O capitalismo enfrenta um novo desastre económico. Ainda que alguns tentem justificar a situação com a guerra imperialista na Ucrânia, a realidade é que esta só exacerbou os profundos desequilíbrios e problemas de que a economia mundial já padecia.

O caos que nos ameaça, e do qual cada vez mais meios de comunicação alertam, confirma que a oligarquia financeira e os seus governos só podem manter à tona o seu sistema fazendo cair sobre a humanidade outra avalanche de empobrecimento, desigualdade e totalitarismo.

Para além das perspectivas de recessão levantadas por muitas organizações internacionais tais como o FMI e a OCDE, existem outros problemas importantes: uma inflação desenfreada que mergulha milhões de pessoas na miséria e ameaça uma situação prolongada de estagflação;1 um endividamento público e privado sem precedentes — 296 biliões de dólares, 350% do PIB mundial — que não existia quando eclodiu a crise de 2008 e que reduziu ao mínimo a margem de manobra dos governos e dos bancos centrais; ou o rebentar de diferentes bolhas especulativas nos mercados bolsistas e no mercado da dívida pública, no sector imobiliário e das moedas criptográficas.2

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As perspectivas de recessão são agravadas por outros grandes problemas: uma inflação desenfreada que está a mergulhar milhões de pessoas na miséria.

A este quadro juntam-se os efeitos dramáticos da catástrofe climática, salientando o completo fracasso do chamado capitalismo verde e a impossibilidade de enfrentar a ameaça que paira sobre a humanidade dentro da atual ordem política e económica. A recente Cimeira Climática realizada no luxuoso resort de Sharm el-Sheikh, no Egito, confirmou mais uma vez este facto. Uma cimeira dominada pelas próprias multinacionais capitalistas que estão a destruir o planeta, tais como as grandes empresas de combustíveis fósseis, que contaram com até 636 delegados para defender os seus lucros obscenos. Daí o completo fiasco dos compromissos adotados que, como aconteceu nas outras cimeiras, acabarão por ser letra morta.

A crise da sobreprodução como motor da polarização

Para compreender a natureza da atual crise capitalista é necessário rejeitar a propaganda ideológica que sempre rodeia uma questão desta natureza. Tal como na Grande Recessão de 2008, estamos em última análise a experimentar uma forma específica de crise de sobreprodução e sobrecapacidade instalada,3 agravada pelo grau superlativo de capital especulativo e fictício introduzido nas engrenagens do mecanismo económico.

O capitalismo produz com o intuito de maximizar o lucro empresarial a curto prazo, e neste processo, a acumulação de capital esbarra em dois obstáculos fundamentais: a propriedade privada, que implica a apropriação individual da mais-valia, ainda que o carácter da produção seja cada vez mais social e internacional, e a existência de fronteiras nacionais. E mesmo que a economia global constitua uma realidade impossível de contornar, mesmo que a internacionalização das cadeias de abastecimento determine a forma atual de organização produtiva, estas contradições continuam a vir à tona uma e outra vez.

Os obstáculos ao investimento produtivo nos sectores tradicionais, resultantes das baixas taxas de lucro devido à sobrecapacidade instalada e à sobreprodução de mercadorias, levam o grande capital transnacional a tentar ultrapassá-los através da especulação financeira, controlando o mercado da dívida pública, intensificando a monopolização e concentração do próprio capital, e recorrendo à recompra massiva das suas ações corporativas nas bolsas de valores.

Esta especulação maciça e descontrolada está a impulsionar a espiral inflacionista dos preços. Os grandes monopólios e fundos de investimento fazem a festa com a energia e os alimentos. Mas não há escassez nem de petróleo, nem de gás, nem de alimentos, nem de muitos outros recursos ou mercadorias. É precisamente o contrário!

Um bom exemplo é a indústria agro-alimentar. Apesar dos aumentos brutais dos preços nos mercados grossistas internacionais, de 20% no caso do trigo ou até 29% no caso do milho, a FAO indicou que a produção mundial de cereais em 2022/2023 será reduzida em apenas 1,7%, com um excedente de 847,8 milhões de toneladas. Um excedente abaixo de 2021, que foi um ano recorde, mas acima de 2018, 2019 e 2020. No caso do trigo, cujo aumento foi atribuído à guerra na Ucrânia, prevê-se que a produção atinja 787,2 milhões de toneladas, um novo recorde histórico.

