A morte de dois imigrantes hindustanis num incêndio no dia 4 de fevereiro voltou a colocar na ordem do dia as condições brutais e desumanas em que vivem e trabalham os imigrantes em Portugal. As vítimas foram incapazes de escapar às chamas devido à sobrelotação do rés-do-chão que partilhavam com outros 10 imigrantes na Mouraria, em Lisboa.

Esta tragédia é apenas mais uma num rol de casos de escravatura, homicídios e todo o tipo de abusos que os trabalhadores imigrantes e descendentes de imigrantes sofrem às mãos de um Estado racista e de um patronato sem qualquer tipo de escrúpulos.

O capitalismo português não sobrevive sem os trabalhadores imigrantes

Em muitos sectores — como na agricultura, na construção civil, no turismo, na restauração, na limpeza industrial, etc. — o débil e dependente capitalismo português necessita da superexploração da sua mão-de-obra para ser lucrativo. Por isso, as condições oferecidas pelos patrões destes sectores são de verdadeira miséria com salários abaixo do mínimo, horários alargados, cargas de trabalho extenuantes e abusos constantes aos trabalhadores. Com estas condições, este trabalho é destinado à classe trabalhadora imigrante ou descendente de imigrantes que, empurrada pela necessidade e vulnerabilidade em que se encontra, não tem outra alternativa que não seja aceitar.

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Em muitos sectores, o débil e dependente capitalismo português necessita da superexploração da sua mão-de-obra para ser lucrativo.

Vale a pena relembrar que este trabalho na semi-clandestinidade, sem contratos, sem protecção social e, nalguns casos, num regime de escravatura, só é possível com a conivência do Estado burguês. Através do seu aparelho repressivo — a polícia, os tribunais, a burocracia estatal — o Estado mantém determinadas camadas da classe trabalhadora imigrante e descendente de imigrantes numa situação de subemprego e desemprego cíclicos, de superexploração e mesmo de fome.

A esta necessidade de exploração da burguesia portuguesa vem juntar-se uma segunda, a de mão-de-obra, que se acentuou durante a última década com a emigração de centenas de milhares de trabalhadores autóctones para países da Europa central e do norte — segundo o Pordata, existem hoje menos 400 mil pessoas em idade ativa do que em 2008. Esta necessidade é de tal forma premente que algumas empresas foram recrutar mão-de-obra a Cabo Verde e os patrões da hotelaria solicitaram ao Governo que se criassem “fluxos de importação de mão-de-obra” dos países da CPLP. O Governo PS naturalmente respondeu afirmativamente, facilitando a obtenção de vistos. Tudo indica que esta medida irá facilitar a circulação de trabalhadores imigrantes, no entanto sabemos que este pacote legislativo foi desenhado para dar resposta às necessidades da burguesia portuguesa e não porque o Governo PS de repente se começou a preocupar com os direitos dos trabalhadores imigrantes.

Os dados oficiais do SEF registaram, em 2022, 757.252 estrangeiros com residência, mais 58.365 (8,3%) do que em 2021 — mas este número poderá chegar aos 900 mil. No entanto, estes dados ficarão certamente aquém da realidade, já que muitos trabalhadores imigrantes — especialmente na agricultura — se encontram reféns dos patrões e das máfias, sem contrato de trabalho ou documentos.

Como atua o Estado com os imigrantes

Os trabalhadores imigrantes e descendentes de imigrantes são tratados pelo Estado como autênticos criminosos. São-lhes negados os direitos mais básicos: à protecção social, à saúde, à educação, à habitação e até à nacionalidade portuguesa. Podem ser detidos em centros de instalação temporária do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), sendo alvo de espancamentos arbitrários, tortura e mesmo assassinados, como no caso do brutal homicídio de Ihor Homenyuk.

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Os trabalhadores imigrantes e descendentes de imigrantes são tratados pelo Estado como autênticos criminosos. São-lhes negados os direitos mais básicos: à protecção social, à saúde, à educação, à habitação e até à nacionalidade portuguesa.

