A libertação do povo palestiniano e a luta pelo socialismo são inseparáveis
Após quase um ano e meio de genocídio em Gaza, foi finalmente alcançado um cessar-fogo entre Israel e o Hamas. A barbárie desencadeada pelo sionismo, com o total apoio dos EUA e da UE, é absolutamente indescritível: 70.000 mortos, somando-se aos que jazem sob os escombros, e que podem chegar a 186.000 se incluirmos aqueles que morreram de fome, frio, infeções e ferimentos, de acordo com a The Lancet. 16% da população!
O horror deste holocausto completa-se com dezenas de milhares de feridos e mutilados, muitos deles crianças; 100.000 toneladas de bombas que desruíram 90% das infraestruturas e edifícios de Gaza, contaminaram massivamente terra e água; e o uso da fome como arma de guerra, seguindo o exemplo dos nazis.
Depois de uma hecatombe de tamanha magnitude, é natural que a população de Gaza respire de alivio com o cessar-fogo e celebre a libertação de centenas de prisioneiros palestinianos das terríveis prisões israelitas onde foram barbaramente torturados durante anos, e ainda mais cruelmente depois de 7 de outubro de 2023.
O povo palestiniano demonstrou e continua a demonstrar uma dignidade e uma resiliência sem paralelo. Apesar de terem reduzido o norte de Gaza a cinzas e escombros, e apesar das provocações dos sionistas para não regressarem às suas casas, centenas de milhares estão determinados a viver naquela que sempre foi a sua terra.
Mas, como explicaremos, seria um erro ser enganado e considerar que esta terrível barbárie está perto de terminar. Apesar da heroica resistência do povo palestiniano, que lutou durante décadas contra o ocupante colonialista e os seus cúmplices ocidentais, e que tem sido uma verdadeira referência para os povos oprimidos em todo o mundo, é necessário fazer uma análise séria dos importantes acontecimentos do ano passado. O pior que podemos fazer é colocar uma venda nos olhos e negar os factos.
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Vitória ou derrota?
Avançar com a ideia de que a trégua significa que Israel foi derrotado, que Netanyahu não alcançou nenhum dos seus objetivos, ou que estamos perante uma vitória do Hamas, como escreveram diferentes organizações e grupos, pode parecer muito bem, mas não corresponde à realidade, nem ajudará a luta pela libertação do povo palestiniano.
Muitas destas análises fazem lembrar outras que foram feitas em conjunturas históricas muito críticas, e que levaram essas mesmas organizações a afirmar que Margaret Thatcher tinha falhado face aos mineiros britânicos na sua greve de 1984/85, que o colapso da URSS com Gorbachev não significou o fim do Estado operário ou a restauração capitalista, ou que na África do Sul um regime capitalista nunca poderia ser estabilizado com uma burguesia negra. Este tipo de abordagem é a negação do marxismo, e conduz sempre ao mesmo desastre: confundir os avanços da contrarrevolução com a revolução ou avanços progressistas. Idealismo vulgar em vez de dialética materialista.
É certo que o Estado de Israel, racista e colonialista e que emula a Alemanha nazi ou a África do Sul do apartheid, não foi capaz agora, como não foi no passado, de exterminar o povo palestiniano ou expulsá-lo das suas fronteiras e, com a sua crueldade, não fez mais do que plantar as sementes de novas rebeliões e mais resistência.
No entanto, embora isso seja verdade e evidente, o regime sionista, de mãos dadas com o imperialismo estado-unidense, desferiu um duro golpe em Gaza e na Cisjordânia, no Líbano e na Síria, alcançando, a curto prazo, alguns dos seus objetivos estratégicos. Tanto que Trump, já como inquilino da Casa Branca, inchado de arrogância com esse avanço, se alinhou com os ministros sionistas mais supremacistas, propondo abertamente uma limpeza étnica completa e expulsando 1,5 milhões de habitantes de Gaza para o Egito e a Jordânia.
Gaza foi completamente devastada e, apesar da trégua, continuará a ser o maior campo de concentração do mundo, com a cumplicidade do imperialismo ocidental e a passividade da chamada comunidade internacional. A Cisjordânia está a viver um recrudescimento da violência sionista, tanto por parte do exército israelita como das falanges fascistas dos colonos, que semearam o terror ao avançar na anexação do território palestiniano.
O Hezbollah foi duramente atingido no Líbano, perdendo centenas de quadros de sua cadeia de comando, forçado a recuar ao norte do rio Litani em favor do exército libanês e aceitando um novo presidente para o país, o general Michel Aoun, que atuará como procônsul do imperialismo estado-unidense.
