Há solução: expropriar as casas dos bancos e dos fundos abutres para criar um milhão de habitações públicas com rendas sociais!

Na quinta-feira, 27 de Abril, o Parlamento do Estado Espanhol aprovou a nova Lei da Habitação proposta pelo PSOE e UP, com o apoio de Bildu e ERC. Desde então, o governo não tem poupado saliva para defender esta lei como um acontecimento histórico

Assim assinalava Ione Belarra, assegurando que “hoje ganha a cidadania e perde Blackstone, perdem os fundos abutres, perde a banca e perdem os especuladores que durante anos têm jogado com a vida de muita gente”.

No entanto, estas declarações triunfantes não correspondem à realidade. Como a própria PAH (Plataforma de Afectados por la Hipoteca) apontou: “a habitação vai continuar a funcionar como uma mercadoria sujeita a especulação” tendo-se imposto “as pressões… de fundos de investimento e as patronais imobiliárias”, com “uma lei que não oferece uma alternativa aos despejos, nem garante rendas acessíveis, nem garante a proteção de um teto para pessoas sem abrigo, e cujas medidas mais notáveis consistem em vantagens fiscais para os proprietários e uma regulamentação de rendas repleta de falhas, que dificilmente terá o efeito de baixar de forma eficaz os seus preços.”

Os preços das casas são cada vez mais exorbitantes, tornando a habitação inacessível não só à juventude, mas também a inúmeras famílias trabalhadoras. Com um salário único, arrendar uma casa é cada vez mais insustentável e os preços dos quartos não param de subir, especialmente em grandes cidades como Madrid e Barcelona, com cada vez mais pressão da especulação desenfreada pelo alojamento turístico.

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A PAH indicou que a habitação continuará a funcionar como uma mercadoria especulativa; as pressões dos fundos de investimento e das patronais imobiliárias foram impostas.

Numa cidade como Madrid, em bairros operários como Carabanchel, os preços dos quartos superam frequentemente os 400 e os 500 euros, com salários que mal ultrapassam os 1000, e num contexto de inflação que desvalorizou os salários a um nível sem precedentes.

Nesta situação, as medidas da Lei da Habitação em relação às rendas, não só não vão garantir rendas acessíveis, como também não vão travar a subida dos preços. Sobre os atuais preços absolutamente inflacionados, a nova lei vai continuar a permitir subidas de 2 e 3% vinculadas com a inflação até 2024, mas a partir de 2025, até estas leves limitações irão desaparecer. Mas, além disso, estas limitações não garantem que não ocorram aumentos superiores, de até 10%, justificados pela realização de reformas vagamente definidas, ou porque o proprietário repassa o IBI (equivalente ao nosso IMI) aos inquilinos.

Se esta “regulação” de preços já é em si uma piada, ela nem sequer estabelece um regime de penalidades. Além disso, o arrendamento temporário de casas e apartamentos turísticos, que se está a tornar o grande causador da escalada de preços, não é limitado. Por isso, o Sindicato dos Inquilinos denuncia que a regulamentação das rendas "é uma farsa".

Por outro lado, a fixação de um limite dos preços das rendas não se baseia nas capacidades económicas dos inquilinos, mas está condicionada à declaração de zonas de tensão nas cidades e aldeias. Mas a declaração destas zonas depende dos governos das comunidades autónomas, de maneira a que só se pode esperar que nas comunidades governadas pelo PP não se declare uma única zona de tensão, como já disse publicamente Isabel Díaz Ayuso, e portanto nem sequer se aplicará o ridículo sistema de contenção de rendas previsto na lei. Feita a lei, feita a manha!

Com este estratagema, o PSOE, completamente fundido com a burguesia financeira, praticamente transforma este ponto da lei em algo inútil. Além disso, ao aceitar essas modificações, Podemos, EH Bildu e ERC abandonam à própria sorte os inquilinos que vivem em comunidades controladas pelo PP-VOX.

Em relação aos despejos, mais de 79.000 em 2021 e 2022 e mais de 50.000 pendentes, esta lei também não os proíbe. Apenas obriga os proprietários a submeterem-se a mediações cuja resolução não é obrigatória. Com este procedimento, só se consegue moratórias mais longas no processo de insolvência, de até dois anos, prolongando a agonia dos inquilinos despejados. Por outro lado, nenhuma medida foi tomada em relação aos milhares de famílias hipotecadas, que não param de ver como as suas prestações aumentam a cada mês, como resultado do aumento das taxas, enquanto os bancos obtêm lucros recordes sem precedentes.

Sánchez aumenta a aposta prometendo habitação de mão dada com os fundos abutres

Por outro lado, o PSOE anunciou a sua intenção de arranjar milhares de casas a um preço "acessível", entre elas cerca de 50.000 procedentes de Sareb1. Trata-se de todo o conjunto habitacional que o Estado absorveu em 2012 ao resgatar grandes bancos falidos, sendo o principal deles o Bankia.

