Tal como acontece em toda a Europa e em países-chave como os EUA, o avanço da extrema-direita é também uma realidade no Estado espanhol. Não se trata apenas de grupos falangistas1 e nazis fardados que se manifestam de forma impune, que organizam eventos para glorificar o franquismo e que ameaçam e atacam activistas de esquerda.
Os acordos entre a quadrilha de bandidos fascistas Desokupa e o Sindicato Unificado da Polícia (SUP) para "formar" 30.000 polícias em "autodefesa", ou com a Associação de Tropas e Fuzileiros Espanhóis (ATME), que agrupa 4.000 militares no ativo, e a ação coordenada destes mesmos fascistas com a polícia de choque em vários despejos são provas da fascização das forças policiais.
Os tentáculos da ultradireita estendem-se por sectores decisivos do aparelho de Estado do regime de 78, assim como demonstra, também, a atuação da manada de juízes sexistas, homofóbicos, reacionários e anticomunistas declarados que se sentem impunes para incriminar aos vermelhos, aos pró-independência e aos activistas sociais e até para agredir sexualmente, a partir do púlpito, as mulheres que se atrevem a denunciar situações de violação, assédio e violência sexista. O juiz Carretero e o seu abjeto interrogatório de Elisa Mouliaá é o exemplo mais recente, mas a matilha judicial é galopante em todo o sistema jurídico espanhol.

Um aparelho militar e judicial herdado do regime de Franco
O aparelho judicial e estatal da ditadura, que passou para o sistema democrático sem qualquer purga, continua a ser alimentado pelos sectores mais conservadores e privilegiados da sociedade e está repleto de franquistas. Um “grupo iluminado” de "juízes-soldados" estão se erguendo como protagonistas da vida política, tomando partido da ideologia mais ultradireitista para desestabilizar o governo e agem de forma cada vez mais violenta contra a luta feminista, à qual têm rancor, os movimentos de libertação nacional e tudo o que cheire a esquerda.
Enquanto admite as queixas mais absurdas de organizações machistas, racistas e fascistas como Manos Limpias e Hazte Oír,2 a justiça nada tem a dizer sobre as manifestações públicas de falangistas e franquistas, que se realizam com total impunidade, apesar de serem proibidas pela Lei da Memória Democrática. O mesmo sobre os comícios fascistas em Ferraz, exibindo simbologia franquista, ou mais recentemente em Sevilha, numa igreja central, onde a figura de José Antonio Primo de Rivera foi comemorada exibindo bandeiras falangistas enquanto se cantava o "Cara al sol" [hino franquista] sob o olhar espantado das pessoas que passavam. As mesmas imagens de exaltação da ditadura foram vistas em igrejas de Madrid e Saragoça.
O que é que os juízes e os procuradores têm a dizer sobre todos estes factos? Nada! Partilham essas mesmas posições do mais rançoso nacionalismo espanhol, como demonstraram ao reprimir o movimento independentista da República na Catalunha, que desafiava precisamente os pilares fundamentais da ideologia fascista e do regime de 78.
Aliás, nessa altura contavam com o apoio do PSOE, que deu o seu aval ao governo do PP, concedendo carta branca aos juízes para liderarem o esmagamento do povo catalão em nome de "uma Espanha única, grande e livre", ajudando a difundir os preconceitos do espanholismo mais reacionário entre os sectores mais atrasados politicamente da população.Quando não se corrige os erros do passado, esses erros tendem a ser repetidos.
O papel do aparelho judicial na repressão do 1 de outubro de 2017 só veio aprofundar a tendência de extrema-direita dos juízes. As mesmas tendências podem ser encontradas nos oficiais do exército. Em 2018, sob o governo "socialista", uma notícia reveladora foi publicada nos meios de comunicação social: 1000 oficiais do exército assinaram com nomes e apelidos um manifesto de "adesão a Francisco Franco Bahamonde, soldado de Espanha". A lista incluía 70 generais e almirantes. Tendo em conta que o exército espanhol tem cerca de uma centena de oficiais deste nível, é evidente que o perfil político dos comandantes de topo das forças armadas é preocupante. Não é de estranhar que um general reformado tenha afirmado recentemente, numa sala de chat, que 26 milhões de espanhois (vermelhos, paneleiros, imigrantes e feministas) deveriam ser fuzilados. Literalmente, disse que esses "26 milhões de filhos da puta" deviam ser mortos, sem que nenhum juiz ou o governo "socialista" visse qualquer crime nestas declarações.