E, finalmente, a Síria de Al-Assad, suposto reduto do chamado Eixo da Resistência, desmoronou-se em dias. Agora, o controlo está nas mãos das milícias jihadistas HTS financiadas pela Turquia, por algumas das monarquias do Golfo Pérsico e pelo imperialismo estado-unidense, e as tropas israelitas ocupam o território sírio para além dos Montes Golã, depois de destruírem as suas defesas militares.
Pensar que estes factos não estão de acordo com os objetivos traçados por Telavive e pelos seus patrocinadores ocidentais durante anos é simplesmente enterrar a cabeça no chão.
É necessário compreender a interligação de todos estes acontecimentos e a magnitude das mudanças ocorridas, se quisermos retirar as lições necessárias para continuar a batalha pela libertação completa do povo palestiniano e a luta por uma Federação Socialista do Médio Oriente. A nossa tarefa não é deformar a realidade, mas olhá-la de frente para a transformar. Essa sempre foi a atitude do marxismo revolucionário.
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Uma trégua à medida de Netanyahu e do imperialismo estado-unidense
Na política raramente há coincidências. Como referimos na nossa primeira declaração após 7 de outubro, o ataque do Hamas era do pleno conhecimento do Mossad e da CIA. Uma fronteira como a de Gaza, uma das mais militarizadas do planeta, com tecnologia de ponta que deteta qualquer tipo de movimento, não poderia ser atacada sem que a inteligência israelita e estado-unidense fosse alertada previamente. O plano do Hamas estava há mais de um ano em elaboração e, como revelaram o New York Times e os meios de comunicação israelitas, era do conhecimento de Washington e Telavive. Eles sabiam e deixaram que fosse adiante, para terem a justificação política para dar uma resposta brutal e tentar redesenhar o mapa do Médio Oriente.
O imperialismo estado-unidense, depois de constantes derrotas e reveses no Iraque e no Afeganistão, confrontado com um fracasso humilhante na Ucrânia, apesar do tom arrogante de Joe Biden em relação à Rússia, precisava de agir. E fê-lo! Hoje, após 15 meses de genocídio, é evidente que havia um roteiro que foi concluído em função da situação, do progresso da ofensiva militar israelita e da falta de uma resposta enérgica do Irão, da China ou da Rússia. E é por isso que a administração democrata, com o apoio de Trump, não deixou de dar apoio incondicional ao seu aliado sionista.
A trégua assinada por Israel e pelo Hamas, que é praticamente a mesma negociada há oito meses, materializou-se agora por razões muito poderosas. Há oito meses, o conflito não se tinha alastrado ao Líbano e o Hezbollah mantinha intactas as suas capacidades operacionais e militares; há oito meses, o regime de Al-Assad continuava a manter, embora agora saibamos que muito superficialmente, o controlo da Síria. Oito meses depois, a mudança é importante para a Síria e o Líbano, e o regime dos mullahs no Irão, o principal inimigo de Israel e dos EUA na região, e um aliado estratégico do bloco liderado pela China e pela Rússia, sofreu um golpe muito sério. Estes fatos explicam, sem dúvida, por que Netanyahu, Biden e Trump decidiram fechar a trégua agora.
Trump queria um acordo antes de tomar posse como presidente. Não só para expor ainda mais Biden e os democratas, mas também por razões geoestratégicas, para continuar no caminho que ele próprio abriu com os Acordos de Abraão, e que levou ao restabelecimento das relações entre Israel e os Emirados Árabes Unidos (EAU). Agora está a tentar aprofundar este caminho mas com a Arábia Saudita, a principal monarquia petrolífera da região, para tentar recuperar a influência perdida face à poderosa penetração da China. Assim, um dos objetivos (não oficiais) para a trégua é o futuro estabelecimento de relações entre Israel e a Arábia Saudita. Embora isso possa ajudar o imperialismo estado-unidense, não resolverá facilmente os seus problemas na região, dada a poderosa relação comercial entre Riade e Pequim.
Trump e o imperialismo estado-unidense queriam essa trégua, e Netanyahu também era da mesma opinião. Após mais de um ano de massacre em Gaza, de intervenção no Líbano e incursões bem-sucedidas na Síria, também é evidente que a economia israelita está a enfrentar sérias dificuldades, com gastos públicos e um déficit que dispararam, e com inúmeras falências de empresas de sectores como o turismo, construção e agricultura devido à falta de mão de obra resultado do genocídio e restrições aos trabalhadores palestinianos.
