Há um ano atrás analisávamos o Orçamento do Estado (OE) de 2018 e alertávamos para o preço da desmobilização, o preço pago pelos trabalhadores dada a política de paz social levada a cabo pelas direcções reformistas das principais organizações dos trabalhadores: BE, PCP e CGTP.

No final de um ano, que confirmou a tendência de aumento do número e da intensidade das lutas, o boicote praticado por estas direcções agravou-se e passou a outro patamar. O OE2019 mantém a austeridade implementada nos anos da troika praticamente intocada. Depois de 3 anos a prometer a “viragem do ciclo de empobrecimento”, este é o preço da capitulação das direcções reformistas, que abandonam as principais lutas de 2018 para manter a estabilidade de um governo neoliberal. A posição que defendemos é o voto contra o OE2019.

Degradação do público, rendas ao privado

Em traços gerais, o OE2019 mantém as concessões ao capital inalteradas, à custa dos trabalhadores e serviços sociais do Estado.

O governo prevê gastar mais em PPPs (Parceria Público-Privado) do que em todo o sector público. Serão 2.078 milhões de euros para 4.210 quilómetros de PPPs e apenas 1.922 milhões para 13.664 quilómetros de rede pública ferroviária e rodoviária. A degradação do serviço e infraestruturas irá aprofundar-se, colocando em risco a vida de utentes e trabalhadores. Na Saúde, o orçamento para o SNS, face ao seu colapso, aumentará apenas 2,4%, um valor irrisório face ao seu colapso actual. A despesa com o sector privado aumentará ainda mais, seja pelo aumento das PPPs, seja pela crescente necessidade de recorrer ao privado por incapacidade de resposta do SNS. Na Educação, o governo prepara-se para manter a política de precarização, privatização (através da municipalização do ensino básico) e desmantelamento do ensino público. Está ainda previsto o “apagão” de quase uma década de trabalho dos professores, ao mesmo tempo que diminui em 4% as despesas com pessoal.

O total de encargos com as PPPs será de cerca de 1,7 mil milhões de euros em 2019. Juntam-se as SWAPs no valor de 159 milhões de euros e os encargos com a dívida pública de mais de 7 mil milhões de euros. Estão previstos ainda auxílios ao sector financeiro de mais de 1,6 mil milhões de euros. Isto depois de, entre 2010 e 2017, se terem enterrado cerca de 17,5 mil milhões de euros na Banca. Ao nível dos benefícios fiscais em sede de IRC, só em 2017 totalizaram 1,1 mil milhões de euros, sobretudo para as empresas do PSI-20, as vinte maiores empresas cotadas na bolsa de Lisboa.

Os trabalhadores pagam a factura

O OE2019 é especialmente pernicioso, uma vez que as reformas fiscais deste governo reforçaram a tendência do governo anterior: aumentar o factor regressivo dos impostos, fazendo pagar mais a quem ganha menos e menos a quem ganha mais.

De acordo com Eugénio Rosa, os impostos indirectos aumentaram cerca de 25% durante a Geringonça, o que penaliza sobretudo os trabalhadores mais pobres e precarizados. Em termos absolutos, o IVA representa ⅔ da receita indirecta total. Mais uma vez, são os trabalhadores a contribuir fortemente para um Estado que não lhes dá nada em retorno.

Um salário mínimo nacional de 600€ continua a ser de miséria e, com o preço dos bens básicos a aumentar, sobretudo a habitação, torna-se cada vez mais difícil para os trabalhadores e jovens chegar ao fim do mês. Adicionalmente, apesar do descongelamento de algumas carreiras na Administração Pública, o Governo propõe um aumento da despesa de apenas 0,2%, o que impedirá qualquer aumento real dos salários. O papel do Governo e instituições estatais no processo de regularização dos precários do Estado tem sido absolutamente criminoso. Multiplicam-se as histórias de atrasos, assédios e despedimentos de trabalhadores que se inscreveram na plataforma.

O reformismo e a extrema-direita

As direcções do BE, PCP e CGTP tentam, por todos os meios, convencer-nos que este é o melhor orçamento possível. Para de seguida reclamar para si e entre si medidas que, no quadro geral, se tornam apenas cosmética sobre uma realidade que é de continuação da austeridade e do empobrecimento.

Entramos no último ano da Geringonça com estes dirigentes a ter cada vez mais dificuldade em mascarar a sua capitulação. Há alguns meses atrás, Catarina Martins afirmou a vontade do BE integrar um futuro executivo PS e Jerónimo de Sousa também se mostrou “disponível para governar”. Ao invés de mobilizar a classe trabalhadora na luta por um OE2019 que responda às suas necessidades, amplificando as lutas em curso, estes dirigentes procuram gerir o capitalismo melhor que os próprios capitalistas.

Aprovar orçamentos austeritários, enquanto se pinta o governo com as cores da esquerda, não é mais do que consolidar-se como parte integrante do sistema que hoje impede os trabalhadores de usufruir do crescimento e amanhã lhes passará a factura da nova recessão. A esquerda que quer salvar o capitalismo, tentando apresentá-lo com um rosto humano, é a mesma que abre as portas para que extrema-direita ocupe o campo anti-sistémico de forma populista.

As recentes vitórias de Bolsonaro, Trump e Salvini mostram o falhanço do reformismo e representam uma ameaça real. Mas, ao mesmo tempo, acenderam a chama da resistência de milhões de jovens e trabalhadores por todo o mundo, que se organizam para lutar e enfrentam corajosamente a repressão. Será nessa resistência que teremos de construir uma alternativa independente e socialista da classe trabalhadora e juventude.

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