As medidas tomadas pelo governo para gerir a crise económica e sanitária mostram cada vez mais a sua ineficácia, e uma catástrofe social maior e mais violenta do que provocada pela Grande Recessão de 2008 está iminente.

Mais ainda, com o avanço do processo de vacinação e uma nova tentativa de desconfinamento, prevendo um recuo da pandemia, a burguesia prepara-se para impor um novo programa de cortes sociais e ataques aos trabalhadores e à juventude.

Neste contexto, a extrema-direita tem um novo impulso. Foi assim que, respondendo ao lançamento de uma petição a exigir a ilegalização do Chega, esse partido de extrema-direita procurou ocupar as ruas com o seu projeto de ódio à classe trabalhadora e às massas oprimidas, no passado dia 18 de abril. Centenas de fascistas e ultra-reacionários foram transportados em autocarros desde vários pontos do país para marchar nas ruas da capital sob o lema “Chega ou morte”. Este enorme esforço do Chega e de outras organizações de extrema-direita deixou muito clara, por um lado, a sua fraqueza atual — mesmo com abundantes recursos e financiamento conseguiram pouco mais de um milhar de manifestantes, muito menos do que a manifestação anti-racista de 6 de junho de 2020 —, mas, por outro lado, também que as forças reacionárias, mesmo sendo ainda fracas, estão a crescer e a orientar-se para uma disputa das ruas. E ante a inação da esquerda, a extrema-direita só poderá ganhar ímpeto.

O Estado burguês é incapaz de travar o fascismo

Em primeiro lugar, há que deixar claro que a Esquerda Revolucionária não se opõe de forma alguma à petição pela ilegalização do Chega. A ilegalização do Aurora Dourada, o partido fascista grego, foi uma vitória importante dos trabalhadores e da juventude na Grécia, e um rude golpe nas forças de extrema-direita do país. Dito isto, reafirmamos que os apelos ao Estado são incapazes de travar a extrema-direita. O exemplo grego demonstra precisamente isto. Os tribunais condenaram os assassinos do Aurora Dourada, sim, mas somente após anos de luta e sob uma imensa pressão das massas! Durante todos esses anos, o aparelho do Estado foi usado para reprimir e desmoralizar por todos os meios possíveis a juventude e os trabalhadores que lutam contra o fascismo.

A ilegalização do Chega, sendo uma reivindicação justa, é realizável apenas através de um potente movimento de massas também aqui em Portugal. Nenhuma confiança pode ser depositada nas instituições do Estado burguês. Como é óbvio, se o Tribunal Constitucional fosse o que alega ser, jamais teria legalizado o Chega em primeiro lugar. Mais ainda, se as chamadas forças democráticas fossem minimamente consequentes, teriam tomado imediatamente a iniciativa da luta pela ilegalização do Chega e pela prisão dos seus dirigentes. O que aconteceu, muito pelo contrário, foi a legalização e aceitação do Chega, de André Ventura e de insultos racistas e machistas mesmo dentro da Assembleia da República. Ninguém menos que o próprio Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, defende repetidamente a “liberdade de expressão” e organização de fascistas como Jaime Nogueira Pinto, considera os pedidos de ilegalização do Chega “um disparate” e procura por todos os meios dar aos fascistas uma aura “democrática”.

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Marcelo Rebelo de Sousa defende repetidamente a “liberdade de expressão” e organização de fascistas como Jaime Nogueira Pinto, considera os pedidos de ilegalização do Chega “um disparate” e procura por todos os meios dar aos fascistas uma aura “democrática”.

Mesmo depois de ameaças de morte, agressões e brutalidade policial racista, o governo PS — afirmando-se de esquerda e sendo sistematicamente visado pelos ataques da extrema-direita — permanece completamente apático ou, nos piores momentos, chega a defender a “identidade nacional” e a apresentar a luta anti-racista e o fascismo como equivalentes, tal como fez António Costa quando considerou o ativista anti-racista Mamadou Ba e o racista André Ventura igualmente “muito perigosos”.