Ao mesmo tempo, e apesar da viragem para a extrema-direita na sociedade israelita, que apoia esmagadoramente o genocídio em Gaza, as taxas de recrutamento do exército vinham a cair e a opinião pública, como várias sondagens indicavam, era extremamente favorável a uma trégua que permitisse trazer os reféns de volta. Embora a propaganda sionista tenha funcionado e a oposição interna ao massacre palestiniano tenha sido pequena, não é fácil manter uma sociedade nesta tensão indefinidamente.
Netanyahu, que demonstrou uma grande capacidade de sobrevivência política, também precisava dela. Os seus conselheiros no Governo, e também em Washington, pensam que a trégua pode significar bons resultados, no caso de haver eleições antecipadas, se ele aparecer como o arquiteto do regresso dos reféns depois de ter atingido duramente o Hamas e o Hezbollah. O facto dos seus ministros fascistas levantarem a voz e até deixarem o executivo, como fez Ben Gvir, que já indicou que continuará a dar-lhe o seu apoio parlamentar, não preocupa muito um Netanyahu que num ano de genocídio paralisou completamente a oposição, militarizou a sociedade e retoma agora com mais força a sua reforma judicial autoritária.
Dito isto, o fundamental é que, quando o imperialismo estado-unidense decidiu que estava na hora de parar, o Estado sionista não pode recusar. Uma demonstração palpável de como esta barbárie teria sido impossível, como não deixámos de assinalar, sem o total apoio militar, financeiro e diplomático dos EUA, de Biden e dos democratas, que têm as mãos manchadas de sangue palestiniano ao mesmo nível dos criminosos sionistas. E o mesmo se pode dizer da UE.
Em relação à trégua, o próprio Estado sionista, com a aprovação dos Estados Unidos, já indicou que se reserva o direito de reiniciar a agressão contra Gaza sempre que julgar apropriado. Tal como está a fazer com o cessar-fogo no Líbano.
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Quanto à segunda fase do acordo, que começaria a 2 de março, ainda precisa de ser negociada e ratificada pelo gabinete de Netanyahu, incluindo o estabelecimento de uma zona de segurança na fronteira. Uma área de contenção que Israel tem vindo a projetar com a destruição total de cidades e bairros fronteiriços para que não sejam reconstruídos, e que poderia cobrir até 30% do território de Gaza.
Ao mesmo tempo, terá que negociar a retirada das Forças de Defesa de Israel (FDI) dos corredores Filadélfia (fronteira Egipto-Gaza) e Netzarim (que divide o norte e o sul da Faixa de Gaza), neste último caso defendendo o envio de mercenários estado-unidenses. E tudo isto enquanto assistimos a uma política de terra queimada no norte de Gaza, onde as milícias fascistas de colonos querem estabelecer colonatos e não param nas suas provocações e assassinatos contra a população palestiniana que tenta regressar.
Outro facto que revela como esta trégua é feita à medida dos sionistas é a brutal intervenção na Cisjordânia por parte dos militares israelitas, que entre outros atos criminosos têm atacado o campo de refugiados de Jenin, contando também com a repugnante colaboração da Autoridade Palestiniana (AP) e das suas forças policiais na repressão dos combatentes e combatentes palestinianos. Trump, no seu indisfarçável entusiasmo pelo que vê como um triunfo para o seu principal aliado, já prometeu a Netanyahu o reconhecimento dos colonatos ilegais na Cisjordânia
A AP, os governos árabes e o negócio da reconstrução
O outro lado deste terrível genocídio, e deste cessar-fogo, é o papel dos governos árabes corruptos, tanto das monarquias do Golfo Pérsico, como a Arábia Saudita ou o Qatar, como das ditaduras egípcia e jordana. Todos eles participaram nestas negociações e estão todos de olhos postos no negócio que a limpeza e reconstrução da Faixa de Gaza lhes pode trazer, o que também encherá os bolsos dos burocratas da corrupta AP.
A abertura da passagem de Rafah e o restabelecimento da ajuda internacional e do comércio privado serão feitos sob supervisão egípcia, mas com a participação da Autoridade Palestiniana. O vice-ministro dos Assuntos Civis da Autoridade Palestiniana, Ayman Qandil, já se deslocou à zona para monitorização. Como escreve o diário israelita Haaretz: "As empresas egípcias associadas aos ou sob a alçada dos serviços secretos militares irão operar os corredores de ajuda ehumanitária e realizar as primeiras tarefas de reconstrução, incluindo a remoção de escombros de guerra, a reparação de estradas danificadas, a construção de habitações temporárias e a restauração de infraestruturas essenciais, como água e eletricidade".