As forças de segurança e a extrema-direita
A associação das forças de segurança JUSAPOL [Sindicato da Polícia Nacional], e os sindicatos maioritários da polícia e da guarda civil, JUPOL e JUCIL [Associação Profissional Justiça Guarda Civil], não escondem a sua simpatia pelo VOX e pelo seu programa racista, machista e fascista. E é notório que muitos membros das forças de segurança são militantes do partido de Abascal. A organização pró-franquista España 2000 encorajou recentemente os seus membros a participarem em comícios convocados pela JUPOL em apoio de um oficial acusado com um cartão VOX.
Enquanto os desfiles neonazis e falangistas são gentilmente escoltados por destacamentos policiais, estes não hesitam em atuar de forma cada vez mais provocadora e agressiva contra a esquerda. Os agentes da polícia infiltram-se nos movimentos sociais e nas manifestações da esquerda como agentes provocadores ao mais puro estilo fascista. E quando isto foi denunciado, a resposta do governo de Pedro Sánchez foi proteger e justificar estas acções.
Os laços da polícia com as organizações de extrema-direita estão a tornar-se cada vez mais estreitos. É um facto que estão a ser formados batalhões de choque fascistas sob a proteção das forças de segurança do Estado. Ou o que são os bandos de bandidos em empresas como a Desokupa? O seu chefe, Daniel Esteve, recordando o gangsterismo e milícia fascista, diz-nos como funcionam: "Onde as leis não chegam, nós chegamos. O que a polícia não faz, nós fazemos". Desde 2016, as empresas de "desocupação" se multiplicaram pelo Estado. Esses grupos violentos e intimidadores agem com total impunidade e com a colaboração da polícia em suas operações de despejo extrajudicial.
A Desokupa anuncia os seus serviços profissionais com a seguinte mensagem: "Desde que começámos em 2016, realizámos com sucesso mais de 7.000 'desokupaciones'. Somos a única empresa do sector recomendada pelas forças de segurança do Estado". De facto, não é a única com uma recomendação. Outra empresa do sector, a Desokupa Express, com sede em Guadalajara, anuncia-o claramente no seu site: "A nossa equipa é composta por 75 pessoas especializadas neste tipo de operações e conta com o apoio e a coordenação de membros da polícia nacional".
Classes médias mobilizadas para a extrema-direita
Sob a proteção das forças de segurança do Estado, está em curso uma operação de branqueamento de empresas, que utilizam a ameaça e a extorsão para as suas actividades, como se estivessem a cumprir um serviço público. E é claro que estão a cumprir uma função social! Estão ao serviço daqueles que estão a fazer fortuna com o direito de usufruir de uma casa. Os lucros capitalistas encontraram nesta força auxiliar um instrumento de ação direta para proteger a propriedade e o negócio imobiliário que tão bem remunera os grandes proprietários de imóveis arrendados e milhares de senhorios rentistas, que se deliciam com estes métodos fascistas.
Isto leva-nos a um aspeto fundamental: a formação de uma massa social que se radicaliza em relação à extrema-direita e às suas organizações porque são elas que protegem os seus interesses materiais; são elas que defendem com mais determinação e firmeza que os senhorios rentistas continuem a apropriar-se dos salários e dos rendimentos do trabalho para os converterem, através das rendas, em lucros suculentos.
Também aqui se verifica a relação entre o falhanço das políticas reformistas e parlamentares, que demonstram a sua impotência para garantir o direito a uma habitação digna e outros direitos sociais, abandonando-os das mãos dos interesses do mercado capitalista, e o crescimento das tendências fascistas. Uma situação que está a alimentar a propagação da demagogia fascista.
