De acordo com os últimos dados divulgados pelas instituições europeias, a Zona Euro encaminha-se para a recessão com a Alemanha a liderar a marcha. Para 2023 as previsões de crescimento da economia situam-se entre 0,7% e 1%, enquanto a inflação deverá continuar nos 5,6%. Já a taxa de juros diretora do Banco Central Europeu (BCE) atingiu o valor mais alto de sempre — 4,5%. Para 2024 esta tendência mantém-se ou poderá inclusivamente agravar-se com as tensões interimperialistas entre os EUA e a China sem sinal de abrandamento.
Ainda que sem fugir a estas tendências gerais, a economia portuguesa, para já, foi capaz de resistir e alcançar um crescimento do PIB de 6,69% em 2022 e de 2,5% na primeira metade deste ano. Crescimento esse celebrado por António Costa e pelo PS com o máximo de foguetório possível para esconder uma realidade que se tornará clara aos primeiros sinais da recessão que se perspetiva no horizonte: é que este crescimento é um gigante com pés de barro, já que assenta quase exclusivamente no turismo e na especulação imobiliária.
A economia portuguesa a reboque do turismo e do imobiliário
No entanto, e para já, quer o setor imobiliário quer o turismo parecem ser a tábua de salvação da classe dominante portuguesa e do seu Estado.
Segundo o Banco de Portugal, o investimento direto estrangeiro (IDE) no primeiro semestre de 2023 ascendeu a 2002 milhões de euros. Deste valor, 93,9% diz respeito unicamente a investimento imobiliário, ou seja, alimenta diretamente a especulação gigantesca dos preços da habitação. Mostra igualmente que os restantes sectores de atividade, nomeadamente a indústria, representam valores de investimento completamente irrisórios.
Por isto mesmo, os preços da habitação em Lisboa e no Porto já igualam capitais europeias em que os salários médios são muito superiores. Nesta corrida ao ouro, os grandes fundos imobiliários, atraídos pelo lucro fácil e especulativo, compram quarteirões inteiros que mantêm propositadamente vazios como ativos financeiros. Ou então transformam-nos em mais hotéis para alimentar um turismo galopante.
De janeiro a julho de 2023 registaram-se um total de 18,1 milhões de hóspedes e 46,9 milhões de dormidas, segundo o INE, o que representa um aumento de 17,1% e 14,5% respetivamente e quando comparado com o ano anterior. Nos aeroportos os números são igualmente avassaladores: até julho houve um crescimento homólogo de 25,2% — 38,3 milhões de passageiros, com 80% a ser tráfego internacional. No ano passado a TAP apresentou, pela primeira vez em vários anos, lucros — 65,4 milhões de euros — e este ano prevê-se que ultrapasse os 4 mil milhões de euros em receitas!
Este cenário tem alimentado principalmente a grande burguesia financeira, do imobiliário e do turismo mas também algumas camadas da pequena-burguesia parasitária que, beneficiando da alta generalizada dos preços dos alugueres e do alojamento local (AL), estão a forrar os bolsos à custa dos nossos salários.
Também as contas do Estado têm saído beneficiadas. A inflação, que ficou nos 7,8% em 2022 e nos 3,4% em junho passado e que está longe de desaparecer, encheu os cofres do Tesouro através do IVA — 22,5 mil milhões de euros no ano passado. As cativações orçamentais são outro mecanismo através do qual o Ministério das Finanças bloqueia os tão necessários investimentos nos serviços públicos. Com este mecanismo, primeiro Mário Centeno e agora Fernando Medina têm de autorizar uma parte dos gastos dos restantes ministérios, proibindo o investimento em melhorias dos serviços e até mesmo na contratação de mais pessoal. As cativações permitem ao governo PS, por um lado, atingir um excedente das contas públicas e por outro anunciar vários milhares de milhões de euros para a Saúde ou Educação — que nunca chegam a ser executados.
E o que faz o governo PS com este excedente de 2,1 mil milhões de euros? Canaliza-o para os bolsos do setor financeiro através do pagamento da dívida pública, que é agora de 111% do PIB, ou utiliza-o na promoção da ideologia reacionária da Igreja como se viu nas Jornadas Mundiais da Juventude.
A economia quando cresce não é para todos
O crescimento da economia refletiu-se imediatamente nos lucros das principais empresas. Os principais bancos lucraram 10 milhões de euros por dia à boleia do aumento das taxas de juro e às custas, claro está, dos trabalhadores, que viram as suas prestações mensais duplicar ou triplicar no espaço de um ano.