Um relatório do IPES Food4 indica claramente o que está a acontecer: "Embora a guerra na Ucrânia tenha criado grandes interrupções no abastecimento e a situação continue a deteriorar-se, não há neste momento uma escassez alimentar global (...). O verdadeiro problema é que a maioria das reservas mundiais de cereais está nas mãos de grandes empresas, e estas têm pouco interesse em revelar as suas quantidades ou libertá-las à medida que os preços continuam a subir".

Outro exemplo é a indústria petrolífera. Apesar de todos os avisos sobre a guerra imperialista na Ucrânia e as sanções contra a Rússia, a acumulação de petróleo bruto e os lucros não foram alterados. Se as reservas em depósitos terrestres diminuíram um pouco, em cerca de 64 milhões de barris, isto foi largamente compensado por um aumento das reservas armazenadas em petroleiros em mais de 50 milhões de barris. E se a atividade económica diminuiu globalmente, o mesmo não aconteceu com os lucros das grandes companhias petrolíferas: desde o início da guerra imperialista, os dividendos da estado-unidense Shell ou da italiana ENI aumentaram 269% e 311% respetivamente. O mesmo pode ser dito para o gás e outras matérias-primas.

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Apesar dos aumentos brutais dos preços nos mercados grossistas internacionais, por exemplo do trigo, cujo preço subiu 20%, prevê-se que a produção atinja 787,2 milhões de toneladas, um novo recorde histórico.

Sim, a guerra é terrível, terrivelmente lucrativa, para parafrasear Lenine. De acordo com dados das instituições económicas internacionais, os dividendos das empresas podem ter atingido um máximo histórico no final de 2022 de 1,56 biliões de dólares, 14% mais do que em 2021 e 33% mais do que em 2020.

Segundo um relatório do Credit Suisse, o 1% mais rico do planeta acumulou 45,6% da riqueza do planeta em 2021, mais 1,7 pontos do que em 2019. Ao mesmo tempo, 53,2% da população mundial possuía apenas 1,1% da riqueza global. Estes números já se agravaram significativamente.

Os lucros crescem de forma estratosférica, mas também a desigualdade, a fome e a pobreza, enquanto os salários afundam e milhões de pessoas enfrentam o risco de não conseguirem manter-se quentes durante o Inverno. Cada nova crise, seja a pandemia ou agora a guerra imperialista, reforça estas tendências polarizantes, confirmando a "teoria do aumento da miséria" de Marx: "a acumulação de riqueza num só pólo é, consequentemente, a acumulação de miséria, sofrimento no trabalho, escravatura, ignorância, brutalidade, degradação mental no pólo oposto".

De facto, o paradoxo é que sob o capitalismo já se geraram os recursos e a tecnologia para poder evitar todos estes flagelos, mas as suas leis, o seu modo de funcionamento, como brilhantemente revelado por Marx, impedem que sejam orientados para a resolução de todas estas necessidades sociais, tal como impedem que a produção seja planeada em equilíbrio com o planeta e o ambiente.

Nacionalismo económico e guerra comercial

A crise é alimentada pelo confronto cada vez mais decisivo entre as grandes potências e os blocos imperialistas, entre os EUA e a China e os seus respetivos aliados, que estão a recorrer ao nacionalismo económico e às guerras comerciais numa luta até à morte por maiores quotas de mercado, para controlar as fontes de matérias-primas e as cadeias de abastecimento, e para escapar à dinâmica recessiva à custa dos seus concorrentes. Uma batalha pela supremacia económica que tem a sua continuação natural no domínio militar e geo-estratégico, como vemos na Ucrânia. Como Lenine explicou, esta dinâmica é inevitável sob o capitalismo na sua fase imperialista: "A guerra é o produto de meio século de desenvolvimento do capitalismo mundial e dos seus milhares de milhões de fios e ligações".

Recorrendo a políticas económicas nacionalistas, levantando barreiras e tarifas protecionistas ou favorecendo a sua própria indústria e economia a fim de tentar afundar os seus concorrentes, a burguesia e os seus governos procuram exportar a crise para além das suas fronteiras. Isto não é um capricho de Trump e dos representantes da nova extrema-direita neofascista, mas uma consequência da profundidade da crise capitalista e que, por sua vez, a agrava. E assim está a acontecer com a administração Biden, que não só não abandonou o nacionalismo económico defendido por Trump como o está a aprofundar, tanto económica como militarmente, como o demonstra a sua intervenção na Ucrânia.

