Desde há mais de um ano que se sucedem as greves nos transportes. As reivindicações são claras: melhores condições de trabalho, melhores salários e mais investimento por parte das empresas públicas. Estas exigências não são novas, mas a sua urgência aumentou. O custo de vida está insuportável para a grande maioria dos trabalhadores e o desinvestimento crónico nos transportes coletivos tornou as viagens diárias caóticas, em particular na Área Metropolitana de Lisboa (AML).

Os trabalhadores sofrem com a degradação dos transportes

Para alguém que viva na periferia da AML chegar ao seu local de trabalho ou de estudo tem sido uma autêntica odisseia. Os atrasos são constantes. As supressões de carreiras, barcos e comboios, quer seja por falta de pessoal quer seja por avaria, também. E a sobrelotação é o estado habitual dos transportes, mesmo fora da hora de ponta, colocando inclusivamente em causa a segurança dos utentes.

Além disso, aos fins-de-semana e feriados ou nas regiões do interior do país, o serviço de transporte público é praticamente inexistente. Quem não tem carro está condenado a ficar em casa! É esta a lógica do capitalismo: só existe o direito à mobilidade se o mesmo der lucro aos capitalistas.

A criação da Carris Metropolitana que prometia revolucionar o transporte rodoviário na AML foi um autêntico fiasco com falta de motoristas, carreiras que pura e simplesmente desapareceram sem qualquer alternativa, redução do número de lugares sentados e atrasos de várias horas com os utentes a serem obrigados a ir de táxi ou uber, pagando do próprio bolso. Desde que o serviço entrou em vigor, em junho de 2022, registaram-se 1288 queixas — perto de 4 queixas a cada dia!

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Os atrasos e as supressões são constantes. E a sobrelotação é o estado habitual dos transportes, mesmo fora da hora de ponta, colocando em causa a segurança.

Também as obras do Metro de Lisboa estão a criar o caos na zona do Campo Grande, uma empreitada que deveria estar concluída no início de julho, a tempo do pico de turismo no verão e das Jornadas Mundiais da Juventude. Os trabalhadores e estudantes que necessitam dos transportes que se aguentem! E que se aguentem igualmente muitas crianças que este verão, devido ao mega-evento da Igreja Católica, não vão ter autocarros para as atividades durante as férias escolares.

Ao abrigo quer do PRR quer de investimento estatal estão prometidos e têm sido feitos alguns investimentos recentemente: expansão das linhas de metropolitano de Porto e Lisboa, aquisição de novas frotas ou a recuperação de carruagens de comboios e a sua manutenção. Estes investimentos são bem-vindos mas é preciso explicar que surgem apenas e só porque o sistema de transportes se encontra à beira do colapso e não porque os governos se preocupem com as necessidades e o bem-estar dos utentes.

Um exemplo flagrante são os passes mensais: com salários de miséria, preços da habitação a empurrar a maioria da classe trabalhadora para cada vez mais longe dos centros das cidades e uma rede de transportes coletivos inadequada o governo viu-se obrigado a baixar o preço dos passes — pagando com os nossos impostos a diferença às empresas de transporte — para que os patrões conseguissem trazer a mão-de-obra até aos locais de trabalho.

Os trabalhadores dos transportes também são obviamente afetados pela degradação das infraestruturas e das condições de trabalho. Por isso mesmo, têm sido um dos setores mais fortemente em luta.

Os acordos alcançados pela burocracia sindical são uma vergonha! É preciso ir mais longe!

No verão passado houve greve na Transtejo e Soflusa e greve parcial nos STCP que durou até outubro. Na CP e nas Infraestruturas de Portugal — empresa pública de manutenção rodoviária e ferroviária —, foram convocadas várias greves desde o início do ano com principal destaque para a greve dos maquinistas da CP. Também no Metro de Lisboa se ameaçou a greve que acabou por ser desconvocada.

Nos últimos meses, há que assinalar também a greve por tempo indeterminado que os trabalhadores dos bares dos comboios da CP protagonizaram até conseguirem a renovação do contrato de concessão do serviço, garantindo os postos de trabalho e o pagamento dos salários em atraso. Estiveram acampados várias semanas em frente à estação de Sta Apolónia e através da sua persistência e união conseguiram esta pequena vitória, continuando no entanto em regime de outsourcing para a CP.