Como se pode entender que as instituições democráticas e o governo tolerem e legitimem desta maneira as forças fascistas? Há que entender, em primeiro lugar, que a extrema-direita reúne apoio dos setores mais rançosos e reacionários da sociedade — patrões, pequenos patrões e toda a laia de empresários, senhorios, latifundiários, polícias, etc. —, inflamados pelo machismo e pelo racismo mais desprezíveis e que olham com pavor para a radicalização da juventude e dos trabalhadores, para os avanços enormes do movimento feminista e anti-racista, para as revoltas e crises revolucionárias que estalam num país após o outro e que fizeram tremer até os poderosos Estados Unidos da América. Esta escumalha identifica corretamente todos estes avanços como uma ameaça aos seus privilégios e à sua “liberdade”, a “liberdade” de pagar salários de miséria e explorar até ao tutano os trabalhadores mais desesperados, a “liberdade” de especular com habitação e cobrar rendas esmagadoras, a “liberdade” de espezinhar negros, ciganos e imigrantes, a “liberdade” de tratar mulheres como mercadorias. E quanto mais a crise capitalista se agrava, mais furiosamente estas camadas sociais viram à extrema-direita, dispostas a tudo para preservar os seus privilégios e o seu estilo de vida — isto pode ver-se nitidamente na forma como o Chega absorve uma parte crescente do eleitorado e até dos membros dos partidos da direita tradicional.

Como é óbvio, não é possível conciliar os interesses dos trabalhadores com os interesses destes patrões e dos senhorios. É essa impossibilidade que explica o jeito manso do regime democrático burguês com os fascistas, tanto em Portugal como nos restantes países. Combater a extrema-direita eficazmente implica perturbar todo o Estado — a começar pela polícia, que está recheada de fascistas —, implica chocar de frente com patrões e camadas privilegiadas. Mais fundamentalmente, avançar com medidas de combate à extrema-direita é necessariamente abrir as portas à ação da classe trabalhadora.

Que seria dos patrões se o Estado começasse a puni-los sistematicamente por todas as ilegalidades que cometem contra os trabalhadores, pelo roubo de salários, pelo assédio, machismo e racismo nos locais de trabalho? E que seria dos senhorios também? E dos grandes latifundiários que exploram força de trabalho escrava? E que seria do aparelho repressivo — indispensável à exploração capitalista — se houvesse um saneamento dos fascistas nas forças de segurança? Mais ainda: que espaço teriam os partidos e organizações da extrema-direita se, em lugar de encher os bolsos dos capitalistas para salvaguardar os seus lucros, o governo investisse em saúde e educação 100% gratuitas, em habitação pública e de qualidade, em condições de vida dignas para todos?

A conclusão é clara. Combater o fascismo é contrário aos interesses da burguesia, e contrariar os interesses da burguesia é algo que nenhum Estado capitalista, independentemente do seu governo, pode fazer. Por cima de tudo isto, os fascistas (dentro e fora da polícia) são os cães de fila da classe dominante, usados para amedrontar e atacar o movimento dos trabalhadores e da juventude, que nos nossos dias dá passos de gigante por todo o mundo.

O Estado burguês, com todos os seus democratas, não está connosco. Só podemos contar com as nossas próprias forças. A ação da classe trabalhadora é o fator chave para derrotar a extrema-direita e, nisto, o papel das direções da esquerda e dos sindicatos tem uma importância central.

O silêncio das direções reformistas

A política que as organizações da nossa classe adoptam influencia grandemente o desfecho dos acontecimentos. Um movimento que siga o caminho da luta revolucionária, com um programa socialista e independência de classe, tem todas as condições para esmagar a extrema-direita desde já e decisivamente. Mas ao insistirem no programa de unidade nacional, na conciliação de classes e na desmobilização, as atuais direções do PCP, do BE, da CGTP e da grande maioria das organizações da esquerda e dos trabalhadores abrem o caminho à extrema-direita, com o seu programa de intimidação e violência contra os explorados e oprimidos.

