Nem paz social nem unidade nacional! Responder com luta à ofensiva dos patrões e da direita

A pandemia de covid-19 não fez mais do que pôr em evidência a catástrofe social incubada durante anos de cortes brutais, desemprego crónico, despejos, precariedade e empobrecimento, acelerando a crise do capitalismo no Estado espanhol e no resto do mundo.

A economia global enfrenta a pior recessão desde o crash de 1929, e os seus efeitos já se estão a fazer sentir a todos os níveis. No Estado espanhol, a situação não podia ser mais sombria. As previsões de diferentes instituições oscilam entre uma queda de 12% e 18% do PIB este ano. Na sua última análise, o FMI traça um declínio de 12,8% — o maior desde a Guerra Civil — e um aumento exponencial do défice público, que passaria de 2,8%, em 2019, para 13,9% neste ano. A dívida pública espanhola seria de 124% do PIB, quando no final de 2019 estava a 95,5%. Não escapa a ninguém que estes são dados arrepiantes e que se traduzirão num grande sofrimento para os trabalhadores e para a juventude.

As estimativas mais optimistas apontam para uma subida do desemprego de 14%, no início da pandemia, a 20 ou 25% até ao final deste ano. Outras afirmam que se ultrapassará os 30% no princípio de 2021. A Intermón Oxfam estima que, no melhor dos casos, 700.000 pessoas passarão a engrossar as fileiras da pobreza, que poderá afectar 26% da população no final de 2020. Enquanto esta realidade se apresenta como inevitável, as 23 maiores fortunas do Estado espanhol aumentaram a sua riqueza em 19.200 milhões de euros entre 18 de Março e 4 de Junho — ou seja, um aumento de 16%, e de seis vezes o orçamento que o governo destinou ao Rendimento Mínimo Vital. É cada vez mais óbvio que não estamos todos no mesmo barco.

Quem beneficia da unidade com o patronato e a direita?

Entre camadas de activistas e militantes de esquerda está a produzir-se um debate que a cada dia se tornará mais intenso com base nestes dados e nas jogadas do Governo nas últimas semanas, de modo a conseguir o apoio do Ciudadanos (Cs) e do PP para os designados pactos de reconstrução. Será verdade, como afirma o PSOE e os dirigentes do Unidas Podemos, que a gestão desta crise está a ser qualitativamente distinta da de 2008? Estará a produzir-se uma verdadeira saída social da crise? Estarão a enfrentar-se as pressões da CEOE [a Confederación Española de Organizaciones Empresariales, grande organização do patronato no Estado espanhol] e dos grandes poderes económicos a fim de impulsionar uma política em benefício das famílias trabalhadoras?

Os factos, como deixaremos claro, expõem a falsidade do discurso oficial do governo e desmentem muitos dos axiomas da sua propaganda. e isto não é, de maneira alguma, algo para se celebrar. Qualquer um pode ver a ofensiva da direita nestes meses, e o pesadelo que significaria o seu regresso a La Moncloa. Por estas razões, rejeitamos qualquer exercício arbitrário e gratuito de sectarismo, mas distanciamo-nos igualmente do seguidismo que se nega a uma reflexão profunda sobre os acontecimentos actuais e as suas consequências políticas. Se queremos construir uma esquerda à altura das circunstâncias históricas que vivemos, o pior que podemos fazer é negar a realidade e agarrar um discurso que justifica tudo e que equipara a crítica séria e legítima, feita de um ponto de vista de classe, a uma “provocação” que supostamente “faz o jogo da direita”. Já tivemos bastante disso sob felipismo.

Não é por acaso que a viragem cada vez mais acentuada do governo na sua procura por pactos com a direita coincide com a Cimeira da CEOE, encerrada por Filipe VI. A reunião, na qual participaram os representantes dos grandes monopólios do Ibex-35 e da banca, mandou mensagens muito claras. Em primeiro lugar, a necessidade de um “máximo consenso político” para sair da crise, e de uma forte pressão sobre o PP para que este abandone a sua oposição impiedosa face ao governo e reme na direção que o grande capital dita neste momento. E o que é que a oligarquia empresarial e financeira exige ao PSOE e ao UP?