O objetivo desse resgate era reanimar o sistema financeiro à custa da pilhagem dos cofres públicos: socializar as perdas e privatizar os lucros. Por isso, em vez de usar toda aquela habitação para criar habitação pública a preço regulamentado, o que se fez foi disponibilizá-la a fundos abutres. Neste momento, uma grande parte dos milhares de casas que o Sareb ainda tem foram colocadas nas mãos das empresas Blackstone, KKR e Lone Star para que possam administrá-las para o seu benefício.

À medida que estes fundos têm adquirido habitações, assistimos a um espetacular processo de subida dos preços das compras e arrendamentos. E milhares de pessoas expulsas das suas casas, ou a cair sobre elas a espada de Dâmocles do despejo, fruto da gestão capitalista dessas casas.

Uma parte  das casas do Sareb não interessam a estes fundos abutres, seja porque estão inacabadas e, portanto, inabitáveis, seja porque estão localizadas em áreas rurais onde há pouca procura por habitação. Estas são as casas que Pedro Sánchez oferece agora com tanta alegria, em vésperas das eleições municipais e regionais.

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Uma grande parte dos milhares de casas que o Sareb ainda possui foram postas nas mãos das empresas Blackstone, KKR e Lone Star para que possam administrá-las para o seu benefício.

Mas que ninguém fique à espera que o fabuloso negócio dos fundos abutres acabe com a entrada em vigor da Lei da Habitação. Pelo contrário. Todas as propriedades do Sareb, incluindo aquelas que se transformarão na prometida habitação pública acessível, continuam disponíveis para os fundos abutres, disponíveis para serem vendidas a qualquer indivíduo. A única coisa que a Lei estabelece é que podem ser adquiridas de forma preferente pelas administrações que o requeiram, e o governo nem sequer descarta que os fundos abutres possam gerir as “rendas sociais”.

Resumindo, a gigantesca transferência de riqueza dos bolsos da classe trabalhadora para as contas da oligarquia financeira ocorrida na consequência da crise de 2008 continuará a aprofundar-se. Os fundos abutres vão agora continuar a aproveitar-se da sua suposta dedicação à renda social! A indignação que sentimos não pode ser maior! Não é disto que precisamos! 

O que é realmente necessário para conter o custo astronómico das rendas é disponibilizar toda a habitação estatal aos trabalhadores a preços acessíveis, uma meta muito distante das reivindicações do governo. Mas enquanto isso depender da mediação de grandes construtoras, bancos e fundos de investimento, esse plano só pode acabar em preços exorbitantes, despejos e pesadelo.

Sempre que necessário, as habitações públicas devem ser construídas por uma empresa de construção pública, que garanta condições dignas de trabalho e preços que não ultrapassem 10% do nosso rendimento, bem como os suprimentos. Da mesma forma, para nos livrarmos da especulação imobiliária, os órgãos públicos devem ser os que gerem o arrendamento social da habitação, garantindo sempre um processo transparente, participativo e controlado pelos usuários dessa habitação pública. Essa é a política que precisamos!

É possível resolver o problema da habitação, mas apenas expropriando os bancos, os fundos abutres e os grandes proprietários!

Juntamente com as declarações anteriores, na apresentação da lei, Ione Belarra disse que esta tem sido a negociação mais difícil de toda a legislatura. Durante três anos de negociações, o PSOE resistiu com unhas e dentes a uma lei que efetivamente limitaria os preços das rendas.

Surpreendentemente, poucos meses antes das eleições, essa lei foi aprovada. Finalmente, o PSOE conseguiu uma lei inócua para continuar a alimentar a sua máquina de propaganda.

Como é inegável que se trata de uma lei absolutamente insuficiente para garantir o direito à habitação digna, tanto Pablo Iglesias quanto os representantes de EH Bildu e ER foram obrigados a reconhecer os limites da lei, descarregando a responsabilidade na resistência do PSOE para aprovar uma lei melhor. Mesmo assim, continuam a defendê-la como uma medida quase revolucionária.

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Para reduzir as rendas, é preciso colocar toda a habitação estatal à disposição dos trabalhadores a preços acessíveis, criar uma empresa pública de construção, expropriar os bancos, fundos abutres e os grandes proprietários.

Mas outra lei era possível. Claro, não a partir do Conselho de Ministros, mas promovendo a mobilização nas ruas. Quebrar o poder dos fundos abutres, bancos e outros grandes proprietários é impossível sem apelar e promover a mobilização dos inquilinos e hipotecários, da classe trabalhadora. Só a organização consciente de inquilinos, da juventude e das famílias trabalhadoras, esmagadas pelo preço das rendas, das hipotecas e da inflação, visando prevenir activamente os despejos, impor controlos reais das rendas e ocupar e exigir a expropriação dos blocos habitacionais dos bancos e dos grandes proprietários permitirá alcançar vitórias que não virem pó assim que veem a luz do sol.


Notas:

1. NdT: O Sareb (Sociedad de Gestión de Activos Procedentes de la Reestructuración Bancaria) é uma sociedade de gestão de activos financeiros e imobiliários criada pelo governo espanhol com os activos tóxicos provenientes de várias instituições financeiras: BFA-Bankia, Catalunya Banc, NCG Banco-Banco Gallego y Banco de Valencia.

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