Fazendo o balanço do primeiro ano da Geringonça, o Partido Socialista (PS) apresenta-nos, aparentemente, a prova irrefutável do seu sucesso governativo: a redução do défice orçamental para 2,1% do Produto Interno Bruto (PIB).

A redução do défice e a continuação da austeridade

Isto, diz-nos, enquanto avança com uma política de recuperação de rendimentos para as famílias trabalhadoras, reclamando-se assim de ser a ‘alternativa’ que a Europa precisa.

A verdade é que esta narrativa não é mais que uma miragem. A redução do défice orçamental, não se fazendo através da redução de despesa da Dívida, que não pára de aumentar, ou da reclamação dos impostos devidos ao Capital, só se poderia fazer à custa dos trabalhadores. O último estudo do economista Eugénio Rosa vem demonstrar isso mesmo, que a redução do défice em 2016 fez-se à custa da Segurança Social, da Administração Local, de um corte drástico no Investimento Público e na contenção de despesas com o Serviço Nacional de Saúde.

Para os trabalhadores em Portugal, em particular para a nova geração de precários, 2016 não foi um ano de recuperação. O insuficiente aumento do Salário Mínimo Nacional e das pensões mais baixas, bem como o congelamento das propinas máximas no Ensino Superior, são gotas num oceano de crescente precariedade, aumento exponencial das rendas e continuada degradação dos serviços públicos (Educação, Saúde, Transportes), dos quais estamos absolutamente dependentes. Acompanhando esta falsa narrativa vem sempre o espectro do regresso de Belzebu, o governo PSD-CDS que, como única “alternativa” à Geringonça, deitará por terra todas as suas “conquistas”.

É neste teatro institucional que as actuais lideranças da esquerda se deixaram prender. Trocaram as ruas pelo palco das instituições do sistema, retiraram os trabalhadores de cena e, no entanto, tudo se continua a decidir nos bastidores. O combate à precariedade no Estado é bloqueado pela sua burocracia, na mão dos boys do bipartidarismo, enquanto no privado a ausência de resistência de massas lhe abre completamente o caminho. A degradação e privatização dos serviços públicos continua de forma encapotada. Depois de, no final de 2016, se ter transformado a Universidade Nova de Lisboa numa Fundação de Direito privado, dominada pelo capital financeiro, segue-se agora o ataque à Universidade de Coimbra. Na saúde, a contínua degradação justifica cada vez mais parcerias com privados que colocam sempre os seus lucros à frente das nossas vidas. Por fim, o sistema de transportes públicos, infestado de ‘supressões’ e ‘perturbações’, é encaminhado para a privatização total enquanto a Autoridade dos Transportes não lhe vê “insuficiências relevantes”.

Desmobilização e bloqueio institucional

A desmobilização coloca a esquerda parlamentar como bengala desta política, dá-lhe folgo, prolonga a sua “lua-de-mel”. Afinal, a memória da PàF ainda está bem viva nas fileiras da classe trabalhadora. No entanto, como não se cansam de dizer, “mais é necessário”; e nós acrescentamos, mais é possível e urgente.

No final de 2016 Mariana Mortágua dizia, em entrevista ao Observador: “O que há é uma análise das relações de força em cada momento, e de quanto é que se consegue avançar de acordo com a relação de forças. E a relação de forças agora é mais favorável do que nunca” (ênfase nossa).

No entanto, sem mobilização, esta nova relação de forças surgida das eleições legislativas, mais não consegue que umas parcas migalhas que deixam todas as questões centrais por resolver. É como se as nossas direcções, quando chamadas à batalha, escolhessem enfiar a cabeça na areia à espera que a tempestade passe. Mas a tempestade está ainda por vir. Uma nova crise está a ser preparada nos balanços trimestrais do Deutsche Bank. Quando essa hora chegar, a classe dominante irá repetir a política do passado, i.e., passar os custos da sua crise para os trabalhadores e juventude. Nessa hora, a desmobilização sairá cara.

Os sinais são já visíveis. Neste último ano, sondagem atrás de sondagem, mostram uma transferência de votos do BE e da CDU para o PS. As ilusões no ‘mal-menor’ crescem precisamente no momento em que deviam estar a ser paulatinamente destruídas pela luta. Mas perdemos mais do que votos: as nossas organizações fragilizam-se. A queda da taxa de sindicalização arrasta a CGTP para uma crise gravíssima, e os milhares que se dirigem ao Bloco de Esquerda em busca de organização esbarram no muro da paz social e da falta de estruturas.

A urgência de voltar às ruas

Dissemo-lo antes, a nova composição da Assembleia da República e, principalmente, o que ela representa em termos sociais numa viragem à esquerda de largas camadas do povo trabalhador, constitui uma oportunidade de ouro para todos os que lutam contra a austeridade e por uma alternativa socialista, mas só a mobilização mais decidida a pode materializar.

Uma Frente Unida de todos os trabalhadores e jovens, mobilizados a partir dos seus locais de trabalho e estudo, armados de estruturas democráticas e de um programa 100% anti-austeridade, pode materializar a “nova relação de forças” para fazer o que “é necessário”. Ao invés de se perderem em lutas parlamentares estéreis, os 36 deputados do BE e da CDU deviam usar as suas posições como tribunas para a mobilização. Esta luta deve apontar não para a gestão do capitalismo podre, mas para uma alternativa socialista, baseada nas necessidades da humanidade e do planeta.

Como dizia Lenin “As reformas só surgem como subproduto da luta revolucionária”.

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