Em primeiro lugar, manter intactas todas as contrarreformas estruturais adotadas pelo PP durante a crise anterior, e especialmente a reforma laboral; nem subida de impostos, nem novos impostos; assegurar que continue a injecção de dinheiro público nas grandes empresas; flexibilização do lay-off e do mercado laboral, garantindo a precariedade em massa, a dissolução dos contratos colectivos de trabalho, a mobilidade funcional ou geográfica e a distribuição irregular do horário de trabalho; e potenciar a “parceria público-privada” na “saúde, educação e infraestruturas”. Como sempre, trata-se de garantir lucros às empresas — que em 2018 registaram o recorde de mais de 500.000 milhões de euros — à custa de um aumento da pobreza, da sobre-exploração da classe trabalhadora e das privatizações dos serviços públicos essenciais.

O presidente da CEOE, Antonio Garamendi, num acto extremo de cinismo, afirmou que “as crises não se financiam com impostos porque não há capacidade económica para tributar, financiam-se com dívida”. Os campeões da austeridade e do equilíbrio orçamental — e também da fraude fiscal — exigem que o Estado se endivide, como já ocorreu na crise anterior, de modo a preservar e aumentar os seus dividendos. Pois claro! A factura desta dívida não será paga por eles, mas pela classe trabalhadora sob a forma de cortes sociais, queda dos salários e deterioração das condições laborais.

O Governo PSOE-UP pode dissimular, contudo, é impossível esconder que reagiu muito favoravelmente a estas exigências. Em Abril aprovou um plano de resgate às grandes empresas e à banca ainda maior que em 2008: 100.000 milhões postos à sua disposição com o aval do Estado. Uma quantia insuficiente para Ana Patricia Botín, que se queixava de que “enquanto a linha de crédito através do ICO [o Instituto de Crédito Oficial, banco público] equivale a 10% do PIB, o programa equivalente da Alemanha chega a 30% do PIB alemão”. Botín é coerente quando raciocina desta maneira. Por que não pedir mais? Neste exemplo, observa-se uma lei importante da luta de classes: a debilidade sempre convida a agressão. E este governo mostra-se fraco e submisso ao grande poder económico porque uma das suas componentes essenciais, o PSOE, trabalhou sempre pelos interesses desse poder.

O Estado capitalista não é neutro, é um instrumento fundamental com vista a proteger os negócios da burguesia. As medidas de fundo que se estão a adoptar agora não diferem, na sua essência, das que se tomaram no auge da Grande Recessão de 2008, por muito que se tente fazer crer o contrário. Agora toca ao Estado volte a pagar, ou fazer o que acaba por ser o mesmo, que é socializar os prejuízos das empresas. Porém, como sublinhou a CEOE, será necessário voltar “a uma trajectória de estabilidade a médio e longo prazo”, ou seja, às políticas de austeridade. É evidente que alguém terá de pagar esta avultada factura. O Banco de Espanha e a Autoridade Independente de Responsabilidade Fiscal (AIReF) já estão a defender um corte de 60.000 milhões na despesa pública durante os próximos 10 anos (6.000 milhões por ano), acompanhado por novas “reformas estruturais” como a do sistema de pensões — para diminuí-las e aumentar a idade da reforma — ou aumentar os impostos como o IVA reduzido e super-reduzido que afecta os produtos básicos e que pagamos nós, trabalhadores.

A crise expôs o funcionamento perverso — mas muito lucrativo para uma minoria — do sistema capitalista e das políticas de austeridade, políticas de cortes brutais que deixaram num estado ruinoso a nossa saúde pública, e cujas consequências são claras: metade das mortes pela pandemia (mais de 28.000) são fruto directo do colapso do sistema de saúde, devido à falta de pessoal, camas e recursos (UCI, EPI, máscaras, exames PCR...). Políticas estas que ao converterem os serviços sociais num negócio — por exemplo, os lares de idosos —, provocaram em territórios como Madrid o falecimento de quase 20% dos utentes, um genocídio pelo qual os responsáveis do PP não pagaram e que tampouco conduziu a alguma intervenção do governo central para pôr fim a esta indecência criminosa. O facto é que os planos de privatização e cortes continuam em marcha nesta mesma Comunidade, encorajados pelo PP e Cs, sem que a esquerda parlamentar peça a demissão de Ayuso [presidente da Comunidade de Madrid, do PP]. E são com estes atores políticos que o PSOE e o UP pretendem chegar a um grande acordo pela saúde e pela reconstrução.