A inflação também alimentou, e de que maneira, os lucros das principais distribuidoras. Só para dar um exemplo, o grupo Jerónimo Martins fechou o primeiro semestre com lucros de 365 milhões de euros, enquanto que para metade dos trabalhadores o salário não chega ao fim do mês. A pobreza e a miséria continuam a crescer, apesar da taxa de desemprego ser baixa.
E o crescimento do turismo e da especulação beneficiou apenas os capitalistas. Para os trabalhadores e várias camadas intermédias da sociedade este crescimento significa a expulsão para as periferias, a partilha de quartos ou, em casos extremos, ir parar a uma situação de sem-abrigo, estando a aumentar o número de trabalhadores que são incapazes de pagar um teto. Afetando os trabalhadores todos em geral vale a pena notar que a crise da habitação atinge duplamente as mulheres trabalhadoras e a juventude LGBTI em situação de violência doméstica e que se vêem impossibilitadas de sair dessa situação devido ao preço astronómico dos alugueres.
Para os trabalhadores jovens a situação é particularmente brutal. Empurrados para contratos precários, cerca de ¾ recebem menos de 950 euros líquidos — um salário de pobreza. Não é de espantar que a emigração continue a ser uma opção considerada por muitos ou só sair de casa dos pais, em média, quase aos 30 anos.
A desigualdade entre aqueles que se beneficiam do turismo, das rendas e da exploração desenfreada do nosso trabalho e a situação quotidiana de milhões de trabalhadores é cada vez mais gritante. E no entanto, nem o governo PS nem a esquerda apresentam qualquer medida de fundo para fazer face a esta realidade.
O PS mascara a realidade enquanto tenta tirar o tapete à direita…
O triunfalismo de cada pacote de medidas apresentado por António Costa e pelo governo do PS é inversamente proporcional à sua eficácia. O caso mais recente foi o da devolução das propinas aos estudantes que, após completado o curso superior, ficassem a trabalhar em Portugal. Uma medida absolutamente panfletária e que em nada resolve a situação concreta, de hoje, dos estudantes de classe trabalhadora que gastam 450 euros mensais só para pagar uma cama. Em vez de abolir a propina, os estudantes fazem um empréstimo ao Estado. Uma medida que apenas beneficiará quem já tem dinheiro para ir para a universidade.
As medidas panfletárias e cosméticas são verdadeiramente uma marca deste governo que, para manter a paz social é obrigado a apresentar medidas que constituem um autêntico roubo aos trabalhadores como medidas progressistas. O exemplo mais recente é do programa “Creche Feliz”, que deixará de fora as creches geridas pelas Câmaras Municipais. Sobram apenas as do setor privado: seja ele IPSS ou não.
Ao nível da habitação, as medidas apresentadas são novamente um “piscar de olhos” à burguesia e às classes médias rentistas. As rendas apoiadas são um subsídio aos senhorios parasitas, pagos pelos impostos dos trabalhadores. Os juros bonificados podem representar um alívio para algumas famílias, mas em nada beliscam os lucros milionários da banca. Também a política de IVA zero nada mais é do que outro subsídio às grandes cadeias de supermercados.
No próximo Orçamento do Estado, tudo indica que estas políticas continuarão e associadas às “contas certas” do défice e da dívida pública, isto é, à continuação do desinvestimento público e subsidiação dos privados, em particular na Saúde.
Perante este cenário a direita, que se tem vindo a reorganizar há vários anos, ainda não construiu uma alternativa credível. Continua a apostar, através do reacionário Presidente da República, numa política de desgaste lento do governo. As dezenas de casos de corrupção e saídas de ministros do último ano também vão jogando um papel, mas sobretudo entre a pequena-burguesia e as bases da direita. Durante as JMJ foi notória a patética tentativa de aproveitamento mediático quer de Carlos Moedas, presidente da Câmara de Lisboa do PSD, quer do próprio Marcelo, como forma de ganharem popularidade.
O mesmo Marcelo que menoriza casos de assédio ou que participa ele próprio nesses abusos, enquanto continua a construir esta figura bonapartista que mede constantemente forças com o governo PS em preparação para a chegada da direita ao poder.
Também a extrema-direita, que se tem vindo a reforçar nos últimos anos parece estar a estagnar nos últimos meses. A moção de censura ao governo proposta pelo Chega representou mais um ataque ao PSD, que se absteve, do que ao PS já que, na prática, se sabia que iria ser rejeitada pela maioria absoluta. Esta dinâmica representa mais uma disputa dentro do eleitorado e bases de direita do que propriamente um alargamento da sua influência.
