A aproximação da política do governo da Aliança Democrática — PSD e CDS-PP — liderado por Luís Montenegro à política da extrema-direita é cada vez mais notória. Ataques aos direitos dos trabalhadores imigrantes, dificultando a sua legalização, e mega-operações policiais que procuram criminalizar os imigrantes e os trabalhadores dos bairros periféricos entraram no nosso quotidiano.
Em lugar de resolver os problemas sociais, o governo faz dos imigrantes bodes expiatórios e chama a polícia. Falta de recursos no SNS? Proíbem-se os imigrantes indocumentados de aceder. Caos na AIMA por falta de recursos? Mais policiamento. Caos no comboio da Fertagus? Mais policiamento nas estações. Aumento das pessoas sem-abrigo em locais turísticos? Operação policial para as remover para parte incerta. E, em cima disto, agita uma narrativa de “percepção de insegurança” para criar um regime de terror policial contra as populações imigrantes e a classe trabalhadora das periferias.
A narrativa da percepção de insegurança é isso mesmo. Uma percepção criada deliberadamente pelo governo e alguns autarcas — nomeadamente Carlos Moedas em Lisboa e Rui Moreira no Porto — para fazerem avançar a gentrificação e as suas agendas securitárias contra determinados sectores da sociedade. O caso lisboeta é paradigmático: a Câmara Municipal, com um orçamento de milhões, prefere financiar eventos megalómanos em vez de criar habitação pública, creches públicas ou manter os bairros trabalhadores limpos.
Esta atuação, de resto, não é específica da direita portuguesa. Por toda a Europa vemos como vários governos da direita — mas também da social-democracia — e a própria União Europeia, com a sua política belicista e anti-imigração, se assemelham cada vez mais à extrema-direita. E depois parece que ficam espantados quando esta cresce eleitoralmente. Que desfaçatez e hipocrisia gritantes!
A rapidez e aparato mediático que o Governo e o Estado colocaram nestas mega-operações policiais — que Montenegro prometeu que se repetiriam — contrasta radicalmente com a proteção e apoio que são dados às verdadeiras vítimas da “insegurança”. A violência doméstica e sexual tem vindo a aumentar em Portugal e é um verdadeiro flagelo social. O caso mais recente é paradigmático: Alcinda foi assassinada em casa, no Barreiro, pelo marido à frente dos dois filhos, num caso em que existiam antecedentes conhecidos de violência doméstica. A denúncia efetuada pela própria em 2022 foi arquivada e, dois anos mais tarde, mais uma mulher pagou com a vida. Com a violência e a justiça machistas e patriarcais, o governo não se preocupa nem toma qualquer ação.

O mesmo se passa com a violência racista que não pára de aumentar. São vários os casos de assassinatos racistas nos últimos anos, o mais recente de Odair Moniz às mãos de um agente policial do Estado. E a impunidade para estes crimes é quase total, como aconteceu com os GNRs de Odemira que torturaram vários trabalhadores imigrantes e apenas um dos envolvidos cumpriu pena efectiva. É preciso dizê-lo: não existe qualquer associação entre imigração e criminalidade. Os municípios com maior percentagem de imigrantes são os com menor criminalidade. O que importa à direita e extrema-direita é criar alarme social para esconder os verdadeiros problemas e dificuldades económicas que a classe trabalhadora e outras camadas da população enfrentam diariamente.
A repressão aos imigrantes, aos trabalhadores e aos ativistas que lutam contra as alterações climáticas ou contra o genocídio na Palestina não é arbitrária. Com o aprofundar da crise na Alemanha, da guerra no Médio Oriente e com o aumento das tensões interimperialistas, Portugal sofrerá, mais cedo ou mais tarde, um aprofundar da crise económica e um aumento da luta de classes.
A atuação do governo da AD mostra uma estratégia clara de fortalecimento da autoridade policial e justiceira do Estado que procura, por um lado, disciplinar as camadas mais oprimidas da população e, por outro, preparar as várias forças policiais para um futuro embate direto com a classe trabalhadora.
Acentua-se a crise económica e social
Enquanto decorrem estes espetáculos mediáticos, cada vez mais camadas da população se vêem atiradas para a pobreza e a desigualdade. Portugal é hoje o segundo país da OCDE em que o 1% da população detém mais riqueza, cerca de 23%. Além disso, os 10% mais ricos da população detêm 60% de toda a riqueza nacional. As pessoas sem-abrigo e que trabalham não param de aumentar.
