A 6 de dezembro de 2023, num comunicado interno, a administração do grupo Global Media confirmou — depois de já ter anunciado a intenção em novembro — que ia avançar com o “processo de reestruturação”, o que significaria o despedimento coletivo de entre 150 a 200 trabalhadores dos 530 empregues pelo grupo e um aumento da precarização dos demais.

A Global Media é um conglomerado que tem a sua origem na privatização do Diário de Notícias (DN) e do Jornal de Notícias (JN), nos anos 90, sob o governo de Cavaco Silva e que desde então se tem expandido, adquirindo um portefólio diverso, incluindo a TSF e O Jogo, entre outros.

Tem também mudado várias vezes de mãos, sido recentemente adquirido pelo World Opportunity Fund, um fundo de investimento sediado num paraíso fiscal caribenho cujos proprietários permanecem incógnitos por detrás de múltiplas fachadas corporativas. É por sua vez gerido por um grupo de capital suíço de direção não menos incerta.

É por ordem destes novos e obscuros donos que veio a “reestruturação”, como condição de aquisição e injeção de capital no grupo, justificada como um mal necessário para evitar a falência das empresas e o seu fechar de portas. Isto após anos de uma administração danosa, que entre outros desfalques dilapidou o património do grupo, como a sede do DN em Lisboa ou do JN no Porto, “torrando-o” em proveito próprio.

Não é a primeira vez que é tomada a “estratégia” do despedimento coletivo. Só entre 2009 e 2020, o grupo realizou cinco, tendo despedido 81 trabalhadores no mais recente. Em 2022, mesmo perante uma subida de vendas e um saldo positivo, houve mais um despedimento coletivo mascarado de rescisões por mútuo acordo. Como resultado houve uma grande redução das redações, o que aumentou muitíssimo a carga de trabalho de quem ficou.

Mas os ataques não se ficaram por aqui. Dezenas de trabalhadores têm ainda os seus salários em atraso e as direções e concelhos de redação de várias empresas viram a sua autonomia ser-lhes retirada e sofrerem censura por parte da administração. Foi o caso da TSF, em que a administração suspendeu dois programas de opinião. Como resposta aos ataques à sua autonomia e ao que consideram ser a destruição das empresas, e como demonstração de solidariedade para com os trabalhadores, as direções de vários empresas do grupo demitiram-se em bloco, começando pela direção da TSF, dia 12 de dezembro, seguida pelas direções do JN, d’O Jogo e do Dinheiro Vivo.

Esta reestruturação não está a ser levada a cabo para salvaguardar os empregos dos demais trabalhadores nem para salvar a empresa e as suas publicações mas apenas para levar em frente os interesses dos seus investidores. Isto é óbvio quando o CEO da Global Media, em plena crise da empresa, anuncia um novo título já para o próximo trimestre, virado para a diáspora brasileira e com uma redação inteiramente nova. É evidente o seu objectivo: um desmantelamento dos jornais já existentes e das suas equipas, integrando trabalhadores precários, com piores condições de trabalho, para dar lugar a um novo projeto mais lucrativo para os seus investidores.

Os trabalhadores erguem-se em greve e em solidariedade. É preciso avançar para a greve geral!

Os trabalhadores da Global Media estão em luta contra este novo ataque aos seus postos e condições de trabalho. Os trabalhadores do JN deram o mote, decidindo em plenário ainda em novembro convocar greve para 6 e 7 de dezembro. A adesão foi praticamente total, levando a que, pela primeira vez na sua história, o jornal não saísse em dois dias consecutivos, a 7 e 8 dezembro.

Mas a maior demonstração de força dos trabalhadores do grupo veio da sua greve conjunta de dia 10 de janeiro, aprovada por unanimidade pelas redações do JN, DN, TSF, e O Jogo e convocada pelo Sindicato dos Jornalistas, SITE-Norte e STT. A adesão foi total, tendo os trabalhadores feito piquetes em Lisboa e no Porto. O Sindicato dos Jornalistas convocou ainda uma greve de uma hora para todo o sector apelando à solidariedade para com os colegas da Global Media, à qual se juntaram trabalhadores de pelo menos outras 15 empresas.

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A adesão à greve conjunta de dia 10 de janeiro, aprovada por unanimidade pelas redações do JN, DN, TSF, e O Jogo e convocada pelo Sindicato dos Jornalistas, SITE-Norte e STT, foi total com piquetes em Lisboa e no Porto. Fonte: Público.

