Racismo assassino protegido por lei!

Já se contabilizam centenas de pessoas desaparecidas, homens, mulheres e crianças, que em nada se diferenciam de nós e dos nossos filhos e filhas, exceto pelo facto de serem refugiados e imigrantes que tentavam encontrar um futuro melhor neste continente chamado Europa.

A 15 de junho afundou um barco nas águas do Mar Jónico, a 80 km de Pylos (Grécia). De acordo com o testemunho de alguns sobreviventes, até 750 pessoas poderiam viajar no barco afundado. Apenas 140 pessoas conseguiram salvar as suas vidas. 78 corpos foram encontrados. Um terrível massacre que poderia ter sido evitado.

Como de costume os principais líderes da União Europeia (UE) lançaram-se em cínicas demonstrações de pesar, como se não tivessem responsabilidades nesta tragédia. Para mais, estas lágrimas de crocodilo coincidiram com o luto pela morte de Silvio Berlusconi, o degenerado empresário italiano de direita condenado por vários crimes, desde tráfico de influência ao tráfico de crianças, mas que não passou um único dia na cadeia. Um espetáculo de dar a volta ao estômago que mostra o quê e a quem serve a UE.

De acordo com relatórios oficiais da ONU, até este ano já há "mais de mil" vítimas conhecidas como resultado da criminosa política migratória europeia. Mas este número é ridículo uma vez que não contabiliza as milhares de pessoas que desaparecem nas águas do Mediterrâneo sem deixar rasto e que não são procuradas por ninguém.

Mas a indignação com este assassinato consentido também teve outra resposta. Milhares de jovens em Atenas e Salónica mobilizaram-se espontaneamente contra uma política migratória assassina, enfrentando a repressão policial do governo da Nova Democracia. Ao mesmo tempo, centenas de moradores organizaram-se para ir ao Centro de Refugiados de Malakasa, onde os sobreviventes estão hospedados, para os ajudar com comida, roupas e água.

O instinto de solidariedade da classe trabalhadora e da juventude contrasta com o carácter desumano, tanto das instituições da UE como dos "democráticos" governos capitalistas europeus, e daqueles meios de comunicação burgueses que dia após dia também nos vendem a sua guerra imperialista na Ucrânia como uma cruzada em defesa dos direitos humanos. Mas se falamos de imigrantes do Sudeste Asiático, Médio Oriente ou África, os seus direitos humanos não valem nada. Que cinismo!

Meloni e Mitsotakis têm sangue nas mãos

A autoridade portuária grega deteve alguns membros da tripulação do navio acidentado, acusando-os de tráfico de seres humanos. Nos interrogatórios a que submeteram estes indivíduos, sem qualquer tipo de transparência, procuram desviar a atenção desta catástrofe e apontar as "máfias do tráfico" como responsáveis, como se operassem à margem dos governos e das estruturas capitalistas.

Apesar do obscurantismo consciente em torno deste massacre, é mais do que evidente que poderia ter sido evitado. De acordo com o Alarm Phone1, os governos de Itália, Malta e Grécia tinham conhecimento da situação do navio desde a manhã de 13 de junho, dois dias antes de se lhe perder o rasto. Tanto a Frontex, a agência de fronteiras da UE, como as autoridades gregas ou italianas poderiam ter socorrido o navio atempadamente. De facto, sabe-se que dois navios mercantes tiveram contacto com as vítimas e lhes forneceram água, mas a Guarda Costeira helénica proibiu-os de os socorrer.

Os governos reacionários de Kyriakos Mitsotakis, na Grécia, e Giorgia Meloni, em Itália, os dois países para onde o barco foi dirigido, são a ponta de lança de uma política migratória com uma linha de ação clara: deixar morrer os migrantes em alto mar. Os mesmos que reprimem a classe trabalhadora enquanto prosseguem políticas capitalistas selvagens, mostram todo o seu desprezo e racismo ante pessoas desesperadas e vulneráveis que atravessam o Mediterrâneo para escapar à miséria, à guerra e à violência. Uma violência que foi instigada por estas mesmas potências europeias em África, no Médio Oriente e na Ásia para saquear as suas enormes riquezas e recursos.

A social-democracia lamenta cinicamente enquanto prossegue as mesmas políticas racistas

Por seu lado, os principais dirigentes social-democratas2 publicaram os seus respectivos tweets. Lamentos emocionais que apelam à direita para chegar a um acordo dentro do quadro europeu para regular a migração, e assim, dizem, evitar estas tragédias. O editorial do El País foi o porta-voz: "A comoção face a esta catástrofe humana deve deixar de se resignar e ativar de forma muito mais decidida as autoridades europeias para encontrar o quanto antes as bases para acordos de política migratória capazes de atuar e reduzir o risco de se repetirem episódios tão insuportáveis".