…e a esquerda reformista assiste das bancadas.
Para já, a política do governo PS continua a ser do agrado da Banca e do PSI.
Este governo tem sido capaz de evitar que as lutas de vários sectores, principalmente dos profissionais da educação e agora da saúde, saíssem do seu controlo, contando para tal com o apoio essencial das burocracias sindicais.
Enquanto isto, a esquerda reformista prossegue uma política de desmobilização dos trabalhadores e de canalização dos esforços para a esfera parlamentar e institucional. Criticam e bem as várias medidas do governo, mas nunca são capazes nem de dar uma resposta concreta e muito menos de organizar a nossa classe para lhes fazer frente.
Além disso, deseducam os trabalhadores e os jovens ao falarem para “o País” insistindo muitas vezes numa retórica nacionalista — ou patriótica, se preferirem — que mascara o verdadeiro culpado da crise da habitação, da inflação ou da guerra, que é o sistema capitalista. Por exemplo, a grande medida do BE a respeito da crise da habitação é paradigmática: proibir a venda de imóveis a investidores estrangeiros como forma de garantir as “condições de vida das famílias portuguesas.”.
O que o Bloco deveria estar a denunciar — e que já o fez quando criticou os vistos gold — era os fundos abutres e os investidores no seu todo, independentemente da nacionalidade. Esta retórica das “famílias portuguesas” primeiro facilmente é apropriada pela direita para atacar os trabalhadores imigrantes, como aliás já acontece, culpando-os de estarem a “competir” pelos mesmos quartos que os trabalhadores portugueses.
Já o PCP apresenta uma política demasiado conservadora para vastas camadas da juventude de classe trabalhadora. A transfobia dentro do partido e o apoio declarado às Jornadas Mundiais da Juventude são apenas dois exemplos de posicionamentos políticos que deveriam ser inadmissíveis à esquerda, que reforçam as bases do regime e que dão munições à direita.
No entanto, é preciso não perder de vista que a tendência geral de aprofundamento da crise do sistema capitalista e a polarização social que esta implica. O PS sabe que caminha em gelo fino. Quando a Zona Euro entrar em recessão, Costa precisará de aprofundar a austeridade, o que, se as lutas do ano passado são algum indicador, poderá levar a uma contestação social muito mais ampla e forte. Se a classe trabalhadora e a juventude encherem as ruas massivamente, como aconteceu em França, não será a maioria absoluta do PS a salvar este governo.
É preciso unificar as lutas com um programa socialista!
O ano de 2023 foi um reacordar do protesto social. Centenas de milhares de profissionais da educação saíram à rua e estiveram em greve, mas não foram os únicos. A luta feminista, pela habitação, os protestos estudantis pelo clima e centenas de greves da Administração Pública, enfermeiros, médicos, nos aeroportos, nas várias empresas de transportes e centenas de greves na indústria voltaram à ordem do dia.
Até junho o número total de pré-avisos de greve foi de 1.499, mais 92,2% do que no ano anterior. E se considerarmos apenas a Administração Pública, foram registados, no mesmo período, 575 pré-avisos de greve, uma subida homóloga de 288,5% devida sobretudo à luta dos profissionais da educação.
Nas ruas e nos locais de trabalho é notória a insatisfação da grande maioria da classe trabalhadora com as suas condições de trabalho, com os ritmos e horários extenuantes, com os abusos laborais e com a falta de salário. Uma e outra vez, a nossa classe lança-se à luta, à greve e à manifestação e as burocracias sindicais, em vez de definirem um plano de luta que alcance vitórias, assinam pactos com o patronato e contentam-se com meias-medidas.
No atual contexto, propor um salário mínimo nacional (SMN) de 910 euros, como defende a CGTP, é manter a nossa classe na pobreza. É preciso um SMN de 1200 euros e é preciso organizar a nossa classe como um todo na defesa desta reivindicação.
É preciso voltar às ruas aos milhões em defesa da Saúde e da Educação públicas, de melhores condições de trabalho, contra os ataques machistas e LGBTIfóbicos da extrema-direita e uma habitação digna para todos.
É preciso construir uma esquerda combativa, revolucionária e anti-capitalista que tenha como objetivo declarado o derrube do capitalismo e a construção do Socialismo. É essa organização que estamos a construir.
Junta-te à Esquerda Revolucionária!