Um negócio financiado pelas monarquias do Golfo Pérsico, pela UE e pelo imperialismo estado-unidense, e no qual participarão também a AP e as elites empresariais de Gaza ligadas ao Hamas. Como refere o mesmo artigo: "A empresa Sons of Sinai, propriedade do empresário beduíno Ibrahim al-Arjani, que detém uma concessão dos serviços secretos militares egípcios, foi responsável por operar e coordenar a transferência de ajuda, bem como a entrada e saída dos habitantes de Gaza antes e durante a guerra, para a passagem de Rafa. A empresa enfrentou duras críticas dos habitantes de Gaza, que foram obrigados a pagar milhares de dólares em troca de serem autorizados a viajar e deixar a Faixa de Gaza. No entanto, na sexta-feira, os chefes das grandes famílias e tribos de Gaza emitiram uma carta em defesa do empreendimento, expressando apoio a qualquer esforço egípcio para reconstruir Gaza. Eles também expressaram profundo apreço pelo papel do Egito desde o início do ataque a Gaza, incluindo a operação da empresa Sons of Sinai."
O outro ator central será o Qatar, onde grande parte da cúpula do Hamas está exilada, e que tem sido um dos principais financiadores da organização e do seu governo em Gaza. O Qatar já está a organizar uma conferência de doadores para também pilotar a reconstrução e os benefícios lucrativos que trará a uma minoria bem colocada nas posições certas.
A próxima questão a discutir e resolver será quem governará Gaza a partir de agora. Naturalmente, a AP já declarou que está pronta para reassumir o domínio civil em Gaza, onde atuará, como já faz na Cisjordânia, como polícia disciplinada ao serviço do Estado sionista e amiga do imperialismo estado-unidense e da UE. A direção corrupta da AP e a burguesia palestiniana não hesitarão em continuar a fazer negócios suculentos com os capitalistas israelitas, que necessitarão de mão de obra palestiniana barata e abundante, entre outras coisas, para a construção de colonatos ilegais. Voltará também a receber uma injeção significativa de recursos de Washington e Bruxelas, que comprarão a sua vontade política e submissão.
A atroz destruição de Gaza e o verdadeiro enfraquecimento do Hamas, que perdeu uma parte muito importante das suas milícias e da sua influência política - apesar de alguns pensarem que saiu reforçado - facilitam este processo a curto prazo, apesar do descrédito da AP por parte da população palestiniana. Foram também dados passos decisivos nesse sentido, sob o patrocínio da China, com a assinatura em Pequim, no passado mês de julho, de um acordo de unidade nacional assinado pela Fatah, pelo Hamas e por outras fações palestinianas, incluindo a FPLP. Segundo o chefe da diplomacia chinesa, Wang Yi, o pacto prevê a criação de um "governo interino de reconciliação nacional".
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Por uma alternativa internacionalista e socialista!
Alguns sectores da esquerda continuam a insistir em negar o carácter imperialista do bloco liderado pela China, ao mesmo tempo que depositam todas as esperanças de libertação palestiniana nos movimentos diplomáticos de Pequim, Moscovo ou Teerão. Em suma, a luta de classes e a política revolucionária são substituídas pela ilusão de que as potências capitalistas, confrontadas pelo imperialismo estado-unidense na batalha pela supremacia mundial, se tornarão aliadas ativas da causa.
Mas temos de ser concretos e não nos deixarmos deslumbrar com uma miragem. O regime do capitalismo de Estado que governa a China, ou o de Putin na Rússia, ou o dos mullahs em Teerão, nada têm a ver com socialismo ou comunismo. Não levam a cabo uma ação estrangeira revolucionária, nem encorajam a solidariedade internacionalista. Guiam-se pela defesa dos interesses dos seus monopólios e agem de acordo com os objetivos fixados pelas suas classes dominantes. Na verdade, apenas proferiram palavras bonitas e apresentaram moções na ONU. A China não rompeu relações comerciais ou diplomáticas com o Estado sionista, do qual é segundo maior parceiro comercial depois dos EUA1, e manteve os seus significativos investimentos nos portos de Haifa e Ashdod, além de suas extensas colaborações comerciais, especialmente no campo da tecnologia e da cibersegurança.
Como comunistas revolucionários, temos de dizer claramente que estes poderes não são a solução para a opressão do povo palestiniano, e deixaram-no claro nestes meses de genocídio. Os verdadeiros e únicos aliados da causa palestiniana são os milhões de trabalhadores e jovens que construíram um movimento de solidariedade internacionalista que abalou o mundo. [10]
O povo palestiniano, martirizado até limites insuportáveis, tem fortes tradições revolucionárias e uma impressionante capacidade de resistência. Hoje sofrem muito duramente com a barbárie do colonialismo sionista e do imperialismo estado-unidense, a cumplicidade das potências europeias "democráticas" e de toda a social-democracia com este massacre, além do completo abandono dos governos árabes corruptos e degenerados e da chamada justiça internacional.
