Aumenta significativamente a rejeição a Bolsonaro

Cem dias depois de tomar posse, o Governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro tem os piores índices de popularidade obtidos por qualquer Governo brasileiro passados três meses de mandato, desde o final da ditadura. Segundo o instituto de pesquisas Datafolha, 30% consideram má ou péssima a sua gestão, 33% como normal e apenas 32% a qualificam como boa.

Três meses de corrupção, paralisia e crise política

Vários familiares e altos cargos do partido de Bolsonaro (PSL) têm-se visto implicados em escândalos de corrupção e um dos seus filhos, Flávio Bolsonaro, ex-deputado na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro e senador federal actualmente, foi acusado inclusivamente de vínculos com o crime organizado.

O filho mais velho de Bolsonaro mantinha na folha de pagamento a mulher e filha de Adriano Magalhães da Nóbrega. Este sinistro personagem, capitão de polícia, encontra-se actualmente fugido à justiça após ter sido denunciado como um dos chefes do Escritório do Crime, uma organização criminosa formada por polícias corruptos e mafiosos vinculados à extrema-direita. Entre outras actividades, legais e ilegais, o Escritório do Crime dedica-se à especulação imobiliária e as suas actividades e as de outras organizações criminosas foram denunciadas pela activista social, dirigente feminista e vereadora da esquerda na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, Marielle Franco do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). Magalhães e o Escritório do Crime são investigados como possíveis autores do brutal assassinato de Marielle.

Estes e outros escândalos, as declarações de Bolsonaro a apoiar a sangrenta ditadura militar que governou o Brasil de 1964 a 1985 ou os diferentes comentários de carácter racista e homofóbico da parte deste, têm aumentado a rejeição ao seu Governo ao longo dos últimos meses. Mas o factor principal que alimenta o seu descrédito é a profundidade da crise do capitalismo brasileiro e a impossibilidade da classe dominante a ultrapassar com medidas que não sejam um ataque selvagem contra os direitos dos trabalhadores de do povo.

Todas as promessas demagógicas realizadas por Bolsonaro durante a sua campanha converteram-se agora num boomerang que lhe sairá caro. “A expansão do PIB foi tangencial — só um 0,1% em relação aos três meses imediatamente anteriores — e não reflectiu o optimismo do mercado e do sector privado após a chegada ao poder do presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro”, explica o diário El País.

A crise do capitalismo brasileiro coloca Bolsonaro em cheque

No início do ano o FMI voltou a baixar a previsão de crescimento para a economia brasileira para 2019 em quatro décimas: de 2,5% para 2,1%. Ainda que diferentes especialistas considerem que a redução será maior. A taxa oficial de desemprego passou de 11,6% para 12,4% desde a tomada de posse do presidente da extrema-direita, com um aumento de 892.000 novos desempregados. Isto subiu o número total de desempregados para 13,1 milhões. Somando os trabalhadores não contabilizados como desempregados, os que não encontram emprego a tempo inteiro, os subcontratados ou a “população activa subutilizada” o desemprego alcança os gritantes 27,5 milhões de pessoas. As desigualdades sociais e a pobreza continuam a crescer.

No que diz respeito às taxas de criminalidade (um dos aspectos que Bolsonaro mais explorou demagogicamente e que prometeu resolver durante a sua campanha) tanto os roubos como os homicídios continuam em níveis record, fazendo do Brasil um dos países mais violentos e inseguros do mundo.

Como consequência de tudo o que foi comentado anteriormente, a polarização política e social já evidenciadas pelos resultados das eleições presidenciais continua a agudizar-se, afectando a base eleitoral de classe média e alguns sectores atrasados e desesperados de trabalhadores e desempregados cujo voto Bolsonaro conseguiu em Outubro de 2018.

A agência EFE Edição América publicou recentemente as respostas a uma mini-sondagem realizada entre pequenos comerciantes do mercado de São Paulo, um dos bastiões eleitorais de Bolsonaro há sete meses. O artigo evidencia a desilusão e a impaciência crescente com o Governo de boa parte do seu eleitorado. Enquanto vários dos entrevistados responsabilizam o próprio Bolsonaro e seus ministros pela sua situação não ter melhorado nada nestes meses, outro sector cerra fileiras em torno de Bolsonaro e o seu partido e culpa os partidos burgueses tradicionais (e o PT) de bloquearem a acção do novo Governo, na medida em que o PSL de Bolsonaro não dispõe de maioria no Parlamento.

Os maiores níveis de rejeição do Governo dão-se entre os trabalhadores, camponeses e as camadas inferiores da classe média. Nos estados industriais do Sul, onde Bolsonaro conseguiu 68% dos votos, foi onde mais caiu a sua popularidade: abaixo de 39%. Pelo contrário, o índice de aprovação de Bolsonaro é superior à média (41%) “entre aquelas pessoas com estudos e rendimentos entre 5 e 10 salários mínimos mensais”.