Com uma inflação na alimentação de 20% e um aumento da procura na maioria dos operadores, os acordos alcançados pelos sindicatos afetos à CGTP e que fazem parte da FECTRANS foram tudo menos suficientes para manter o poder de compra dos trabalhadores. Dizem as organizações representativas dos trabalhadores do Metro de Lisboa que aumentos de 3% e promessas da Administração são um “avanço na negociação”, desconvocando a greve que estava marcada para o final deste mês. Um avanço só se for para a empresa porque para os trabalhadores representa um retrocesso, uma degradação das suas condições de vida a cada semana que passa.

É preciso ir mais longe, unir as lutas e rejeitar qualquer forma de corporativismo entre os trabalhadores. O mais recente acordo alcançado entre o Sindicato dos Maquinistas (SMAQ, não afeto à CGTP), o Ministério das Infraestruturas e a Administração da CP encontra-se envolto em opacidade e sugere um tratamento diferenciado entre maquinistas e restantes categorias profissionais da empresa. O mesmo acordo “permite estabelecer a paz laboral pelo menos até ao fim do ano”, dificultando a luta dos restantes trabalhadores. Os sindicatos da FECTRANS contestam o acordo e avançaram já com uma greve no próximo dia 31 de maio, apesar de também esta federação ter utilizado práticas semelhantes no passado, como em 2019 quando assinou um acordo com a patronal, vendendo a luta dos motoristas de matérias perigosas.

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É preciso ir mais longe, unir as lutas e rejeitar qualquer forma de corporativismo entre os trabalhadores.

Estes dois exemplos são exatamente o oposto daquilo que um sindicato combativo e de classe deve ser. Todos os acordos alcançados foram por aumentos salariais abaixo da inflação o que, efetivamente significa uma perda de poder de compra para os trabalhadores. Todo e qualquer acordo desta natureza deveria ter sido rejeitado!

No caso da direcção do SMAQ, o acordo foi alcançado à custa dos restantes trabalhadores, que não são seus associados, mas que agora vêem a sua posição negocial enfraquecida. Este tipo de corporativismo condena, a prazo, à degradação das condições de todos os trabalhadores incluindo os maquinistas, uma vez que divide os trabalhadores, retirando-lhes força. E pior: ao acordar com manter a paz social, coloca os próprios maquinistas nas mãos do patrão porque o custo de vida continuará a aumentar e os salários ficarão estagnados.

Estas burocracias atuam, no limite, como agentes do patronato. Dividem os trabalhadores, marcam greves a conta-gotas que cansam os trabalhadores, desmoralizando-os e contribuindo para a derrota da luta. Além disso, são incapazes de defender os nossos direitos, aceitando salários de miséria. A luta não é apenas dos maquinistas da CP contra a Administração ou dos revisores contra a Administração. A luta é de todos os trabalhadores dos transportes contra os patrões e o seu Estado.

Abaixo a paz social! Pela greve geral nos transportes!

A classe trabalhadora unida e organizada é uma força imparável. Mas para isso é necessário unir as lutas ao invés de separá-las. É preciso romper com a paz social ao invés de promover a conciliação de classes. E perceber que nada disto será feito pelas atuais direções sindicais. Mais, será feito contra essas direções.

Precisamos de um sindicalismo verdadeiramente de combate e democrático. As greves nos transportes — e nos restantes setores — devem ser decididas em assembleias democráticas com todos os trabalhadores, assim como deve ser decidida a sua continuidade. Não queremos acordos de bastidores! Todos os acordos devem ser públicos e votados em assembleia. Todo e qualquer cargo sindical deve ser revogável a qualquer momento pelos trabalhadores que o elegeram. A democracia sindical é o primeiro passo para garantir a força e a unidade da nossa classe.

Mas é preciso mais: temos de abandonar as greves a conta-gotas. É preciso fazer como em França! Criar fundos de greve e estender as greves pelo tempo que for necessário até conseguirmos alcançar as nossas exigências. Ao mesmo tempo que patrões e accionistas enchem os bolsos às nossas custas dizem-nos que não há dinheiro para aumentos. Mil vezes mentira! A luta tem de ser feita em articulação entre as várias categorias profissionais e nunca em separado e deve igualmente ser estendida aos utentes dos transportes públicos, a sua grande maioria trabalhadores que também são explorados pelos capitalistas, explicando as razões da greve e apelando ao seu apoio.

O caminho tem de ser o da mobilização mais forte e determinada, da unificação das lutas numa greve geral dos transportes! Esse é o melhor antídoto contra os métodos corporativos e divisivos da burocracia sindical e é o único método para alcançar vitórias que de facto façam diferença nas nossas vidas!

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