A solidariedade dos trabalhadores do sector tem sido absolutamente inspiradora. Ainda em Dezembro profissionais da comunicação social organizaram um fundo de solidariedade que recolheu mais de 10.000€ em apenas quatro dias para apoiar 38 trabalhadores precários do Global Media. Os trabalhadores do sector demonstram com isto ter uma apurada consciência de classe. É um sector oligopólico, controlado por um punhado de conglomerados que não hesitarão em aproveitar o rebaixamento das condições de trabalho dos trabalhadores da Global Media para atacar também as suas. Como diz o Sindicato dos Jornalistas, é uma profissão de baixos salários, menos de 1000€ em média, onde apenas metade dos trabalhadores têm contrato permanente, sendo não poucos dos restantes pagos à peça, uma situação de precariedade extrema.

Os sindicatos têm de aproveitar a força dos trabalhadores da Global Media e a mediatização do caso e solidariedade dos trabalhadores do sector para lançar uma greve geral contra os despedimentos e precariedade e por um aumento de salários no sector. Tal como fez nas empresas da Global Media, há que convocar plenários de trabalhadores nas restantes empresas do sector para construir a greve de baixo para cima, garantindo a participação massiva dos seus trabalhadores. Uma greve que se estenda por todo o sector e por vários dias, capaz de paralisar a produção mediática no país até terem as suas exigências cumpridas e asseguradas. Também aqui será necessário, como na luta dos estivadores em 2016, construir um fundo de luta para garantir que os trabalhadores precários não tenham que furar a greve durante este período, apelando à solidariedade de toda a classe trabalhadora. Uma vitória destes trabalhadores será uma vitória para toda a classe trabalhadora!

Os media não podem ser reféns da burguesia! Tomemos posse dos meios de comunicação!

Mas esta luta tem de ser vista como um passo em direção à socialização dos meios de comunicação, pois enquanto forem privados, os postos de trabalho dos trabalhadores e a autonomia das redações estarão sempre ameaçados. Que o BE e o PCP peçam ao Estado burguês para “estabilizar a estrutura acionista” e “intervir para pagar os salários”, gastando recursos públicos para manter a empresa privada, é não compreender este facto. É uma posição vergonhosa, ainda mais recuada que a nacionalização, que tanto BE como PCP metem para segundo plano, e que também não é solução, pois ignora o carácter de classe do Estado e do governo do PS. As nacionalizações que empreendeu, como a TAP e a Efacec, foi com a intenção de limpar as suas dívidas com dinheiro público para mais tarde, quando voltam a dar lucros, reprivatizar em saldos.

A situação que os trabalhadores deste sector enfrentam é um alerta para a situação mais geral dos media que consumimos enquanto classe trabalhadora, e que servem de base ao nosso entendimento dos eventos correntes. Saber a quem pertence o material que lemos é de extrema importância para conseguirmos fazer uma leitura crítica e acertada do seu conteúdo — afinal de contas, o material estará escrito conforme os interesses do seu proprietário e, de forma mais alargada, da sua classe. 

Serem desde já propriedade privada, propriedade burguesa, deveria ser alarmante para a classe trabalhadora. É o interesse de classe que leva os media a apagar as lutas de trabalhadores das suas reportagens, que os leva a branquear a extrema-direita e a levar o Chega ao colo, que os leva a decidir que a luta ucraniana é uma “resistência”, quando a palestiniana é “terrorismo”. É o interesse de classe que leva a certas notícias, que vão contra esse interesse, serem praticamente censuradas – como o caso do recente assassinato racista em Setúbal.

O que se passa na Global Media não se trata de um mero lapso, devido a uma gestão particularmente incapaz ou gananciosa: é a própria natureza do capitalismo, que acabará por destruir todos os instrumentos de comunicação social e transformá-los em máquinas de regurgitação de propaganda. Só há uma solução para garantir que os meios de comunicação defenderão os interesses da nossa classe: resgatá-los das mãos da burguesia e colocá-los sob o comando dos seus trabalhadores. 

Apenas um jornal controlado pelos seus trabalhadores será uma ferramenta esclarecedora e de consciencialização da classe trabalhadora na sua luta pelo poder. Os meios de comunicação são um instrumento fundamental de poder de classe. Perante esta crise do grupo Global Media, sintoma de uma crise do sistema capitalista cada vez mais avassaladora, este lema tem de estar presente na mente de cada trabalhadora grevista nas lutas que se seguirão: no fim do dia, inevitavelmente, temos de tomar posse dos meios de comunicação!

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