A polarização crescente e este aumento tão rápido da rejeição ao Governo começam a gerar preocupação e divisões dentro da própria classe dominante. Uma sondagem da empresa XP Investimentos, perguntava qual a aprovação da gestão do Governo de extrema-direita durante estes três primeiros meses de mandato entre analistas, economistas e gestores de mercado. O resultado é que Bolsonaro chumba. A aprovação da sua gestão passou de 70% depois das primeiras semanas para 28% actualmente. “O desempenho do presidente até à data tem sido decepcionante”, declarava Thomas Favaro, da consultora Control Risks, à agência de notícias AFP. ”Houve uma percepção errada de que Bolsonaro vinha com uma base de apoio muito forte e creio que agora começamos a ver que talvez não o seja”.

Ofensiva contra os indígenas e o meio ambiente

Um dos principais apoios à campanha de Bolsonaro foi a dos grandes latifundiários e criadores de gado. Há vários anos que a burguesia agrária impulsiona bandos paramilitares, que assassinam os lutadores camponeses, indígenas e activistas em defesa do meio ambiente impunemente, com o objectivo de invadir as melhores terras e expulsar os seus habitantes.

Animados pela vitória da extrema-direita, grupos empresariais de mineração, madeireiros, agrários e pecuários lançaram uma ofensiva brutal para se apoderarem de reservas indígenas e bosques protegidos devido ao seu alto valor ecológico. Neste momento, pelo menos 14 territórios indígenas estão sob ataque do Governo e latifundiários. O Governo anunciou vários mega-projectos de infraestruturas que beneficiarão os grandes monopólios brasileiros e multinacionais mas que nunca foram discutidos com as populações indígenas. Mais: estes projectos podem incluir a expulsão das suas terras e destruição do seu modo de vida e fontes de riqueza para os povos originários, além de graves danos ecológicos a uma das regiões com maior biodiversidade do planeta.

Um destes projectos, por exemplo, é uma rede eléctrica com mais de 100 kms de extensão que afectará as fontes de riqueza de várias comunidades indígenas mas “não proporcionará energia às aldeias ou assentamentos indígenas” pelos quais passa. Outro projecto é a destruição da reserva indígena de Raposa-Serra do Sol. Trata-se de um território com 1,7 milhões de hectares, que faz fronteira com a Venezuela e Guiana, onde vivem 25 mil indígenas da tribo macuxi, que Bolsonaro definiu com “o território mais rico do mundo” e defendeu a necessidade de “explorá-la racionalmente”.

Desde a vitória de Bolsonaro que as invasões de terras pelos latifundiários, empresas mineiras ou madeireiras, aumento em 150% (El País, Blog de Fiona Watson). Em Novembro de 2018 — no primeiro mês após a vitória da extrema-direita — a superfície de selva amazónica destruída também cresceu cerca de 400% em relação ao mesmo mês do ano anterior. Em Dezembro, o aumento homólogo foi de 37%. (https://www.esglobal.org/el-desafio-de-bolsonaro-al-amazonas/)

Os povos indígenas e as organizações camponesas estão a responder a esta situação com mobilizações. Em Janeiro ocorreu um primeira onda de protestos (“o Janeiro vermelho”) que contou com participação e solidariedade internacional. Estão previstas novas mobilizações e prepara-se uma marcha indígena até à capital: Brasília.

Um exemplo de que a mobilização é a única forma de derrotar os ataques do Governo é-nos proporcionado pela informação divulgada pelo blog da jornalista escocesa Fiona Watson, e reproduzida por um meio de comunicação insuspeito de encorajar a organização e luta dos oprimidos como o diário espanhol El País na sua edição digital latino-americana. Após o anúncio da eliminação do sistema sanitário próprio conquistado pelos povos indígenas (o SESAI – Secretaria Especial de Saúde Indígena) pelo Ministro da Saúde de Bolsonaro, que lhes permite ter consultas médicas no seu próprio idioma, com profissionais especializados e respeitando as suas particularidades, “de Paraná a Rondônia, de Pernambuco a Mato Grosso do Sul, grupos indígenas ocuparam edifícios públicos e estradas em defesa do SESAI. O Ministro foi obrigado a recuar e assegurou que o sistema de saúde indígena não será abolido.

Unificar todos os sectores em luta contra os ataques do Governo

O Brasil é um exemplo de como a luta em defesa do meio ambiente só pode avançar se estiver unida a todo o momento à luta dos camponeses, trabalhadores agrícolas e povos indígenas pelos seus direitos, pela denúncia das políticas de expoliação e saque do capitalismo e dos partidos do Governo de direita e extrema-direita e pela defesa contundente de um programa socialista que exija a expropriação das grandes empresas, bancos e latifúndios.

Uma das tarefas centrais da esquerda brasileira deve ser a de unir a luta dos indígenas e camponeses à luta em defesa do meio ambiente e contra as alterações climáticas e todas as demais lutas protagonizadas por diferentes colectivos e sectores sociais contra as políticas do Governo de extrema-direita.

As condições para o fazer existem. A mobilização mais massiva e combativa contra Bolsonaro durante a campanha eleitoral foi organizada por colectivos feministas, LGBTI e trans. Centenas de milhares de pessoas, na sua maioria pertencentes à classe trabalhadora e sectores mais pobres da população tomaram as ruas.