A política adotada pela Reserva Federal, a subida das taxas de juro e a consequente valorização do dólar são também exemplos eloquentes. Esta estratégia está de facto a provocar uma guerra comercial agressiva contra o resto do mundo e contra alguns dos seus principais aliados. As consequências já são visíveis: o custo crescente da dívida em dólares de muitos países, especialmente os emergentes, empurrando-os para incumprimentos maciços e falências, como já aconteceu com o Sri Lanka, ou o colapso de moedas como a libra e o iene, que já perderam 26% e 20% do seu valor, respetivamente.

Uma situação que na Grã-Bretanha obrigou o Banco de Inglaterra a intervir desesperadamente para defender a libra, e foi um fator importante na queda de dois Governos conservadores no espaço de alguns meses e na aceleração de uma crise económica, social e institucional sem precedentes. Os políticos de Washington e a burguesia dos EUA estão a tentar exportar a sua crise, a sua inflação, e recuperar músculo económico contra a China, mas estão a fazê-lo à custa de afundar os seus aliados na Europa e em qualquer outra parte do mundo.

Tanto a França, como a Alemanha e a própria UE já tiveram de lançar o alarme face a esta política nacionalista agressiva de Biden, cujo governo aprovou recentemente a Lei de Redução da Inflação, que oferece cortes fiscais e incentivos de mais de 400 mil milhões de dólares para as empresas que invistam no país. Uma política que irá beneficiar em primeiro lugar as grandes multinacionais norte-americanas, dando-lhes uma clara vantagem competitiva, e que também favorece a deslocalização de empresas para território estado-unidense. E tudo isto num contexto de grave crise energética na Europa, cuja indústria tem de recorrer ao Gás Natural Liquefeito norte-americano (GNL) a um preço muito mais elevado do que na Rússia e nos próprios EUA.

Tal como observou um alto funcionário da UE: "O facto é que, se observarmos seriamente, o país que mais beneficia com esta guerra são os Estados Unidos porque está a vender mais gás e a preços mais elevados, e porque está a vender mais armas". Tanto a França como a Alemanha já exigiram que esta situação fosse abordada com base numa "política industrial europeia". No entanto, este caminho de guerra comercial aberta irá agravar ainda mais a crise capitalista e a grave recessão que se avizinha no horizonte.

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A política da Reserva Federal de aumentar as taxas de juro está a provocar uma guerra comercial agressiva contra o resto do mundo, incluindo alguns dos seus principais aliados.

O declínio do colosso

O aspeto central que continua a condicionar as perspectivas para a economia mundial é a batalha entre os EUA e a China. A guerra económica iniciada por Trump é uma questão de vida ou morte para a classe dominante e para o imperialismo dos EUA. Daí a crescente agressividade da Administração Biden, adotando novas sanções para tentar travar a expansão económica e tecnológica do gigante chinês. A mais recente é a proibição de qualquer empresa de semicondutores com tecnologia dos EUA de fornecer chips à China.

No entanto, na batalha pela hegemonia, os EUA e o bloco ocidental estão a mostrar as suas fraquezas. O embate desencadeado contra a OPEP é um bom exemplo disso. As tentativas dos EUA e da UE para controlar e limitar os preços do petróleo a fim de atingir a Rússia e travar a escalada da inflação levaram a um confronto direto com a Arábia Saudita, o aliado histórico do imperialismo dos EUA no Golfo Pérsico.

Biden acusou a OPEP de se lançar nos braços de Putin, e o seu Departamento de Estado está a ameaçar com duras represálias contra o regime de Riade. Mas esta política isolou ainda mais os EUA e a UE internacionalmente, fortalecendo a aliança estratégica da OPEP com a Rússia (e a China), a fim de manter os preços elevados do petróleo e o seu negócio lucrativo.