Quem manda no governo?

Outro facto irrefutável, e que demonstra os interesses que orientam as decisões de fundo do governo de coligação, é o papel desempenhado pela ministra da Economia, Nadia Calviño. Esta representante direta do Ibex-35 já demonstrou qual é a sua função no Conselho de Ministros quando deu um murro na mesa e invalidou fulminantemente o acordo com EH Bildu para derrogar integralmente a reforma laboral. Um golpe que desferiu publicamente, numa reunião com grandes empresários, ridicularizando e apequenando Pablo Iglesias e os ministros do UP.

Nadia Calviño não está nesta posição por acaso. Ela é a garantia, para a burguesia espanhola e europeia, de que as regras do sistema são cumpridas. E o problema é que os ministros do Unidas Podemos, que chegaram a este governo com o argumento de que a sua presença empurraria o PSOE para a esquerda, estão a mostrar ao longo do tempo que é exactamente o contrário. O que realmente se está a passar é que Pablo Iglesias e Garzón — em troca de alguns recursos que em nada mudam a orientação de fundo mas que são apresentados como um “Escudo social” [contra a crise] — aceitam as políticas direitistas que o PSOE de Sánchez lhes impõem. A desistência vergonhosa do imposto sobre as grandes fortunas no projecto de reconstrução apresentado ao parlamento é mais um exemplo disto.

Mas o mais lamentável, e utilizamos conscientemente este adjectivo para não ter de recorrer a outros, foi a atitude do UP face à candidatura de Calviño para presidir ao Eurogrupo. A notícia foi celebrada e apoiada não só pela CEOE, pelo Ciudadanos e pelo PP; nem mesmo o Vox se poupou a expressar apoio. Calviño também recebeu os parabéns entusiasmados da maior banqueira do país, Ana Patricia Botín, e de muitos outros grandes empresários espanhóis, e inclusive o apoio de Angela Merkel. Por isto mesmo é surpreendente que um ministro que se proclama comunista, como Alberto Garzón, reproduza estes argumentos e parabenizações, declarando que isto permitirá transformar as políticas europeias e “reduzir as contradições entre o centro e a periferia”. Como é que se explica esta coincidência de opiniões entre Garzón, o patronato, a direita e até a extrema-direita?

A nomeação de Nadia Calviño, além de não mudar a política da União Europeia, ainda garantirá que o grande capital tem um pé mais firme no governo PSOE-UP. Considerar que a austeridade e os cortes são um problema de [contradição entre] “centro e periferia” é uma falácia completa. Na verdade, as burguesias do sul da Europa e os seus governos defenderam e aplicaram afincadamente as mesmas políticas. A própria CEOE esteve na vanguarda da exigência de cortes e contrarreformas, aliando-se sem nuances à troika. O problema, como Garzón bem sabe, é a luta de classes.

Porém, não nos encontramos perante um acontecimento isolado. O sucedido com a comissão parlamentar de inquérito feita a Juan Carlos I sobre a sua corrupção — em que o PSOE somou os seus votos aos do PP, Cs e Vox tentando impedir a sua criação —, é mais do mesmo. Assim como o completo desastre que constituiu a recusa inicial do portavoz Pablo Echenique em apoiar a comissão de investigação sobre a implicação de Felipe González no terrorismo de Estado (GAL), para mais tarde rectificar essa posição, obrigado pelas pressões da sua própria organização no País Basco, e tentar justificar tal mudança acusando a izquierda abertzale de eleitoralismo.

Os dirigentes do UP continuam a aprofundar a sua renúncia a um programa que lhes deu credibilidade e o apoio das massas — o da luta contra o regime de 78 — em prol de suportar o PSOE e uma política de colaboração de classes com a burguesia que, se for mantida, conduzirá a um desastre total. E não se venha dizer que esta é a forma de impedir que a direita chegue ao governo, porque o resultado de abdicar da mobilização social e da luta de classes é também a perda de influência eleitoral a favor da social-democracia tradicional. Isto é algo que já se comprovou nas eleições bascas e galegas, com uma queda do voto no Unidas Podemos.