O SEF era a instituição que, até agora, policiava as fronteiras e emitia os pedidos de autorização de residência. Os obstáculos burocráticos e a lentidão significavam esperas de meses e até anos para obter ou renovar a autorização de residência. Com estes prazos é comum os imigrantes voltarem a ficar em situação irregular devido à caducidade das autorizações de residência. No seguimento do homicídio de Ihor e devido à pressão popular, o SEF será extinto e as suas responsabilidades partilhadas entre as várias polícias e a Agência Portuguesa para as Migrações e Asilo. Estima-se que haja 150 mil processos por regularizar que o Governo quer agora despachar numa mega-operação. Para os trabalhadores imigrantes esta alteração não representará nenhuma mudança para melhor, posto que o “material humano” que irá alimentar o novo organismo será o mesmo.

O aparelho repressivo do Estado, pejado de racistas e fascistas, é conscientemente mantido e reproduzido pela classe dominante. O seu objetivo principal é controlar a classe trabalhadora e, por maioria de razão, a classe trabalhadora imigrante. A violência e abusos quase diários de agentes da polícia a imigrantes e descendentes de imigrantes continuam impunemente, sancionados por este mesmo Estado que nos dias de festa nos fala de “democracia”, “liberdade”, “igualdade” e “Estado de Direito”. A hipocrisia e conivência dos partidos do regime, da comunicação social e dos especialistas de serviço é total, lavando a cara aos fascistas e racistas que, uma e outra vez, atacam imigrantes e descendentes de imigrantes.

A situação dos trabalhadores imigrantes em Portugal é verdadeiramente dramática. Enganados pelas máfias, senhorios e patrões, deixados num limbo burocrático pelo SEF e pela Segurança Social e incapazes de alugar um quarto ou mesmo uma cama, multiplicam-se os casos de imigrantes a viver nas ruas das grandes cidades. Esta é uma situação com anos e conhecida quer do Estado central quer das autarquias, mas continuamente ignorada. A crise capitalista que se avizinha só tenderá a agravar esta situação.

As mulheres imigrantes ou trans sofrem ainda de um outro flagelo: a prostituição. As redes de tráfico humano enganam ou sequestram mesmo as imigrantes, aproveitando-se da sua situação indocumentada, forçando-as à prostituição. Além das máfias, as trabalhadoras imigrantes são também empurradas pelo sistema para a prostituição ao não serem capazes de arranjar trabalho.

E se o Estado burguês atua pontualmente é porque a situação é de tal forma escandalosa que poderá colocar em causa a paz social e, por consequência, a acumulação de capital. É nesta ótica que devem ser entendidas as investigações às redes de tráfico, ao homicídio do SEF ou aos patrões esclavagistas. Com estas excepções à regra, o sistema pretende esconder aquele que é o seu modus operandi habitual.

A direita e a extrema-direita mostram os dentes

Na sequência do incêndio na Mouraria e das agressões xenófobas em Olhão, Carlos Moedas, o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, e Luís Montenegro, o atual líder do PSD, aproveitaram imediatamente para criticar não a política de habitação selvagem que estes trabalhadores têm de enfrentar ou o racismo e xenofobia de que são alvo, mas a própria imigração. Moedas e Montenegro defenderam uma maior regulação da imigração o que, dito sem rodeios, significa na verdade maiores entraves e discriminação para os trabalhadores imigrantes. Também aqui a divisão de classe e racista é notória: se forem nómadas digitais ou acionistas de grandes empresas podem entrar à vontade. Montenegro defendeu mesmo que se devem procurar trabalhadores imigrantes entre “as comunidades que possam interagir melhor connosco, que se possam integrar melhor na nossa cultura, na nossa identidade”, deixando antever uma política de quotas baseada na origem dos imigrantes.

A diferença entre o discurso da direita tradicional e a extrema-direita — que agita constantemente as suas bases contra a imigração e os pobres — é unicamente na forma e no ritmo, representando diferentes sectores da classe dominante. A grande burguesia que, com os seus lucros milionários e a sua posição monopolista preza, acima de tudo, a paz social, continua apostada em moderar o discurso e manter uma certa ambiguidade. Já outros sectores que beneficiam diretamente da mão-de-obra imigrante — agricultura, turismo e construção civil — estão a virar à extrema-direita e a exigir maior controlo sobre a imigração.

Na verdade, a direita e a extrema-direita não têm qualquer interesse económico em expulsar todos os imigrantes ou descendentes de imigrantes. A burguesia precisa destes trabalhadores. Este discurso pretende unicamente manter os trabalhadores imigrantes numa posição inferior à da restante classe. Consequentemente, não só se cria uma pressão de rebaixamento geral dos salários como ainda uma pressão de rebaixamento geral dos direitos laborais.

