamente, aquilo que era a liberdade nas repúblicas gregas antigas: liberdade para os esclavagistas. Os escravos assalariados actuais, devido às condições da exploração capitalista, permanecem tão esmagados pela necessidade e pela miséria que “não estão para democracias”, que “não estão para políticas”, que, no curso habitual e pacífico dos acontecimentos, a maioria da população permanece afastada da participação na vida política e social.» (V. I. Lenin, O Estado e a Revolução)

O que diferencia os marxistas dos anarquistas não é que os primeiros queiram conservar o Estado. O Estado é o resultado da sociedade de classes e não pode desaparecer de um só golpe. Nós, marxistas, somos pela destruição revolucionária do Estado capitalista, mas somos conscientes de que tem de ser substituído, numa fase transitória, por um poder democrático que reflicta os interesses da maioria explorada. Um regime de democracia operária que, apoiando-se na predominância da propriedade colectiva dos meios de produção e de circulação, aumente a produtividade do trabalho e reduza a jornada laboral de maneira drástica, para assegurar que a população gere e controla todas as esferas da vida económica, política e social. Um avanço que elevará a condição humana a níveis que hoje nos são completamente desconhecidos.

Contar com a participação, a criatividade e o compromisso da imensa maioria da classe operária é condição indispensável para construir o socialismo. Nenhuma forma de Estado desaparece até ter esgotado as funções para as quais foi criado; por essa mesma razão, o Estado operário está condenado à extinção uma vez que tenha sido capaz de eliminar todos os resquícios de privilégio.

Mais uma vez, nas palavras de Lenin: «Só na sociedade comunista, quando a resistência dos capitalistas estiver definitivamente quebrada, quando os capitalistas tiverem desaparecido, quando não houver classes (isto é, não houver diferenças entre os membros da sociedade quanto à sua relação com os meios sociais de produção) — só então “o Estado desaparece e se pode falar de liberdade”. Só então se tornará possível e será realizada uma democracia verdadeiramente plena, verdadeiramente sem nenhuma excepção. E só então a democracia começará a extinguir-se devido à simples circunstância de que, libertos da escravatura capitalista, dos inumeráveis horrores, das selvajarias, dos absurdos, das ignomínias da exploração capitalista, os homens habituar-se-ão gradualmente a observar as regras elementares da convivência conhecidas ao longo dos séculos e repetidas durante milénios em todas as prescrições, a observá-las sem violência, sem coacção, sem subordinação, sem o aparelho especial de coacção que se chama Estado.» (Lenin, O Estado e a Revolução)

Hoje em dia, a podridão do Estado burguês mostra-se perante os nossos olhos com toda a crueza: na monarquia, no governo, no parlamento, no sistema judicial, nos órgãos repressivos, na barbárie da guerra, na perseguição aos refugiados, na escravatura infantil, no crescimento da pobreza e da opressão de todos os tipos.

A democracia capitalista não é mais do que o invólucro da ditadura do capital financeiro, um regime em decadência que permite o jogo eleitoral enquanto este não ameaçar o poder da elite desprezível que nos governa com punho de ferro.

Quando o Estado volta a ser utilizado como meio de resgate das grandes empresas enquanto se sacrifica a vida de milhões de pessoas, e enquanto os dirigentes da nova esquerda social-democrata ressuscitam o seu amor por Roosevelt, pela ONU, pelo papa Francisco e pela constituição, ler a obra de Lenin é sentir uma brisa de ar fresco, é regressar à honestidade e ao genuíno pensamento da esquerda transformadora. A sua chamada à rebelião conserva toda a força da necessidade histórica, convoca-nos a todas e a todos para a luta!

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