Por uma política revolucionária para derrotar a oligarquia e o imperialismo!

Desde o passado dia 7 de dezembro, o governo golpista de Dina Boluarte, que chegou ao poder na sequência do guião escrito pela embaixada estado-unidense, e ao qual os governos da UE não hesitaram em dar todo o seu apoio, está a tornar as ruas do país andino num verdadeiro mar de sangue.

Um parlamento corrupto dominado pela direita e pela extrema-direita — cuja rejeição popular ultrapassa os 90% — derrubou o presidente Pedro Castillo. Imediatamente nomeou Boluarte — vice-presidente de Castillo até que se passou para o lado dos golpistas — graças ao apoio do também corrupto poder judicial e das chefias militares e policiais. E o chicote da contrarrevolução provocou um levantamento de massas. O governo golpista respondeu ao clamor social decretando estado de emergência e levando o exército para as ruas para retomar, a sangue e fogo, o controlo do país.

O mundo ao contrário — ou o golpe de acordo com os media capitalistas

No momento da escrita deste artigo (23 de dezembro), os grandes meios de comunicação social peruanos e internacionais, que estão a fazer tudo o que é possível para justificar o golpe e esconder a magnitude da repressão, já foram forçados a reconhecer 30 mortes e centenas de feridos e detidos em resultado da brutal ação policial e militar.

Este número pode ser muito maior. Numerosas associações de defesa dos direitos humanos e organizações populares denunciam o uso de munições vivas contra os protestos, especialmente nas zonas mineiras e camponesas do interior, onde manifestantes foram escorraçados a tiro de vários aeroportos e vias de comunicação que tinham ocupado pacificamente.

A atuação de Boluarte, apresentada como uma "democrata" pelos media e por não poucos líderes da esquerda reformista, repete com precisão quase cirúrgica o modelo de outros golpistas sob as ordens de Washington e das oligarquias latino-americanas. Para além do uso do exército para reprimir as manifestações e a greve nacional indefinida, convocada por várias assembleias populares de movimentos sociais e organizações de trabalhadores e camponeses, há ainda ataques às instalações de vários deles, com a polícia a "plantar" facas e cocktails Molotov para justificar a detenção de militantes e ativistas de esquerda.

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Os principais meios de comunicação já foram forçados a reconhecer 30 mortos e centenas de feridos e detidos como resultado da brutal ação policial e militar.

A grande novidade é que, desta vez, estes métodos criminosos não têm apenas o apoio entusiástico da Casa Branca e dos seus lacaios habituais: governos latino-americanos de direita e da direita e extrema-direita europeias. Escandalosamente, este golpe está a ser apoiado entusiasticamente pela social-democracia internacional, com o Presidente espanhol Pedro Sánchez (que não demorou sequer 24 horas a reconhecer Boluarte) ou o chileno Gabriel Boric na linha da frente. Ambos concordaram em participar na campanha do imperialismo estado-unidense e da burguesia internacional para lavar a cara dos golpistas e ocultar o brutal massacre que se está a viver no Peru.

Mais um golpe "made in USA" para esmagar o povo e beneficiar as multinacionais

À medida que se vão conhecendo mais detalhes o papel central desempenhado pela administração Biden no golpe contra Castillo vai-se tornando mais evidente. Na véspera de 7 de dezembro, quando o parlamento golpista votou a sua destituição, a embaixadora dos EUA, Liza Kenna, reuniu-se com o Ministro da Defesa de Castillo e vários chefes militares. Kenna, que foi uma agente da CIA e participou diretamente em operações semelhantes em diferentes países, deu as orientações a seguir caso Castillo decidisse resistir ou houvesse uma mobilização popular como a que estamos a assistir. Uma das suas marionetas na preparação do golpe, o ex-Ministro da Defesa Luis Otárola, acaba de ser nomeado novo primeiro-ministro. De acordo com diferentes meios de comunicação peruanos, vários ministros também foram gentilmente "sugeridos" a Boluarte pela embaixadora estado-unidense.

O Peru é o segundo maior exportador mundial de cobre (depois do Chile) e possui abundantes reservas de petróleo, gás e minerais, incluindo lítio (um mineral chave para as novas tecnologias). O imperialismo estado-unidense, depois de ter sofrido uma derrota humilhante no Afeganistão e de ter falhado miseravelmente na sua estratégia golpista na Venezuela e na Bolívia, precisa de ir ao ataque para recuperar terreno contra o seu principal rival na luta pela hegemonia mundial, como assistimos já na guerra na Ucrânia.

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Várias ministras e ministros também foram gentilmente "sugeridos" a Boluarte pela embaixadora estado-unidense Liza Kenna, agente da CIA.

No caso da América Latina, o "quintal" de Washington, o imperialismo chinês assumiu a liderança, tornando-se o principal parceiro comercial de numerosos países, incluindo o Peru. Durante a última década, a Casa Branca usou os governos peruanos de direita como peças-chave para promover o Grupo de Lima e a Aliança do Pacífico, tentando criar um bloco sob o seu controlo como alternativa ao formado por diferentes governos da esquerda reformista que assinaram acordos com o governo de Putin e, acima de tudo, com o ascendente regime de capitalismo de Estado chinês.

A vitória eleitoral de Castillo apanhou de surpresa o imperialismo estado-unidense, que mais do que o novo Presidente, temia as massas que o levaram ao poder. O receio de que um golpe de Estado demasiado prematuro colhesse um novo fracasso levou Washington a reconhecer a vitória deste professor rural chegado ao poder depois de prometer uma viragem drástica à esquerda. Enquanto o pressionavam a renunciar a medidas anti-imperialistas, usaram os seus peões no aparelho de Estado e no governo para preparar o seu derrube.