O aprofundamento desta guerra económica e comercial, as medidas protecionistas, as subidas de taxas e as desvalorizações com o objetivo de ganhar competitividade no mercado mundial, estão a empurrar para uma recessão cada vez mais severa e até mesmo uma possível depressão. É um caminho semelhante ao que foi seguido após o crash de 1929, que acabou por conduzir à Segunda Guerra Mundial. O nacionalismo económico é completamente impotente face ao colapso da economia capitalista.

Os EUA continuam a tentar tomar medidas desesperadas para travar o seu declínio e a ascensão do gigante chinês. Mas a realidade é que os capitalistas norte-americanos, bem como os seus aliados europeus e asiáticos, continuam a fazer investimentos recorde na China na sua busca por lucros mais altos.

Nos primeiros oito meses de 2022, o investimento direto estrangeiro na China cresceu 16,4% em geral. E quando os países de origem deste investimento são discriminados, os números são claros: 58,9% vieram da Coreia do Sul, 30,3% da Alemanha, 26,8% do Japão e 17,2% do Reino Unido. Isto mostra que, apesar dos problemas que a China também sofre, como a sua bolha imobiliária, e o facto de não poder escapar à crise orgânica do capitalismo, o seu músculo económico continua a crescer mais forte do que o do seu concorrente norte-americano.

Numa política completamente esquizofrénica, as próprias instituições internacionais e os Governos e analistas ocidentais, embora criticando a ameaça chinesa, apontam o mercado do gigante asiático como a única garantia de evitar uma recessão grave ou uma depressão sem precedentes. Isto é compreensível considerando que a contribuição da China para o crescimento mundial entre 2013 e 2021 atingiu 38,6% em comparação com os 20% dos EUA.

Especulação e crash financeiro

Perigos como o possível rebentamento de uma bolha imobiliária não são exclusivos da China. Os EUA, Grã-Bretanha, Canadá, Austrália, Nova Zelândia e os países do Norte da Europa, especialmente a Alemanha e a Suécia, enfrentam todos uma situação crítica no sector imobiliário, com quedas de preços de mais de 10%. Uma situação agravada pelo aumento das taxas de juro do Banco Central, o consequente encarecimento das hipotecas, e o aumento acelerado dos incumprimentos dos empréstimos. Uma bolha à qual se juntaram outras bolhas fruto de anos de injeções maciças de liquidez.

O colapso das criptomoedas é um sinal muito sério de exaustão. Com a falência da segunda maior plataforma do mundo, FTX, cuja valorização atingiu 32 mil milhões de dólares e que agora desapareceu deixando um buraco de 10 mil milhões, esta utopia financeira entrou definitivamente em colapso. As duas principais moedas criptográficas atuais, Bitcoin (BTC) e Ethereum (ETH), perderam 75% e 73% do seu valor desde os seus máximos históricos. E o mesmo se pode dizer das grandes empresas tecnológicas, cujo crescimento foi acompanhado de uma forte espiral especulativa, e que agora, confrontadas com uma queda no seu valor bolsista de cerca de 35%, estão a recorrer a duros cortes e despedimentos em massa: 3.700 no Twitter, 11.000 no Facebook, ou 22.000, 20% da força de trabalho, na Intel.

O crédito e a dívida, como explica o marxismo, são instrumentos para tentar contornar a crise de sobreprodução, alimentando artificialmente o ciclo expansionista e expandindo o mercado com arquiteturas que geram contradições insuperáveis.

No último ano assistimos a uma forte desvalorização dos ativos financeiros, muito superior à sofrida em 2008, e que fez com que numa questão de meses tenham desaparecido do sistema financeiro e das bolsas de valores 37 biliões de euros!! A possibilidade de um novo crash financeiro está em cima da mesa.

A unidade europeia está a rachar-se

No epicentro desta crise encontra-se a Europa, condenada a um retrocesso ainda maior. Enquanto a taxa de crescimento anual da China entre 2009 e 2020 foi de 7,36% e a dos EUA de 1,38%, a da UE foi um pírrico 0,48%. Em 2005, a UE era responsável por 20% do PIB mundial. Em 2030 ficará reduzida a apenas 10%.

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No último ano assistimos a uma forte desvalorização dos ativos financeiros. No espaço de alguns meses, desapareceram do sistema financeiro e das bolsas de valores 37 biliões de euros!!

A guerra imperialista na Ucrânia está a levar o continente europeu e a Alemanha, o seu motor industrial, a um ponto crítico. A ruptura com as fontes de energia russas baratas, chave para a sua competitividade, está a colocá-la sob uma pressão insuportável.