Tal como no mercado imobiliário, outros sectores, como a hotelaria e a restauração e a agricultura, são fortemente mobilizados pela direita e pela extrema-direita. O crescimento económico e as exportações enchem-lhes os bolsos, mas a base dos seus lucros provém da exploração impiedosa dos trabalhadores, especialmente dos migrantes. Precisam de uma massa de trabalhadores vulneráveis, amedrontados pelas políticas de imigração, que sejam obrigados a aceitar as condições mais precárias, e é isso que o programa político e as campanhas xenófobas, racistas e fascistas da direita e da extrema-direita garantem.

A luta contra o fascismo exige uma política revolucionária
Yolanda Díaz ou Pedro Sánchez só vêem o perigo fascista em tempo de eleições, como propaganda eleitoral e arma contra a direita. E não o vêem como uma ameaça porque confiam na "fortaleza da democracia e do Estado de Direito, das instituições democráticas como garantes das liberdades", etc.
O instinto antifascista demonstrado pela classe trabalhadora foi o que impediu o estabelecimento de um governo PP-Vox que consolidaria e aceleraria a ofensiva reacionária contra os movimentos de libertação nacional, feminista e LGBBI, o movimento dos trabalhadores e as suas organizações. Mas a esquerda parlamentar no governo é incapaz de deter a ascensão eleitoral da direita e especialmente da ultra-direita, que inclui o partido de Alvise [Ciudadanos], dando oportunidades ao PP e ao Vox para continuar avançando e poder chegar ao governo em algum momento.
Embora, neste momento, sectores decisivos da classe dominante apostem na continuidade do Executivo PSOE-Sumar, uma vez que as suas políticas garantem a paz social e os seus negócios estão em franca expansão, seria um grave erro pensar que a ofensiva da direita e da ultradireita não conta com o apoio de sectores da burguesia que — como vemos à escala internacional — sabem que, a médio e longo prazo, a manutenção dos seus lucros exige o esmagamento de direitos e conquistas sociais e um choque frontal entre as classes.
A classe dominante espanhola tem demonstrado historicamente que não tem qualquer pejo em recorrer ao fascismo. É evidente que ainda não chegámos a esse ponto. Mas descartar este perigo, como fazem alguns autodenominados marxistas, apresentando Trump, Musk, Milei ou Abascal como "populistas anti-establishment" só desarma a classe trabalhadora e facilita o avanço da extrema-direita.
O mesmo se passa com os apelos a um "cordão sanitário" com a direita supostamente "democrática" e com as ilusões de que é o Estado que os vai travar. Os reformistas não aprenderam nada com a ascensão do fascismo nos anos 1920 e 1930. A questão central é precisamente o facto de ser nestas instituições sagradas do Estado que se assiste a uma ascensão de tendências abertamente ultradireitistas e onde a reação encontra os seus principais apoiantes.

Confiar no Estado capitalista e nas suas instituições, incluindo a monarquia, para defender os direitos democráticos é uma armadilha mortal. O rei Felipe VI já demonstrou, com a sua reação brutal quando o povo da Catalunha exigiu o direito democrático à autodeterminação, que se tiver de reprimir as massas em luta, cerrando fileiras com a ultradireita judicial e militar, não hesitará em fazê-lo.
A única maneira de combater a influência decisiva da extrema-direita no aparelho de Estado, o seu avanço entre as camadas médias e a sua penetração em sectores politicamente atrasados e desmoralizados da classe trabalhadora é organizar a resposta nas ruas contra as provocações fascistas e promover a luta sindical e política com um programa combativo, anticapitalista e revolucionário que proponha a expropriação dos bancos, monopólios e grandes empresas do Ibex 35 sob o controlo da classe trabalhadora para garantir condições de vida dignas para todos. Estas são as armas com as quais derrotaremos o fascismo.
Notas:
1. NdT: campo ideológico e político derivado do fascimo associado à Falange Espanhola.
2. NdT: Manos Limpias e Hazte Oír são duas organizações de extrema-direita, conservadoras e anti-feministas. A Hazte Oír ficou conhecida pela campanha do “autocarro transfóbico” em 2017. Para saberes mais sobre a luta das feministas revolucionárias espanholas contra estas reaccionárias consulta o site das nossas camaradas.