Quem faz uso de quem? O Unidas Podemos tem de corrigir-se urgentemente

O anúncio e a insistência nos designados Pactos de Reconstrução Social e Económica, apontam nessa mesma direcção. A ambiguidade do documento do governo aprovado na Comissão de Reconstrução serve, como reconheceram na La Moncloa, para obter o apoio dos partidos de Inés Arrimadas (Cs) e de Pablo Casado (PP). Além disso, é a maneira de garantir que os fundos europeus chegam aos verdadeiros destinatários: as grandes empresas e a banca, blindando a política de cortes e contrarreformas que a UE capitalista exige aos seus Estados-membro. O PSOE não hesitou nunca em aceitar estas exigências, mas o UP, quando encena divergências enquanto, na prática, renuncia ao seu programa, não faz menos do que atirar-se a um precipício.

A aproximação do governo ao Ciudadanos, tanto por parte do PSOE como de dirigentes destacados do UP — disponíveis agora para negociar os orçamentos com essa força política —, assim como a reviravolta que se está a operar no PP — que votou a favor do decreto governamental da “nova normalidade” —, mostram ainda mais claramente a estratégia do grande capital. Como ocorreu com os Pactos da Moncloa em 1977, trata-se de garantir uma saída capitalista da crise, mantendo a paz social e a classe trabalhadora de mãos e pés atados num momento de catástrofe económica e de despedimentos em massa. Para alcançar este resultado, há que comprometer completamente os dirigentes reformistas da esquerda parlamentar e dos sindicatos. Este é o segredo do que está a acontecer.

Assim, numa entrevista publicada no sábado 13 de junho, no jornal El Mundo, perguntavam a Alberto Garzón: “Aquilo que disse de que são as empresas e não o governo quem muda o modelo de produção não soa muito comunista. Terá mudado de opinião desde que é ministro?”. Garzón respondeu assim: “Quando falo com as empresas tecnológicas e grandes empresas vejo níveis de acordo muito superiores aos que vejo no parlamento”. Não se pode estar mais afastado do marxismo e de uma política independente de classe. É realmente assombroso.

A classe capitalista demonstrou sempre uma grande flexibilidade e pragmatismo, colaborando com governos de diferentes composições sempre que estes assegurassem, no essencial, o seu interesse. Há que entender que o nível de acordo com a CEOE e o Ibex-35 não é fruto da habilidade dos ministros do PSOE e do UP para convencê-los, ou de os grandes empresários terem subitamente adquirido consciência social, é antes fruto das constantes cedências do governo às exigências dos capitalistas.

E se estas já eram suficientemente importantes para satisfazer as expectativas dos poderes económicos, as pressões das últimas semanas tiveram efeitos imediatos, como ficou plasmado tanto nas propostas do governo como nos seus silêncios gritantes para chegar a este Pacto de Reconstrução:

1) Abandonou-se a derrogação integral da reforma laboral. Assim o confirmavam As Kellys [a associação de camareiras], após uma reunião com as ministras da Igualdade, Irene Montero, e do Trabalho, Yolanda Díaz: “Nessa reunião ficaram muitas coisas no ar. Dizem-nos que é muito complicado derrogar a reforma laboral, mexer no artigo 42.1 do Estatuto dos Trabalhadores, no entanto, sabes o que é complicado? Não poder pagar a renda, não poder nem pagar passes de transporte, fazer 400 quartos num mês, não descontar todas as horas que trabalhas. Isso, é que é complicado.” (elplural.com, 18/06/2020). Esse artigo 42.1 legaliza a subcontratação, as condições laborais degradantes resultantes do processo de precarização vivido durante a última década. O documento do PSOE-UP aprovado na Comissão de Reconstrução nem sequer menciona a reforma laboral.