Os preços do gás na Europa triplicaram em relação a 2021 e aumentaram dez vezes em relação a 2019-2020, antes da pandemia. No caso da Alemanha, os preços em Agosto foram 139% mais elevados do que no ano anterior. Os custos da energia na Europa subiram de 2% para 12% do PIB, minando a competitividade da indústria alemã e europeia, e colocando em cima da mesa a destruição de parte dela em favor da China ou dos EUA. O aumento brusco do défice comercial da UE,5 com números recorde desde o início da série estatística, é uma prova disso mesmo.

As tentativas desesperadas de encontrar fontes alternativas, ou de limitar os preços, têm-se confrontado com a realidade do mercado capitalista. O GNL vendido pelos EUA não só não pode substituir o gás russo, como é quatro a cinco vezes mais caro do que esse gás, e está a aumentar, resultado do aumento da procura. Esta situação levou a que os preços industriais na Alemanha, cuja indústria depende do gás, subissem 46,9% em Agosto, o maior aumento anual desde que a série estatística começou em 1949. As consequências são muito negativas: o Deutsche Bank fala de uma possível queda do PIB em 2023 entre 3% e 4%, o que constituiria uma verdadeira catástrofe económica para todo o continente.

Este desastre está a precipitar-se à medida que a UE ultrapassa uma taxa de inflação de dois dígitos, de 11,5% e países como os Países Baixos, Bélgica, Polónia e os países Bálticos já estão perto ou acima dos 20%. A situação, que não mostra sinais de melhoria e já começa a gerar fortes protestos sociais, condena o continente a uma luta de classes feroz no próximo período.

Quaisquer que sejam os discursos e a propaganda dos burocratas de Bruxelas, a realidade é que a Europa está cada vez mais dividida. As fricções já observadas acerca das sanções contra a Rússia continuam a agravar-se, agravadas pelas medidas nacionalistas e protecionistas de cada país para lidar com a recessão. Um salve-se quem puder que mergulhará a Europa numa crise muito pior do que a que se viveu há uma década atrás.

As recentes críticas do Comissário da Concorrência da UE e de outros governos contra a Alemanha pelo seu plano de ajuda de 200 mil milhões de euros para as suas indústrias e grandes empresas (8,4% do PIB alemão, o dobro do da França e Itália) são prova disso. Enquanto a Alemanha pode dar-se ao luxo de agir desta forma, com uma dívida pública de 68,2% do seu PIB, outros países como a França (114,5%), Itália (152,7%) e Espanha (116,1%) não podem fazê-lo. Mais uma vez, a suposta solidariedade europeia converte-se em nada. Esta é a consequência inevitável de uma unidade europeia sobre bases capitalistas.

O que é claro tanto para a burocracia de Bruxelas como para os vários governos europeus é quem tem de pagar pelas consequências desta crise: a classe trabalhadora.

A Comissão Europeia, por exemplo, aprovou uma série de regras para permitir aos Governos salvar os grandes monopólios energéticos, tal como aconteceu em 2008 com o sector bancário, e a Alemanha e outros países já estão a salvar grandes empresas do setor sob o pretexto da guerra. Por outro lado, o aumento drástico dos orçamentos militares, a começar pela Alemanha (100 mil milhões), é um negócio fabuloso para as grandes indústrias de armamento europeias, enquanto estas pedem às e aos trabalhadores que apertemos os cintos e nos preparemos para um Inverno rigoroso.

Mais tarde ou mais cedo, a situação insustentável da dívida, que já está a aumentar novamente os prémios de risco, levará a UE a regressar às duras políticas de austeridade com mais cortes e ajustes.6 Se ainda não está a ser considerado abertamente, é devido ao terror da burocracia da UE e dos Governos face a explosões sociais incontroláveis.

Por uma alternativa revolucionária à crise capitalista

A crise capitalista está a conduzir a um choque frontal entre as classes, a protestos em massa, levantamentos e até mesmo a crises revolucionárias. E a Europa vai estar no centro destes processos. A ascensão da extrema-direita é outro reflexo da profundidade da crise. O outro lado é o aumento dos protestos sociais e das greves, a radicalização crescente de todas estas lutas, e o papel central que a classe trabalhadora europeia já está a desempenhar e desempenhará no próximo período. Vimos isto recentemente em França, com a greve inter-setorial convocada pela CGT e outros sindicatos que paralisou grande parte do sector público e importantes indústrias e empresas do sector privado.