A ausência de uma resposta dos principais partidos da esquerda à manifestação fascista de 18 de abril mostra bem o rumo que está a ser seguido pelos reformistas. Das direções do PCP e do BE, houve apenas silêncio. Foi Francisco Louçã, hoje apresentado como “conselheiro de Estado”, quem disse alguma coisa — e foi bem reveladora. Na sua página de Facebook, com o seu conhecido “sentido de Estado”, este responsável dirigente da esquerda condenou a manifestação fascista não pelo seu conteúdo político, mas antes como “um sinal de irresponsabilidade” por ter sido realizada em ruas apertadas e com André Ventura sem máscara. Por fim, ainda se atreveu a apontar a Associação 25 de Abril como um exemplo de responsabilidade por tentar limitar o “desfile” do 25 de Abril a apenas 1.000 pessoas, que deveriam inscrever-se na “comemoração”.

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A ausência de uma resposta dos principais partidos da esquerda à manifestação fascista de 18 de abril mostra bem o rumo que está a ser seguido pelos reformistas.

Portanto, com um milhar de apoiantes da extrema-direita a ocupar as ruas de Lisboa, os dirigentes da esquerda não dizem uma palavra sobre fascismo ou extrema-direita e a única voz que se levanta contra a manifestação fá-lo com argumentos idênticos aos que usa a direita para condenar a juventude e os trabalhadores que protestam. É assim que se luta contra o fascismo?!

O que é preciso é uma resposta contundente da esquerda. O 25 de Abril precisa de ser transformado numa manifestação antifascista massiva, com mobilização da juventude que já demonstrou para lá de qualquer dúvida a sua determinação para lutar contra o fascismo e a extrema-direita.

Exatamente o mesmo pode ser dito sobre a política da direção da CGTP para o 1º de Maio, que é convocado este ano, uma vez mais, como cerimónia exclusivamente para o aparelho burocrático da Intersindical. Os trabalhadores e a juventude foram explicitamente desmobilizados. Esta lealdade ao programa de unidade nacional encabeçada por Marcelo e por Costa é pior do que “irresponsável”, é nada mais do que estender uma passadeira vermelha à extrema-direita, retirando os trabalhadores e os jovens das ruas enquanto os fascistas as ocupam com cada vez menos pejo.

Torna-se ainda mais evidente o caráter oportunista destas direções quando se entende que a política que seguem é diametralmente oposta à política que as suas próprias bases militantes exigem e aplicam pelos meios de que dispõem.

O oportunismo e a bandeira do combate à “corrupção”

Como parte do programa de unidade nacional seguido ao pé da letra pelas direções reformistas da esquerda, tem havido um esforço para disputar as bases ultra-reacionárias da extrema-direita através da bandeira da anticorrupção, que sempre acompanha a defesa da “democracia” abstrata. Esta bandeira é levantada não só por BE e PCP — que propõem leis contra o enriquecimento ilícito ou injustificado — mas igualmente por pequenas forças à esquerda destes partidos.

Um exemplo ilustrativo desta política é o seguido pela Rede Unitária Antifascista (RUA), que, partindo da concepção correta de que o fascismo se enfrenta e vence pela mobilização de massas nas ruas, marcou uma contra-manifestação no mesmo dia, 18 de abril. No entanto, a linha política apontada pelo coletivo, que tem uma forte presença de militantes do Movimento de Alternativa Socialista (MAS), foi um eco da política dos reformistas. Tentando arrancar à extrema-direita a bandeira da luta contra a corrupção, RUA e MAS organizaram a manifestação sob o lema “Nem corruptos, nem fachos”, levantando palavras de ordem como “prisão para quem roubou o país”.