2) A política generalizada do lay-off, acordada com o patronato, CCOO e UGT, converteu-se numa ferramenta de reconversão laboral nas mãos das empresas. O Estado assume os salários e as contribuições, as e os trabalhadores vêem os seus salários reduzidos até 30% e as grandes empresas não dão um tostão dos lucros multimilionários acumulados durante anos. Esta política, prorrogada até Setembro, ameaça perpetuar-se em sintonia com o que reclama o patronato: “...a concertação social estudará um contexto adequado de regulação e co-financiamento para que o lay-off seja um instrumento de flexibilidade interna das empresas (...) analisar-se-á igualmente que as empresas que possam recuperar parcialmente a sua actividade procedam à incorporação de pessoas trabalhadoras, afectadas pelo lay-off, privilegiando os ajustes em termos de redução do horário de trabalho…” (citação do documento da Comissão de Reconstrução do PSOE-UP).

3) Impulsionou-se o Rendimento Mínimo Vital com um orçamento de 3.000 milhões de euros anuais, o que contrasta já não apenas com as ajudas ao sector financeiro e empresarial (100.000 milhões), senão também com as ajudas aprovadas para a indústria automóvel, que atingem quase 3.750 milhões de euros, ou com as do sector turístico, de 4.262 milhões de euros. Ao mesmo tempo, abandonou-se a proposta de um imposto sobre grandes fortunas e sobre a banca, de acordo com as exigências de Ana Botín (Santander), Carlos Torres (BBVA), Jordi Gual (CaixaBank) e José Ignacio Goirigolzarri (Bankia) na cimeira da CEOE.

4) Na saúde, o governo aprovou uma verba de 9.000 milhões de euros para compensar a crise sanitária. A dita verba terá que lidar com grande parte dos gastos já efectuados, incluindo pagamentos à saúde privada para que esta continue a engordar o seu negócio, ficando a gestão nas mãos das Comunidades Autónomas. Não se estabelecem critérios que priorizem a defesa da saúde pública nem que impeçam a utilização destes recursos para fazer negócios em benefício dos privados. De facto, na Comunidade de Madrid já se estão a propor novas privatizações e parcerias.

O documento do PSOE-UP omite qualquer menção de recuperação dos serviços privatizados ou de derrogação da Lei 15/1997 que abriu a saúde pública às multinacionais do sector. E, claramente, carece de valores concretos quanto a contratações de pessoal da saúde, melhorias nas suas condições laborais e investimentos concretos em recursos. Por outro lado, depois de reconhecer que apenas 29% dos lares de idosos são públicos, e que destes apenas 25% têm gestão directa, omite qualquer referência à necessidade de recuperar este sector como um serviço 100% público.

5) Podemos dizer o mesmo sobre a educação. Nenhuma menção a um plano de resgate do ensino público para garantir a gratuidade do ensino desde a creche à universidade para as famílias trabalhadoras, nem a contratação de milhares de docentes para o arranque do próximo ano lectivo em condições necessárias de segurança e qualidade. Tampouco há referência alguma à supressão das parcerias na educação e do financiamento das escolas privadas. O que sim é mencionado é que os fracos 2.000 milhões extra que foram libertados para as Comunidades Autónomas, tal como no sector da saúde, poderão ser compartidos entre o público e o privado, tal como reconheceu o governo.

6) A respeito da habitação, a própria PAH foi muito crítica em relação a Pablo Iglesias e ao governo, colocando a necessidade de que a moratória se aplique a todos os casos em que não exista alternativa habitacional. A organização explica que com a retoma dos prazos processuais está a voltar a haver despejos, deixando muitas famílias fora das medidas do governo, por ser muito restrita a definição de vulnerabilidade que permite beneficiar das mesmas. A isto soma-se o facto de os apoios ao arrendamento ou ao pagamento de hipotecas implicarem empréstimos do Estado que têm de ser pagos pelos inquilinos ou proprietários de uma habitação, assegurando o negócio da banca e dos especuladores. Não há nenhum plano específico para estabelecer o acesso à habitação social, com rendas sociais acessíveis, nem de contenção da especulação imobiliária.

7) Quanto às pensões, o documento insiste na retórica de “sustentabilidade” e “suficiência” do sistema público, termos sempre utilizados para justificar ajustes. O próprio ministro da Segurança Social já salientou a necessidade de aumentar a idade da reforma e o tempo de contribuição para ter direito a reforma, restringindo as reformas antecipadas, o que implicaria mais cortes para os futuros pensionistas.