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A direita e a extrema-direita não têm qualquer interesse económico em expulsar todos os imigrantes ou descendentes de imigrantes. A burguesia precisa destes trabalhadores.

Mas mais além da retórica, nas medidas e ações concretas, quer a social-democracia quer a direita não diferem. Sete anos de Governo PS não alteraram em nada a situação dos trabalhadores imigrantes em Portugal. Se fizeram alguma coisa, foi precisamente aprofundar a exploração destes trabalhadores e continuar a negar-lhes os direitos mais básicos. E é precisamente esta política da União Europeia que deixa dezenas de milhares de imigrantes morrerem afogados no Mediterrâneo ou que os criminaliza e deporta em massa que, por essa Europa, tem aberto a porta à direita e extrema-direita mais rançosa e reacionária.

Se são os partidos da burguesia — quer sejam de direita quer sejam social-democratas — quem aplica de facto as políticas anti-imigração, a esquerda reformista é incapaz de ultrapassar o papel de eterno coro de indignados e oferecer qualquer solução ou alternativa credível aos problemas enfrentados pelos trabalhadores imigrantes e descendentes de imigrantes. Também a burocracia sindical, mais preocupada em manter os seus lugarzinhos e privilégios, não está interessada em organizar as parcelas mais oprimidas da classe trabalhadora.

Perante a superexploração de imigrantes, as soluções propostas pela esquerda reformista nunca envolvem a construção de organismos de luta dos trabalhadores imigrantes ou a mobilização massiva dos oprimidos. Ficam-se por discursos e propostas no parlamento, prontamente chumbadas e ignoradas, ou queixas à Autoridade para as Condições no Trabalho e ao Ministério Público. No caso do PCP, a sua defesa dos órgãos repressivos do Estado e as declarações dos seus dirigentes de que não há racismo em Portugal são uma cedência perigosíssima às camadas mais atrasadas da classe trabalhadora e uma porta aberta para as ideias reacionárias da extrema-direita entrarem.

Os trabalhadores imigrantes são nossos irmãos de classe

A regularização de todos trabalhadores imigrantes e dos descendentes de imigrantes e a conquista de direitos democráticos e económicos é uma impossibilidade dentro do capitalismo português. Estas reivindicações só poderão ser alcançadas na sua totalidade com uma política revolucionária e uma luta de massas forte e determinada.

A Esquerda Revolucionária defende a regularização imediata de todos os trabalhadores imigrantes e descendentes de imigrantes — quem nasce em Portugal é português! Fim da criminalização e perseguição aos trabalhadores imigrantes: saneamento de todos os racistas e fascistas das polícias e tribunais. Para combater o poder das máfias defendemos que todos os trabalhadores imigrantes devem ter um contrato de trabalho e que qualquer patrão que utilize trabalho escravo ou semi-escravo seja expropriado sem qualquer indemnização e que a empresa e terras sejam nacionalizadas sob controlo democrático. Para impedir mais tragédias em habitações sobrelotadas defendemos igualmente a expropriação dos fundos imobiliários e a entrega de apartamentos dignos a toda a classe trabalhadora.

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As reivindicações dos trabalhadores imigrantes só poderão ser alcançadas na sua totalidade com uma política revolucionária e uma luta de massas forte e determinada.

A luta dos trabalhadores imigrantes e não-imigrantes pela subida dos salários, pelo direito à habitação, à educação e à saúde é uma só. Independentemente da nossa origem, as nossas necessidades enquanto classe são as mesmas e as nossas armas também. O movimento dos trabalhadores deve fazer um esforço consciente por organizar estas camadas da classe trabalhadora e integrá-las nas mesmas lutas, fortalecendo os laços de classe ao mesmo tempo que se luta contra o racismo e xenofobia que também existe entre os trabalhadores não-imigrantes.

O Socialismo é um sistema sem qualquer tipo de opressão, no qual trabalhadores de todos os géneros, origens e etnias serão finalmente livres e terão uma vida digna. Para o alcançar é necessário o contributo de toda a classe trabalhadora e oprimidos. Como dizia Marx: “Proletários de todos os países, uni-vos!”

Regularização imediata de todos os imigrantes e descendentes de imigrantes!

Os imigrantes são nossos irmãos de classe: pelo internacionalismo proletário!

Por uma esquerda combativa, anti-racista e anti-fascista!

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