Mas estes artifícios estéticos são mais um exemplo do cinismo da UE e dos governos europeus. A proposta destes europeístas de esquerda, que pretendem gerir a barbárie capitalista, é clara: varrê-la para debaixo do tapete. Pagar a ditaduras como a Turquia ou Marrocos, ou a senhores da guerra na Líbia, onde até modernos mercados de escravos surgiram, para prender, torturar e assassinar estes refugiados, ou para promover o tráfico de mulheres. Ou seja, que continuem o horror e a barbárie, mas se possível fora das fronteiras da UE e de forma a passarem despercebidos.

A experiência prática desta política ainda ressoa em Melilla3. A democracia nas fronteiras consiste em instalar valas e muros com arame farpado, espancar migrantes e devolvê-los sem rodeios à polícia marroquina. Assim aconteceu em junho do ano passado, com um saldo ainda desconhecido, mas que pode ter ultrapassado os 50 mortos e chegado a quase uma centena de feridos. O maior massacre conhecido na fronteira espanhola, mas neste caso sob um governo de esquerda, "progressista", encabeçado pelo PSOE, mas com ministros da UP e do PCE que, apesar de protestarem, acabaram por colaborar em justificar e encobrir o que aconteceu.

Hoje sabemos que a polícia espanhola participou nesta selvageria, mas o ministro Marlaska ainda continua no seu cargo, e a Comissão para investigar estes crimes foi travada no Congresso pelo PSOE juntamente com o Vox e o PP. Quando se tratam de "crimes de Estado" sim é possível chegar a acordos com a reação. E tudo, com a aprovação da vice-presidente Yolanda Díaz.

A solidariedade é uma política internacionalista e revolucionária

A tragédia de Sylos só se compara ao naufrágio de Lampedusa, em 2013. Então, uma onda de refugiados fugia da Síria, enquanto um movimento de protesto se espalhava pela Europa sob o lema “Refugees Welcome” contra estas políticas migratórias racistas e contra os campos de concentração que foram erguidos para prender refugiados e imigrantes simplesmente porque eram pobres. Centenas de milhares de trabalhadores em todo o continente fizeram inúmeras doações, muitos até disponibilizaram as suas casas para os receber, e acima de tudo impulsionaram um movimento nas ruas de solidariedade, mas também de combate.

Também o Podemos, a IU e os Municípios da Mudança4 se juntaram ao grito de "nenhum ser humano é ilegal", da regularização de migrantes, e pediram mesmo o encerramento dos CIE5. Ada Colau em Barcelona assinou um compromisso público por escrito. Mas não passaram de promessas vãs. O completo abandono dos nossos irmãos migrantes continuou, e a esquerda parlamentar consentiu-o.

Perante o avanço da extrema-direita e do nacionalismo reacionário e das renúncias da esquerda institucional, nós comunistas revolucionários não nos resignamos, sabemos que esta batalha só pode ser ganha com uma política de classe internacionalista, assente na luta pela conquista de plenos direitos democráticos, sociais e políticos para a população migrante, e que una a classe trabalhadora nativa e estrangeira para derrubar o capitalismo e pelo socialismo. Assim o defendeu o movimento da classe trabalhadora organizada nas organizações revolucionárias desde o seu nascimento: "a classe operária não tem pátria".

Notas:

1. Alarm Phone é uma ONG dedicada a contactar e prestar apoio a embarcações de migrantes à deriva no Mediterrâneo. Tornaram pública a cronologia dos acontecimentos desde que entraram em contacto com o navio. Thread do Twitter

2. Todos, exceto Pedro Sánchez. Para o secretário-geral do PSOE e da Internacional Socialista, este é um acontecimento lamentável que coincide com os preparativos para a presidência espanhola da UE. Nada vai demover Sánchez de ser o garante da política da NATO e dos negócios dos capitalistas espanhóis.

3. Para a nossa análise dos acontecimentos então ler o artigo A ditadura marroquina matou 37 imigrantes que fugiam da fome na fronteira de Melilla, e Pedro Sánchez felicitou e agradeceu-lhe o serviço.

4. Ayuntamientos del cambio, câmaras municipais ganhas pela esquerda institucional nas eleições municipais de 2019. Para uma análise das recentes eleições municipais - em que muitas destas câmaras foram recuperadas pela direita - ler o artigo Eleições Estado Espanhol 28M: derrocada do PSOE e do Podemos. A paz social e as políticas capitalistas fortalecem o Vox e o PP.

5. Centros de Internamiento de Extranjeros. Prisões para refugiados em situação administrativa irregular, onde as pessoas encarceradas são vítimas de humilhações, violações e maus-tratos.

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