Desde então o questionamento a Bolsonaro aumentou claramente. O mal-estar na sociedade brasileira é tão profundo, o ambiente de desafio e questionamento ao Governo de Bolsonaro cresce tão rápido, que até encontrou expressão de maneira espontânea na festa mais popular do Brasil. “O carnaval com matizes políticos abriu caminho este ano pelas ruas do Brasil com companheiros que reivindicam a luta das mulheres pela igualdade e reclamam contra o ultradireitista Jair Bolsonaro” (www.eldiario.es).

Os estudantes também voltaram a protagonizar recentemente mobilizações e ocupações em várias escolas e faculdades contra os cortes no orçamento para a Educação e várias medidas reaccionárias propostas pelo Ministério da Educação. Neste momento dentro dos sindicatos discute-se a possibilidade de convocar uma greve geral contra a reforma das pensões apresentada pelo Ministro da Economia de Bolsonaro, Paulo Guedes, em debate no Parlamento.

Organizar a greve geral em defesa das pensões e de todos os direitos ameaçados

O plano apresentado por Guedes é uma declaração de guerra à classe trabalhadora: propõe aumentar a idade da reforma para os 65 anos para os homens e 62 anos para as mulheres e acabar com o sistema público de pensões, substituindo-o por fundos privados, seguindo o modelo aplicado no Chile em 1981, durante a ditadura de Pinochet. Este modelo originou lucros chorudos aos grandes bancos e converteu os últimos anos de vida de milhões de homens e mulheres num autêntico inferno.

Trata-se de uma reforma das pensões que a burguesia brasileira discute há muito tempo e o Governo de direita de Temer não se atreveu a levar adiante por medo das repercussões sociais, após a greve geral contra a reforma laboral de Abril de 2017. Ainda que a rejeição que sofre o Governo e a crise política provocada pelas crescentes divisões no seio da classe dominante sobre que caminho tomar no curto prazo, tenha como resultado que de momento a reforma não tenha sido aprovada, esta reforma responde a necessidades estratégicas da classe dominante e a única coisa que pode evitar este e outros ataques contra os direitos dos trabalhadores sejam levados a cabo é a mobilização massiva e generalizada da classe trabalhadora e a vinculação desta mobilização com o resto das lutas e reivindicações que explicámos anteriormente.

A 22 de Março celebrou-se uma primeira jornada de mobilização contra a reforma das pensões. Em São Paulo, 40 mil trabalhadores marcharam pela Avenida Paulista. Várias dezenas de milhares fizeram o mesmo nas principais cidades. Mais ainda, os metalúrgicos da Ford em São Bernardo (São Paulo), em luta contra o encerramento da fábrica, mobilizaram-se conjuntamente com os da Mercedes-Benz.

Metalúrgicos, químicos, professores, funcionários públicos, trabalhadores das refinarias e muitos outros sectores realizaram assembleias e mobilizações nos seus locais de trabalho. Nestas assembleias foi apoiada a celebração unitária do 1º de Maio contra a reforma das pensões e demais ataques. Muitas assembleias e colectivos sindicais colocaram a necessidade de organizar uma greve geral.

[Nota da redacção: entretanto a greve geral já está marcada para o dia 14 de Junho. No dia 15 de Maio realizou-se também uma greve geral da educação que foi acompanhada de mobilizações massivas em todo o Brasil. Iremos produzir análises sobre esses acontecimentos em breve.]

Por uma frente unida da esquerda com um programa socialista e revolucionário

A tarefa central para os activistas da esquerda combativa deve ser impulsionar comités de acção em cada local de trabalho que preparem essa greve e lutem por uni-la com todas as demais mobilizações em resposta aos ataques do Governo. É necessário retirar conclusões da greve geral organizada em Abril de 2017 contra a reforma laboral. Na altura, a burocracia do PT e do PCdoB, à frente da CUT e de outras centrais, travaram a luta, negando-se a estender e dar continuidade à greve quando era o momento de um passo em frente. O resultado foi paralisar e desmobilizar a classe trabalhadora. No terreno político isso contribuiu para abrir o caminho ao crescimento eleitoral e à vitória de Bolsonaro no ano seguinte.

Os companheiros e as companheiras do PSOL, PSTU, PCB, sindicatos combativos, MST e MTST devem organizar uma frente unida da esquerda de luta, incorporando as organizações feministas revolucionárias, movimento de camponeses e indígenas, etc. e chamando os militantes de base do PT e da CUT dispostos a lutar a romper com os métodos e programas reformistas e burocráticos da direcção petista e organizar uma grande greve geral contra o Governo de Bolsonaro, como primeiro passo de uma mobilização continuada até o derrotar.

Este plano de luta deve ser acompanhado por um programa socialista que coloque a expropriação dos bancos, das grandes empresas e da terra para que estas sejam administradas pelos trabalhadores e o povo como único modo de planificar democraticamente a economia e satisfazer as necessidades sociais.

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