O governo de António Costa foi apresentado como o governo mais à esquerda da democracia portuguesa. A medida que nos é vendida como o maior passo para a melhoria das condições de vida dos trabalhadores é o aumento do Salário Mínimo Nacional (SMN) para 705 euros. Na verdade, qualquer trabalhador a receber o SMN sabe perfeitamente que este salário não permite uma vida digna. Isto porque o aumento tem sido ultrapassado pelo aumento dos preços da eletricidade e combustíveis, das rendas e dos bens essenciais. 

Quando foi necessário defender os lucros, o governo não olhou a meios. Desde as requisições civis contra as greves dos estivadores, enfermeiros e motoristas de matérias perigosas às injeções de dinheiro na EDP sob o pretexto de ajudar à transição para as energias renováveis, passando pelo pagamento do lay-off a milhares de outras empresas privadas e pela transferência de milhares de milhões de euros para a saúde privada durante a pandemia, os exemplos são infindáveis. Isto enquanto a saúde pública continua subfinanciada. A todas estas ajudas ao capital, junta-se ainda a repressão da juventude negra que protesta contra o racismo e a violência policial, a proteção de polícias racistas e de juízes machistas… A lista de ataques à nossa classe é extensa e sabemos que a burguesia exigirá mais e maiores ataques com o acirrar da crise económica.

A precariedade continua a ser o pão nosso de cada dia, as contra-reformas no código laboral, as privatizações, a maioria das medidas de austeridade e cortes sociais implementados durante o período da Troika não foram revertidos. As nossas condições de vida deixam claro que o governo PS não governou para nós, trabalhadores, mas sim para a burguesia. 

A pandemia veio acelerar a crise económica e deixou a descoberto a cruel opressão e exploração que enfrentamos enquanto classe trabalhadora. Os dados oficiais indicam que entre 750 a 820 mil trabalhadores vivem com o SMN, e 20% da população em Portugal está em risco de pobreza. Esta situação é o ambiente perfeito para que se dê um aumento de todos os tipos de violência contra a mulher.

A mulher trabalhadora sofre as mais duras consequências da crise do capitalismo

As mulheres de classe trabalhadora, como em todas as crises, têm sido as mais afetadas. Com as restrições impostas em consequência da pandemia, vimos acirrar a opressão e exploração que sofremos diariamente. 

As mulheres recebem o SMN num maior número de casos e são a maioria da força de trabalho em vários dos setores menos qualificados: limpeza industrial, serviços domésticos, cuidados, supermercados, hotelaria e restauração, etc. Em 2020, as mulheres eram ainda 73% de todos os trabalhadores não-qualificados. Segundo dados oficiais, cerca de um terço das mulheres empregadas recebem o SMN — para os homens, o número é 21%.  E dados de 2018 demonstram que cerca de 97,5% dos trabalhadores do sector de serviços domésticos são mulheres — um sector no qual as mulheres negras e imigrantes estão também sobre-representadas. Por tudo isto, as mulheres estão mais vulneráveis aos impactos da crise.

Um estudo divulgado pelo Instituto Europeu para a Igualdade de Género demonstra que,  em toda a União Europeia, 2,2 milhões de mulheres perderam os seus postos de trabalho na primeira vaga de covid-19 — Portugal foi o quinto país com maior perda de trabalho feminino. Em maio deste ano, das 7.900 pessoas que estavam em lay-off, 60% eram mulheres, recebendo em média menos de 400 euros — ou seja, abaixo do atual limiar da pobreza (540 euros).

Um relatório da Comissão Europeia salienta ainda que o combate à pandemia tem vindo a ser protagonizado pelas mulheres. Somos 76% da força de trabalho no sector da saúde. Em Portugal, o SNS é mantido a funcionar principalmente por trabalhadoras. Na enfermagem, por exemplo, as mulheres são 80% da força de trabalho. Outro estudo, desenvolvido pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, acompanhou 436 trabalhadoras das limpezas — entre novembro de 2020 e maio de 2021 — e indicou que mais de 60% das mulheres se sentiam constantemente agitadas e cerca de 22% sofreram ataques de pânico.

A desigualdade também se vive em casa. Num estudo realizado em 38 países pelas Nações Unidas, 60% das mulheres entrevistadas afirmavam ter passado por um aumento das tarefas domésticas durante a pandemia. O cuidado dos filhos, das lides domésticas e de outros familiares dependentes ou idosos aumentou. Em Portugal, um estudo desenvolvido pela Comissão para a Igualdade da CGTP demonstra que 78% das mulheres trabalhadoras fazem uma hora  ou mais de trabalho doméstico por dia, comparativamente a apenas 19% dos homens. O facto de carregarem o fardo das tarefas domésticas significa que as mulheres trabalham menos de forma remunerada ao longo da vida e têm pensões mais baixas. 69% de todos os pensionistas com pensões até 438,81€ — novamente abaixo do limiar da pobreza — são mulheres.

