As últimas eleições presidenciais em França e as recentes eleições gerais no Reino Unido são eventos fundamentais para analisar a actual situação política na Europa e para pensar, em particular, Portugal no contexto europeu.

O Partido Trabalhista no Reino Unido, sob a liderança de Jeremy Corbyn e apresentando-se a 8 de Junho com um programa anti-austeritário, teve o maior aumento de votos entre eleições desde há mais de 50 anos. No manifesto apresentado para estas eleições estavam reivindicações como o aumento do salário mínimo, a abolição das propinas, o controlo de rendas e a construção de habitação social. A juventude britânica viu nestes pontos de programa respostas para o seu presente e futuro, o que explica o aumento de cerca de 30% de participação nas urnas nesta faixa etária. No total do voto popular, verificou-se um aumento de 3,5 milhões

A projecção do Partido Conservador e da burguesia de que seria possível reforçar a liderança de Theresa May e do seu programa de austeridade através da antecipação das eleições gerais — e, desta forma, descredibilizar Jeremy Corbyn e o que este representa para a classe trabalhadora — revelou-se patética. Depois de uma vitória do Brexit, os jovens e trabalhadores voltaram a manifestar a sua revolta face a uma situação de precariedade, de crise de habitação, de desmantelamento do sistema educativo e do sistema nacional de saúde (NHS).

Em França, Jean-Luc Mélenchon, apoiado pelo movimento ‘França Insubmissa’ e representando um programa que incluiu a subida do salário mínimo, a redução da jornada de trabalho, a redução da idade da reforma ou o aumento dos impostos sobre os rendimentos dos mais ricos do país, atingiu 19% dos votos totais contabilizados na primeira volta das eleições presidenciais do dia 23 de Abril e moveu milhares de jovens para os seus comícios. Em contraste, um dos principais partidos do establishment da política francesa, o Partido Socialista, ficou reduzido a 6% dos votos.

Num período de particular repressão por parte do Estado francês, que tem mantido desde Novembro de 2015 o estado de emergência, e após uma onda de greves e manifestações de massas contra a aplicação de uma lei de trabalho que visava ainda mais a precarização do trabalho, — e em paralelo com o sucedido em Inglaterra — uma parte significativa da classe trabalhadora e dos jovens radicalizada foi mobilizada por um programa eleitoral que rompe com a austeridade e com as estruturas da classe dominante que a defende.

O CIT apoiou e organizou as campanhas de Corbyn e Mélenchon nas respectivas secções nacionais, combatendo o boicote da burguesia e dos principais meios de comunicação que a representam, mas não deixando de apontar as insuficiências das suas candidaturas.

No Reino Unido, frisámos a necessidade de ruptura com a ala direita pró-capitalista que dirigiu o Partido Trabalhista durante décadas — um partido que começou como um projecto de sindicalistas, socialistas, mulheres activas na luta pelo direito de voto e movimentos cooperativistas de trabalhadores. Manifestámos ainda a nossa preocupação face a algumas cedências de Corbyn a esta ala: um compromisso à renovação do programa nuclear Trident; uma posição inflexível relativamente à questão nacional da Escócia, não apoiando a auto-determinação nacional, cujo apoio tem aumentado entre jovens e trabalhadores radicalizados nos últimos anos com a intensificação da austeridade; a insuficiência relativamente à reversão dos cortes na segurança social.

Em França, a divisão da esquerda no processo eleitoral impediu um resultado ainda mais significativo de Mélenchon e uma possibilidade de disputa na segunda volta. Outro factor que preveniu uma vitória de Mélenchon foi o carácter da mobilização para a sua campanha, que, sob a sua direcção, foi impedida de se transformar numa estrutura política forte e coesa, um novo e tão necessário partido dos trabalhadores.

É ainda importante afirmar que ambos os programas, de Corbyn e Mélenchon, não revelam a necessidade de ruptura com o sistema capitalista para implementar as medidas que mais apelam e mobilizam os eleitores trabalhadores e jovens; não apontam a decisiva via revolucionária que permite de facto responder aos anseios dos explorados e oprimidos. Sem uma economia planificada, gerida e controlada pela maioria e segundo os seus interesses, não será possível satisfazer as necessidades de educação, saúde e habitação da maior parte da população.

Também em Espanha assistimos a alguns eventos significativos para a luta dos trabalhadores, com a vitória de Pedro Sánchez nas primárias do Partido Socialista Obreiro Espanhol (PSOE) em que 80% dos membros manifestaram a sua preferência por um “projecto de esquerdas e autónomo do PP”, e com a mobilização de dezenas de milhares em Madrid pelo Unidos Podemos contra o actual governo de Rajoy e do PP. Também recentemente assistimos a vitórias do Sindicato de Estudiantes, organização de estudantes liderada pela Izquierda Revolucionaria, contra as reformas estudantis que remontam aos anos da ditadura franquista e que implicam uma perda de direitos democráticos.

O panorama em Portugal é de uma frente popular em que BE e PCP sustentam um programa de austeridade do PS, contribuindo para uma subida dos resultados eleitorais deste último por não se afirmarem como uma real alternativa perante os jovens e trabalhadores. Enquanto assistimos ao declínio dos partidos da tradicional social democracia, hoje partidos burgueses e que aplicam as medidas de austeridade, criam o desemprego, empobrecimento e precariedade na Europa, o PS mantém-se uma das principais forças políticas em Portugal.

Isto deve-se à actividade do BE e PCP no parlamento (que permanece o principal foco de acção), nos sindicatos, nos movimentos sociais ou na rua (sempre subjugados à acção parlamentar) que não aponta para uma mobilização em massa capaz de pressionar o governo de António Costa a implementar importantes medidas para a qualidade de vida da maioria — como é o caso do aumento imediato do salário mínimo para os 600€, jornada de trabalho de 35 horas para todos ou da abolição das propinas. Apesar dos milhares de jovens que procuraram na aproximação aos partidos de esquerda ferramentas para a transformação do mundo nos últimos anos, as suas direcções foram incapazes de os organizar e liderar nesse sentido, não os integrando em estruturas internas democráticas nem reforçando organizações estudantis e de trabalhadores construídas sob uma estrutura e um programa que permitiriam criar as condições para um enraizamento nos locais de estudo e de trabalho, coordenados nacionalmente, e para o alcance de vitórias significativas.

Desde 2015 que um dos dois grandes partidos da classe dominante [PS] se encontra numa posição de tremenda fragilidade e temos por isso uma oportunidade para arrancar concessões das suas mãos e conseguir vitórias urgentes para os trabalhadores e jovens. Os exemplos de força e mobilização da classe trabalhadora e da juventude em França, no Reino Unido ou em Espanha trazem lições valiosas para o actual momento no país, mas essa oportunidade não se estenderá para sempre. O preço que o BE e o PCP pagarão se a desperdiçarem resta por conhecer, mas não será baixo. Nós, os trabalhadores e os oprimidos, todos os dias o pagamos.

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