Houve resistência e haverá resistência, e milhares de jovens palestinianos pegaram e pegarão legitimamente em armas, agora e no futuro, para enfrentar os seus opressores. Mas a luta de libertação nacional não exige apenas armas, precisa sobretudo de uma verdadeira política revolucionária que unifique os oprimidos na sua batalha para transformar radicalmente as suas condições de vida e, consequentemente, a sociedade.
A barbárie a que assistimos em Gaza não é nova. É a mesma barbárie que devastou a Europa durante a Segunda Guerra Mundial, com massacres indescritíveis em todos os países ocupados pelos nazis. É aquela que os povos da China, Coreia, Argélia ou Vietname sofreram na sua própria carne. Mas, nestes casos, a força revolucionária da classe operária e dos oprimidos, erguendo a bandeira do internacionalismo e do socialismo, e apesar de todas as distorções que o estalinismo implicou na URSS, tornou possível derrotar as forças criminosas da Alemanha nazi ou do imperialismo francês e estado-unidense.
É necessário retirar lições de tudo o que aconteceu. Apesar de terem verdadeiros combatentes nas suas fileiras, tanto o Hamas como o Hezbollah são forças lideradas por fundamentalistas reacionários, ligados a um regime corrupto e tirânico como o dos mullahs do Irão, que não hesitou em reprimir violentamente as revoltas da sua própria classe trabalhadora, das mulheres pelos seus direitos democráticos fundamentais ou minorias nacionais, como os curdos. Daí o escasso eco que as manifestações de solidariedade com a Palestina têm tido no interior do Irão, vistas com desconfiança por sectores das massas que sofrem dia após dia com a tirania capitalista de clérigos, empresários e militares.
A contenção do regime iraniano face ao genocídio sionista em Gaza é outro bom reflexo do seu teatro anti-imperialista e de como, acima de tudo, os negócios da sua elite dirigente estão acima de tudo. É evidente que a China, que se tornou um parceiro comercial decisivo para o Irão, determinou esta moderação. Mas os capitalistas iranianos e a máfia clerical temem uma guerra com Israel como a peste, conscientes de que isso causaria uma desestabilização extraordinária dada a crescente pobreza e desigualdade que a sociedade atravessa. A queda do regime de Al-Assad constituiu um sério aviso a este respeito.
A causa palestiniana tem sido um farol revolucionário no mundo árabe. Foi assim nas décadas de 50, 60, 70 e 80 do século passado, especialmente com a eclosão da Primeira Intifada. Esse poder revolucionário colocou muitos dos governos árabes da região contra a parede e a tarefa da revolução socialista na ordem do dia. No entanto, todo esse potencial para derrotar o sionismo foi desperdiçado pela liderança da OLP com os acordos de Oslo e a ideia utópica e reacionária de um Estado palestiniano capitalista que coexistiria em harmonia ao lado do Estado de Israel. Hoje, esse caminho "realista", que muitos apoiaram e apoiam da esquerda, tornou-se um beco sem saída óbvio com consequências monstruosas.
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Os terríveis acontecimentos destes meses em Gaza, na Cisjordânia, no Líbano e no Médio Oriente podem encher de confiança os imperialistas e os seus peões sionistas. Mas é impossível para eles acabar com a luta palestiniana. Pelo contrário. Com a sua criminosa intervenção, despertaram a consciência de milhões de jovens que procuram respostas radicais para esta barbárie.
Por muito que tenham arrasado Gaza, é impossível para eles evitar novas crises revolucionárias na Palestina e no Médio Oriente. Prepararmo-nos para estas, chegando às conclusões certas, é a tarefa que temos pela frente. A experiência mostra que não existem soluções intermédias. Ou o domínio do sionismo e do colonialismo, ou a revolução socialista pondo fim ao Estado de Israel — isto é, expropriando a sua burguesia — e defendendo a queda dos governos capitalistas árabes e da burguesia palestiniana, ligados por milhares de negócios ao sionismo e ao imperialismo ocidental.
Esta é a chave para acabar com a opressão nacional, de classe e de género, e construir uma Federação Socialista do Oriente Médio onde todos os povos possam viver em paz, igualdade e liberdade da barbárie imperialista.
Notas:
1. Em 2024, as importações israelitas da China atingiram 13,53 mil milhões de dólares, 19,8% a mais do que em 2023, tornando-se a principal fonte de importações de Israel pelo quinto ano consecutivo. China remains Israel’s top source of imports in 2024