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Mais tarde ou mais cedo, a situação insustentável da dívida, que já está a aumentar novamente os prémios de risco, levará a UE a regressar às duras políticas de austeridade com mais cortes.

Mas sem dúvida o exemplo mais avançado desta crise e da enorme força da classe trabalhadora europeia está a ter lugar na Grã-Bretanha. Após décadas de cortes e privatizações, de empobrecimento sem precedentes das famílias trabalhadoras, a classe trabalhadora britânica disse já basta, protagonizando uma verdadeira revolta social contra os conservadores, os patrões, e em suma, contra o sistema capitalista e todas as suas instituições.

Há meses que têm vindo a ocorrer greves setor após setor, juntando trabalhadores ferroviários, enfermeiros, estivadores, trabalhadores do Royal Mail e da universidade, e funcionários públicos. E tudo isto apesar da brutal legislação anti-sindical e anti-greve que exige consultas com pelo menos 50% de participação das e dos trabalhadores e 90% de votos a favor.

Os sucessivos governos conservadores têm demonstrado e continuam a demonstrar a sua total impotência, e são confrontados na prática com uma situação de greve semi-geral que paralisou o país. E tudo isto apesar das vacilações do TUC e dos líderes dos grandes sindicatos, que ainda se recusam a fixar uma data para uma Greve Geral que, sem dúvida, poria um fim definitivo aos conservadores, e da oposição aberta às mobilizações da direção de direita do Partido Trabalhista liderada por Keir Starmer.

A situação na Grã-Bretanha é um aviso claro do que está para vir. O fracasso de Boris Johnson, da sua sucessora Liz Truss e do atual Governo de Sunak, é o fracasso do Brexit, o fracasso de uma saída nacional da crise capitalista mundial, e das diferentes variantes de uma social-democracia patética que, apesar de todas as provas em contrário, continua a defender um capitalismo de rosto humano, reformista e inclusivo.

As queixas constantes de alguns dos chamados teóricos sobre o baixo nível de consciência da classe trabalhadora têm sido respondidas pelos acontecimentos dos últimos anos. A rebelião da classe trabalhadora britânica, ou a insurreição dos oprimidos no Peru, mostra que as condições para lutar pelo socialismo e finalmente derrubar o sistema capitalista estão mais do que maduras.


Notas:

1. A estagflação significa que apesar do declínio económico, e portanto de um consumo mais baixo, persiste uma situação de inflação elevada. Este fenómeno ocorreu na Alemanha nos anos 20 e em todo o mundo com a crise petrolífera dos anos 70.

2. A maioria das criptomoedas perderam 70-90% do seu valor em 2022. A Bitcoin, a criptomoeda de referência, perdeu 60% do seu valor.

3. Marx e Engels no Manifesto Comunista (Fundação Friedrich Engels, p.17) explicaram que a peculiaridade das crises capitalistas é precisamente esta, que são crises de sobreprodução e não de subprodução, como era o caso nos sistemas económicos pré-capitalistas: "Nestas crises surge uma epidemia social que, em qualquer época anterior, teria parecido uma absurdez: a epidemia de sobreprodução. A sociedade encontra-se subitamente recuada a um estado de barbarismo momentâneo; dir-se-ia que uma fome ou uma guerra de devastação universal a privou de todos os seus meios de subsistência. A indústria e o comércio parecem aniquilados. E porquê? Porque há demasiada civilização, demasiados meios de subsistência, demasiada indústria, demasiado comércio".

4. Painel Internacional de Especialistas em sistemas alimentares sustentáveis.

5. Isto significa que a UE importa mais do que exporta. O número recorde foi atingido em Março, quando as exportações cresceram 14% enquanto as importações cresceram 35%. A desvalorização do euro face ao dólar, que torna as importações mais caras, é outro problema económico grave.

6. Na Grã-Bretanha, que enfrenta uma situação económica ainda pior, com uma dívida cada vez mais insustentável, o Banco de Inglaterra já colocou a necessidade de cortar 70 mil milhões de euros.

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