A crise europeia, nomeadamente a do sector automóvel alemão, já está a ter efeitos também em Portugal — entre outubro de 2023 e outubro de 2024, o número de desempregados na indústria automóvel aumentou 26%. De acordo com dados da DGERT, nos primeiros 11 meses de 2024, o número de trabalhadores abrangidos por despedimentos coletivos aumentou 76% até novembro, face a igual período do ano anterior, o que corresponde a 5.403 trabalhadores que foram efetivamente despedidos.
Este inverno os tempos de espera nas urgências continuaram acima das 10 horas em vários hospitais públicos. A “medida estrela” do governo foi obrigar os pacientes do SNS a telefonar primeiro para a linha SNS24 que, mantendo recursos insuficientes, foi incapaz de responder ao aumento exponencial da procura. Cerca de 60% das chamadas foram atendidas em 15 minutos, um tempo de espera enorme em casos de doença grave. Mas pior ainda, existem relatos de algumas pessoas que demoraram 1 hora para serem atendidas!
Durante a greve no INEM, a direção foi incapaz de decretar serviços mínimos, o que causou a morte a 11 pessoas por falta de atendimento. A vida das populações vale zero para esta gente que prefere gastar 20 milhões de euros em novas viaturas para a PSP e GNR, mas é incapaz de investir aquilo que é necessário para ter um serviço absolutamente crucial de emergência médica a funcionar.
E na Educação, cerca de 300.000 alunos estiveram, no mínimo 3 semanas, sem professor a uma disciplina. E nenhum dos incentivos temporários do Governo para colmatar esta falta surtiram efeito, já que o problema de fundo — baixos salários e falta de condições de trabalho — são impossíveis de resolver sem alocar recursos financeiros consideráveis. O já anunciado aumento das propinas para a universidade no próximo ano letivo vai aprofundar ainda mais a desigualdade e expulsar milhares de estudantes de famílias trabalhadoras da universidade.

As perspectivas para 2025 não são nada animadoras. Prevêem-se mais despedimentos coletivos sobretudo na indústria e numa economia altamente dependente do exterior — nomeadamente no turismo — qualquer diminuição nessa procura terá necessariamente consequências para a economia portuguesa. E as novas exigências de aumento dos gastos em armamento por parte da NATO significam que o Estado português terá que mais do que duplicar o atual valor para 6400 milhões de euros para cumprir as metas definidas. Dinheiro dos trabalhadores que não será gasto na saúde, educação, transportes ou habitação públicas.
A falta de soluções alimentará a raiva e o desespero de muitas famílias trabalhadoras incapazes de sair da pobreza, mesmo trabalhando. E isso levará cada vez mais camadas da população, com a juventude à cabeça, à luta.
A combatividade dos trabalhadores e jovens contrasta com a passividade da esquerda reformista
A melhor resposta aos vários ataques do governo foi dada nas ruas de Lisboa, no dia 11 de janeiro de 2025. Várias dezenas de milhares de pessoas desceram a Avenida Almirante Reis e encheram a praça do Martim Moniz para dizer bem alto que repudiam o racismo, a brutalidade policial e a extrema-direita. Que não aceitamos mega-operações como a que aconteceu na Rua do Benformoso, na Cova da Moura ou no bairro do Zambujal.
À mesma hora, ocorria uma patética manifestação do Ergue-te/Habeas Corpus de 200 fascistas e uma vigília do Chega em solidariedade com a polícia que não ultrapassou as poucas centenas de pessoas. Não ignoramos o perigo que representa estas organizações saírem à rua, mas ficou claro que somos muitos mais do que eles. A extrema-direita combate-se nas ruas com a mobilização de massas. E foi isso que fizemos!
No rescaldo desta manifestação Luís Montenegro tentou apresentar-se como o “elemento de moderação” contra os extremos. Ao traçar esta falsa equivalência entre as duas concentrações da extrema-direita e os dezenas de milhares de imigrantes, trabalhadores e jovens que encheram o Martim Moniz, Montenegro colocou na mesma balança aqueles que atacam imigrantes, pessoas queer e mulheres com aqueles que os defendem e se opõem a isso. E é esta a direita dita moderada!