Aproveitando o escândalo da “Operação Marquês” ― onde entre outros, é julgado o ex-primeiro-ministro do PS, José Sócrates ―, os ativistas da RUA e do MAS apontaram a “corrupção” da “elite” como a causa da miséria da maioria. Contudo, a corrupção que estes ativistas descreviam nas suas intervenções e materiais não é mais do que o normal, natural e necessário de funcionamento do sistema capitalista. Levantar a bandeira da anticorrupção, como fazem os reformistas, implica admitir que o sistema, estando “corrompido”, não está a funcionar como deveria. Ora, isto é precisamente o oposto daquilo que realmente se passa. A “corrupção” não é senão a política da burguesia para garantir o controlo do seu Estado e dos seus representantes nos órgãos da sua democracia parlamentar. É através da mediação económica, ou lobby, que o Estado burguês e o seu poder executivo conseguem desempenhar o papel de gestores dos interesses de toda a classe dominante. Sem esta mediação não é possível aos vários setores da burguesia disputarem entre si de forma pacífica a utilização dos recursos do Estado ― disputa essa que é manifestada através da atuação dos seus vários partidos políticos.

A concepção distorcida da corrupção que reformistas e oportunistas disseminam tem um resultado claro: cria a ilusão de que basta então reformar o sistema, aprovar algumas leis e prender alguns corruptos para que os interesses de toda a sociedade ou “país” voltem a ser assegurados. O capitalismo e as suas instituições são, assim, ilibados. Não é casual que a bandeira da “luta contra a corrupção” sempre tenha sido usada pelas forças reacionárias apoiadas por empresários e setores das camadas médias que reclamam do Estado uma política mais favorável aos seus interesses particulares. São camadas sociais que são atingidas pelas crises capitalistas e se sentem injustiçadas pelo governo. Incapazes de ver outra solução, e muito menos uma solução revolucionária, o que estas camadas reclamam é uma melhor gestão dos espólios acumulados nos cofres estatais.

A classe trabalhadora, de cuja exploração ― mais ou menos diretamente ― vivem estas camadas, é alheia a esta política. Não é por acaso que a luta contra a corrupção nunca foi bandeira do movimento operário. Mas menosprezando toda a rica história da nossa classe, as direções reformistas e oportunistas da esquerda querem fazer-nos crer que o programa para derrotar o fascismo é repetir junto dos trabalhadores as ideias da extrema-direita, dando-lhes um verniz “anticapitalista”, porque dessa forma estaremos a ganhar para a esquerda a base social do fascismo.

Dá-se precisamente o contrário! Ao trazer uma bandeira pequeno-burguesa para o seio da classe trabalhadora, a influência ideológica da pequena-burguesia sobre o proletariado é aumentada. A política oportunista da anticorrupção não faz mais do que facilitar a passagem dos setores mais atrasados do proletariado para o campo da reação fascista. Como invariavelmente acontece com a política oportunista, o resultado é exatamente o oposto do objetivo declarado.

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Há que mobilizar massivamente os trabalhadores e a juventude para a ação nas ruas, e organizar núcleos e a ação antifascista nos locais de trabalho, nas escolas e nos bairros.

A esquerda tem de romper imediatamente com o programa de unidade nacional! O fascismo combate-se com a luta revolucionária

A esquerda e as organizações de trabalhadores precisam de abandonar o cretinismo parlamentar, a política de apelos à lei, à Constituição, à “democracia” e ao governo. Nenhuma confiança no Estado burguês! Há que mobilizar massivamente os trabalhadores e a juventude para a ação nas ruas, e organizar núcleos e a ação antifascista nos locais de trabalho, nas escolas e nos bairros, através dos partidos da esquerda, dos sindicatos, das comissões de trabalhadores e de todas as organizações da nossa classe!

Só a unidade da classe trabalhadora, só a sua mais absoluta independência política e organizativa sob um programa socialista que parte das necessidades da nossa classe e aponta à tomada do poder político nos permitirá construir as ferramentas não só para derrotar a extrema-direita e os fascistas, como igualmente para acabar com toda a exploração e opressão. Seguir a conciliação de classes e inclusivamente procurar integrar reivindicações da extrema-direita é a receita para o desastre. É quando a classe trabalhadora mostra a sua força massiva que o campo do fascismo fica totalmente desmoralizado e elementos e setores inteiros das restantes classes da sociedade, e especialmente da pequena-burguesia, perdem toda a confiança na burguesia e no seu sistema, passam a seguir o proletariado e são ganhos para o programa da revolução socialista.

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