Por fim, a pandemia obrigou várias mulheres ao confinamento com os seus agressores. Em 2020, cerca de 8 mil mulheres fizeram denúncias de violência doméstica à APAV, sendo que 54% dessas agressões ocorreram em residência comum com o agressor, que na maioria das vezes era o companheiro. Em 2021, foram assassinadas 23 mulheres, 13 delas às mãos de parceiros ou ex-parceiros. Muitas das vítimas, quando conseguem apresentar queixas contra os seus agressores, vêem os abusos serem menosprezados pela polícia e pelos tribunais.

Toda esta violência não acontece por acaso. A opressão da mulher é um pilar indispensável para o funcionamento do capitalismo. Para tentar dividir a nossa classe e dificultar a nossa organização.

O projeto de legalização da exploração sexual

Na atual fase de decadência do sistema, os capitalistas procuram mais possibilidades de lucro. Como em todas as crises capitalistas, a exploração sexual das mulheres espalha-se e aprofunda-se. Em Portugal, o capital do turismo, o sector mais afetado pela crise,  olha para esta catástrofe social como uma oportunidade para avançar com a legalização do proxenetismo. Com o setor turístico em recessão, o turismo sexual apresenta-se como uma solução para manter os lucros.

Portugal é um país ideal para os capitalistas da prostituição avançarem com este plano. É um destino fácil para o tráfico de mulheres da América Latina, África, Ásia e Europa de Leste, para além de ser já um país de passagem de tráfico para outros países europeus. E, acima de tudo, Portugal é um país com uma catástrofe social que permite a rápida expansão da prostituição entre a miséria de centenas de milhares de mulheres da classe trabalhadora.

Assim se compreendem as tentativas de legalização do proxenetismo, como a defendida pela proxeneta Ana Loureiro, e a crescente defesa da legalização do proxenetismo por parte de uma importante ala do PS — demonstrada claramente pela recente moção da JS sobre o tema. A legalização do proxenetismo, longe de garantir direitos laborais para as mulheres prostituídas, garante uma cobertura legal para os negócios dos proxenetas e traficantes, dá condições para uma expansão explosiva do sector e, portanto, para um aumento dos lucros conseguidos através da exploração sexual de milhões de mulheres e meninas.

Basta de paz social: só a luta pode melhorar as nossas vidas!

Portugal não é exceção à polarização social que vemos a nível internacional. O crescimento das manifestações do 8 de Março demonstra isto. O movimento feminista é um veículo para as mulheres de classe trabalhadora e a juventude não só demonstrarem a sua raiva como lutarem contra todas as formas de violência machista e LGBTIfóbica.

O potencial revolucionário do movimento é imenso. Em vez de confiar nas instituições e atuar através do parlamento, as direções da esquerda devem virar-se para movimentos como este e usar todos os seus meios para mobilizar e organizar a juventude e os trabalhadores com um programa de luta continuado e consequente. Para isto, BE, PCP e CGTP têm de romper com a política de unidade nacional, de parlamentarismo, de negociações, manobras e aproximações do PS. Tudo o que foi conseguido com a política seguida até aqui foi a degradação das condições de vida da classe trabalhadora e um aumento da violência machista.

É preciso levantar um programa que tenha muito claro que a luta da mulher trabalhadora é inseparável da luta de toda a classe trabalhadora. O aumento do SMN para 1.200 EUR, a criação de uma rede de habitação pública com rendas acessíveis, um investimento massivo no SNS e na educação pública, bem como um plano de socialização do trabalho doméstico com a construção de creches, lavandarias, cantinas e todos os serviços necessários, também públicos e gratuitos, são o único caminho para garantir uma vida digna para as mulheres trabalhadoras. Não há outra forma de nos libertarmos da pobreza e da dependência económica dos nossos agressores, de nos libertarmos do fardo do trabalho doméstico e do aprisionamento nas nossas próprias casas — de garantirmos que todas nós, mulheres trabalhadoras, temos tempo e acesso à educação, à cultura, à ciência e à organização política. Uma transformação destas só pode ser conseguida com a luta revolucionária da classe trabalhadora, com a nacionalização dos sectores essenciais, especialmente da banca, e uma planificação da economia que coloque toda a riqueza que produzimos ao serviço do nosso bem-estar.

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