A participação de toda a esquerda parlamentar na manifestação do dia 11 de janeiro é um dado relevante. PS, BE, PCP, Livre e PAN marcaram presença, associando-se à iniciativa e criticando o governo e a extrema-direita. Mas, da parte do PS pelo menos, esta participação é de uma hipocrisia absoluta. O executivo camarário que iniciou a gentrificação de Lisboa foi o de António Costa e Fernando Medina impulsionou-a ainda mais; os executivos camarários que demoliram bairros auto-construídos no concelho da Amadora, por exemplo, eram do PS; o executivo que pretendia despejar famílias inteiras de habitação camarária em Loures, na sequência da revolta pela morte de Odair Moniz, é do PS; vários casos de brutalidade policial, como o de Odemira, e o crescimento da violência de extrema-direita em geral, como escrevemos anteriormente, tiveram total conivência do PS.

Além disso, a recente aprovação do desastroso Orçamento do Estado para este ano pelo PS, estendendo a mão à direita quando realmente conta, mostram bem o cinismo deste partido. O que há que ressalvar é que, acima de tudo, a classe dominante pretende estabilidade para continuar os seus negócios. E por isso mesmo a oposição do PS será apenas pontual e em temas que não belisquem o grande capital. E a esquerda reformista, sobretudo BE e PCP, criticam mas não propõem qualquer estratégia de mobilização para parar os ataques da direita, entretendo-se com um jogo parlamentar onde estão em franca minoria e avançando com propostas fracas, confusas e que não fazem avançar o movimento.
Para as dezenas de milhares de pessoas que tomaram as ruas contra o racismo, a extrema-direita e a brutalidade policial, o que propõem de concreto estes partidos? Uns defendem mais policiamento de proximidade o que, tendo em conta as últimas mega-operações, vai significar maior repressão para estas populações. Outros argumentam que a polícia está a ser instrumentalizada politicamente, procurando ilibá-la da atuação vergonhosa no Benformoso, no Zambujal e em dezenas de outras situações que vão surgindo semanalmente. É por demais conhecida a simpatia de dezenas de milhares de agentes das várias polícias pelo Chega e, como aliás aconteceu no passado, constituem uma base social sólida da extrema-direita.
Como comunistas revolucionários e trabalhadores temos de compreender que a polícia está de facto a fazer “o seu trabalho”, isto é, atacar as camadas mais oprimidas da nossa classe para que sejam mais bem exploradas pela classe dominante. Por isso mesmo, esta instituição não é reformável e tem de ser abolida. Para combater a violência da extrema-direita e a brutalidade policial só existe um caminho: o da auto-organização dos trabalhadores e jovens.
Construir uma esquerda combativa
No ano passado, o movimento de protesto contra o genocídio na Palestina, a gigantesca manifestação do 25 de abril, as várias manifestações anti-racistas e a revolta nos bairros periféricos da Área Metropolitana de Lisboa mostraram que a sociedade portuguesa não está a virar toda à direita. Existe sim um processo de polarização social fruto da decadência do sistema capitalista e, em particular, do capitalismo europeu. Isto significa que existem várias camadas da pequena-burguesia e trabalhadores a virar decisivamente à esquerda, em particular entre a juventude.
Mas, devido ao papel de contenção das lutas, a esquerda reformista e do regime — Bloco de Esquerda, PCP e também a CGTP — estão hoje completamente desacreditados aos olhos da maioria da classe trabalhadora e juventude. Conciliar com o PS e, em última análise com a classe dominante, significou aceitar a nossa miséria. E isto é compreendido perfeitamente por vastas camadas da população. O problema não é a baixa consciência, é a falta de direcção política à altura da camada mais avançada da classe trabalhadora e juventude, disposta a lutar contra este governo e este sistema.
É necessário construir essa direção política, isto é, construir uma organização de combate capaz de intervir nas greves, nas ocupações e nas manifestações. Que defenda claramente e sem medos uma ruptura com o regime atual e que combata a extrema-direita nas ruas com a mobilização de massas. Uma organização capaz de fomentar a auto-organização nos bairros, nos locais de trabalho e de estudo para lutar por uma vida melhor.
Uma organização que defenda salários dignos, habitação, saúde e educação públicas, gratuitas e de qualidade, por direitos plenos para imigrantes, igualdade de facto para as mulheres e pessoas queer, e por uma solução para a catástrofe ambiental.
Nós, comunistas revolucionários organizados na Esquerda Revolucionária, queremos construir essa organização. Se partilhas destas ideias, junta-te a nós!