8) E no terreno dos direitos democráticos mantém-se na íntegra a Lei da Mordaça do PP, um atentado brutal contra o direito à manifestação, à organização e de expressão, que foi aprovada com o único objectivo de castigar os trabalhadores e organizações que lutam, os movimentos sociais e a juventude. A derrogação dessa lei era uma das reivindicações mais sentidas pela base social da esquerda, e é vergonhoso que todo esse arsenal repressivo, feito à medida dos sectores mais reacionários da sociedade e do aparato de Estado, continue intacto com um governo que se comprometeu a pôr-lhe um fim. Não só não puseram fim a essa lei como a utilizam agora como nunca: em menos de dois meses, desde a entrada em vigor do estado de emergência e até 1 de Junho, as forças de segurança bateram todos os recordes com a imposição de 1.089.917 multas, mais 42% que entre 2015 e 2018.

Estamos perante as mesmas receitas de sempre. O documento do governo PSOE-UP aprovado na Comissão de Reconstrução está repleto de abstracções, generalizações e lapsos gravíssimos com o objectivo de ganhar o apoio da direita. No entanto, a que preço se obtém a aprovação da direita e do patronato? A experiência é muito clara a este respeito: o governo de Tsipras, na Grécia, rendeu-se a todas as pressões da troika e da burguesia grega e europeia, aplicando as suas fórmulas de cortes e austeridade. Fez o trabalho sujo e, finalmente, perdeu as eleições para a direita. Se o governo de coligação não dá um giro de 180 graus na sua política, é isto que se pode repetir no Estado espanhol.

Para enfrentar a catástrofe social, precisamos de uma alternativa de classe e revolucionária

A derrota da direita nas duas últimas eleições e a formação do governo de coligação PSOE-UP foi um golpe para a classe dominante, que procurava um governo estável e “responsável” sem a presença do Unidas Podemos. Após impor-se de facto uma solução que não era do agrado dos capitalistas, e que também reflectia uma correlação de forças favorável para romper com a lógica do sistema com a disposição de milhões para manter a mobilização nas ruas, a burguesia está a activar todos os seus recursos e meios para que tudo permaneça igual. E conta com a direção do PSOE como um forte aliado para alcançar os seus objectivos estratégicos.

A pandemia acelerou a crise capitalista e os planos para levar adiante contrarreformas estruturais, mais cortes e novas políticas de austeridade contra a classe trabalhadora. Pensar, como acreditam alguns, que a saída desta crise será diferente porque os empresários supostamente adquiriram consciência desta situação dramática é uma utopia reacionária. Dá-se precisamente o contrário! Aproveitando o colapso económico que a pandemia acelerou, a plutocracia financeira e os governos a seu serviço aproveitaram para esmagar ainda mais a classe trabalhadora. Assim foi na crise de 2007/08, ainda que vários líderes mundiais e inclusive alguns oligarcas falassem da necessidade de um sistema mais responsável e ético. O resultado final foi e é mais desigualdade social e pobreza, mais exploração e opressão, mais guerras e um capitalismo mais selvagem e predatório.

A única coisa que pode travar esta dinâmica é a luta de classes, a organização e a mobilização massiva e consciente da classe trabalhadora e da juventude. Essa deveria ser a meta do Unidas Podemos, e não a mera gestão de um sistema com uma lógica que os obriga a ceder cada vez mais nas suas posições e nos seus objectivos.

Precisamos de nos preparar para o colossal choque que se aproxima. O capitalismo, nesta sua época de decadência senil, mostra a sua verdadeira cara. A degradação do meio-ambiente, que muito teve a ver com esta pandemia, também deixou claro que caminhamos em direcção a um precipício que ameaça a humanidade no seu conjunto. Considerar que não é o momento, que não há força ou que, em última instância, há que convencer os nossos opressores a juntar-se à mudança não é só utópico, é inútil e é estúpido. O que precisamos é de levantar uma alternativa para a transformação socialista da sociedade que enfrente os responsáveis desta catástrofe. E por isso mesmo torna-se urgente construir uma organização revolucionária disposta a assumir esta tarefa até às últimas consequências.

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