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A recusa de Castillo em confiar na mobilização para implementar políticas revolucionárias, a sua busca por acordos com os patrões e com a direita, só serviu para abrir caminho aos golpistas.

Como advertimos a partir da Esquerda Revolucionária International, a recusa de Castillo em confiar na mobilização para aplicar políticas revolucionárias, a sua busca por acordos com os patrões e com a direita para gerir o capitalismo, apresentado como um exemplo de astúcia tática por parte dos mesmos dirigentes da nova esquerda reformista que agora lhe vira as costas, só serviu para abrir caminho aos golpistas.

A hipocrisia da social-democracia

O apoio criminoso da social-democracia espanhola, europeia e até latino-americana ao golpe não é acidental nem consequência de ignorância. É o resultado da sua aceitação do capitalismo como o único sistema possível e da sua tendência para se fundirem com a classe dominante, cedendo a todas as suas exigências na política interna e externa.

A burguesia espanhola obtém grande parte dos seus lucros com a pilhagem de recursos e com a exploração das massas latino-americanas. Os governos do PP e do PSOE coincidiram durante décadas na promoção de lobbies na América Latina, como, por exemplo, a Fundación Carolina, criada em 2002 por 17 multinacionais espanholas e presidida por Felipe VI, herdando o trabalho de lobista do seu pai e recebendo por este generosas comissões.

Os objetivos deste tipo de "projetos de Estado", que o Governo de Sánchez tornou seus, são "promover os valores da Hispanidade" e preservar os interesses das multinacionais espanholas e europeias, que não perdem para as estado-unidenses em relação à exploração e saque, destruição ambiental ou perseguição e repressão sindical. Graças à constituição neoliberal de Fuijimori, o Peru tem sido um dos países onde este a receita neoliberal e privatizadora foi mais longe, como evidenciado pelas denúncias e mobilizações durante anos contra a Repsol.

O apoio de Sánchez aos golpistas peruanos é mais um capítulo de uma política vergonhosa que cede em todos os aspetos decisivos às pressões do Ibex 35 e do CEOE [confederação patronal] e se enquadra com o imperialismo estado-unidense. Mas esta política também destaca o seguidismo dos seus aliados, a começar pelos ministros da Unidas Podemos, que criticam os excessos dos golpistas peruanos ao mesmo tempo que fazem vista grossa ao apoio político que lhes presta o mesmíssimo governo a que pertencem.

A urgência de criar uma alternativa revolucionária

Tirando conclusões das experiências passados, o imperialismo, em vez de confiar em figuras da direita como Keiko Fujimori ou o fascista Rafael López Aliaga, presidente da câmara de Lima, apostou, pelo menos inicialmente, na vice-presidente de Castillo, Boluarte, e vários deputados renegados da esquerda. Mas esta manobra, longe de apaziguar as massas, despertou ainda mais indignação.

As palavras de ordem “que se vayan todos” e "cerrar el parlamento" expressam conclusões muito avançadas. Tal como a exigência de acabar com a atual constituição. Estas não são meras palavras de ordem democráticas. Para as massas, significam acabar com a exploração e a extrema insegurança laboral que se tornaram a norma, a desigualdade lacerante e a discriminação secular dos povos indígenas por aquela oligarquia profundamente elitista e racista sediada em Lima e noutras grandes cidades. É combater o saque e entrega da riqueza do país às multinacionais (sejam elas chinesas, estado-unidenses ou europeias), para travar a destruição ambiental e a degradação social, combater o machismo e a LGTBIfobia... O Peru é um dos países com mais femicídios, violações e crimes homofóbicos do continente.

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As palavras de ordem “que se vayan todos” e "cerrar el parlamento" expressam conclusões muito avançadas.

Por isso, limitar as reivindicações à convocação de uma Assembleia Constituinte ou a que se convoquem novas eleições enquanto o poder desta oligarquia permanece intacto, renunciando à luta por medidas socialistas como a nacionalização dos bancos, das grandes empresas e dos recursos minerais, do gás e do petróleo — que são as únicas que podem resolver os problemas das massas — é um erro grave. E é este erro que os líderes das principais forças da esquerda política e sindical peruana estão a cometer.

Os oprimidos do Peru mostram uma força e resiliência inspiradoras. A chave para vencer é fornecer a esta força um plano de luta e um programa que unifique todas as exigências sociais. Este plano deve basear-se na ação direta das próprias massas, alargando as assembleias populares e os comités de luta que já começaram a emergir e unificá-las a nível local, regional e nacional para apoiar e alargar a greve geral indefinida.

Entre as tarefas destes comités deve estar a organização da auto-defesa armada das massas em luta, e um apelo às bases do exército para que rompam com os altos comandos, que fazem parte da oligarquia, e se juntem à insurreição.

Muitas imagens que têm circulado nas redes sociais mostram cordões policiais ou militares quebrados pela força dos manifestantes. Algumas notícias falam de cenas de confraternização. Para que isto se generalize, o levantamento revolucionário deve construir uma direção que transmita determinação e vontade de ir até ao fim, propondo um programa que ganhe os filhos das famílias trabalhadoras e camponesas que formam 90% do exército.

Este programa só pode ser a nacionalização, sob o controlo dos trabalhadores, da terra, das grandes empresas e da exploração mineira, do gás e do petróleo, arrancando-os das mãos dos oligarcas e das multinacionais para os colocar nas mãos dos oprimidos. Só assim poderá a economia ser democraticamente planeada para satisfazer necessidades sociais urgentes e enormes e proporcionar terra, trabalho, alimentação, habitação, saúde e educação a todos.

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