Depois de injectar 4,9 mil milhões de euros no Novo Banco para o entregar a custo zero aos especuladores da empresa estado-unidense Lone Star, garantindo ainda outros 3,9 mil milhões de euros para cobrir qualquer crédito mal-parado — ou seja, depois de despejar a riqueza produzida por todos os trabalhadores em Portugal nos bolsos de capitalistas estado-unidenses, o PS apresenta um novo “Plano de Estabilidade e Crescimento” (PEC). O carácter deste governo revela-se exactamente aquele que foi denunciado vez após vez n’A Centelha: um governo de defesa dos interesses do capital, disposto, se preciso for, a matar à fome para salvar lucros.

Costa como Passos

Passados 7 anos a viver sob sucessivos planos de austeridade, os trabalhadores aprenderam a desconfiar quando dizem que os burocratas de Bruxelas estão satisfeitos com o governo português. Esses burocratas falam sempre partindo da posição da classe que destrói os serviços públicos, corta os salários e impõe uma vida de insegurança. Recorrendo à célebre frase de Luís Montenegro, líder da bancada do PSD, para eles, “a vida das pessoas não está melhor, mas a vida do país está muito melhor!”

A “geringonça”, se inicialmente foi o alvo das terríveis ameaças bruxelenses, após escassos meses de governo, passou a ser o alvo de elogios bruxelenses. A imprensa internacional apresenta-a hoje como a prova de que é possível cumprir as “metas” e recuperar rendimentos — em suma, como a prova de que toda a raiva dos trabalhadores é infundada. No final de contas, por que falamos nós em socialismo e revolução? Necessitamos tão somente de um governo responsável, dizem-nos estes economistas.

Como é óbvio, isto não passa de ruído. A execução orçamental de 2016, com os seus números, conta uma história muito diferente. Graças aos impostos sobre o consumo a carga fiscal aumentou cerca de 660 milhões, segundo o Relatório do Conselho de Finanças Públicas. Simultaneamente, a despesa com as Parcerias Público-privadas (PPPs) aumentou, e juntaram-se a estas mais universidades privatizadas sob o regime de “fundação”, o que não significa outra coisa senão que o dinheiro surripiado aos trabalhadores está a ser entregue aos capitalistas em quantidades crescentes. A dívida “pública”, tal como nos anteriores governos, aumentou igualmente em mais de 9 mil milhões de euros. A redução do défice foi conseguida através de um corte de 1,2 mil milhões de euros no investimento público, aproximando ainda mais os serviços públicos do seu previsível colapso.

Enquanto tudo isto acontecia, vivemos o ano com o menor número de greves da última década. Agora, embriagado pela confiança ganha em tantos meses de paz social, o PS prepara-se para um ataque devastador aos trabalhadores.

É o próprio Eugénio Rosa, na sua análise do novo PEC, quem o admite: «O governo pretende que, entre 2016 e 2021,o défice orçamental passe de -2% do PIB, um valor negativo, para um superavit de +1,3%. Mas se excluirmos os juros, o saldo primário passa, no mesmo período, de +2,7% para +4,9% do PIB, portanto um aumento do excedente em 81%, o que é enorme e só possível com uma política de forte austeridade desaconselhável num contexto de crescimento económico reduzido.»

“Forte austeridade”! O novo PEC de Costa faz inveja ao próprio Sócrates, o primeiro “engenheiro” de PECs com quem o PS presenteou os trabalhadores. Pretendendo ir além do Tratado Orçamental Europeu, também conhecido por Tratado de Austeridade, o governo planeia, entre 2016 e 2021, cortes nas prestações sociais de 6,3% e de 7,5% na despesa pública total, e ainda cortes nos salários dos trabalhadores do Estado — mais destruição do emprego público —, tudo para o bem das rendas do capital financeiro.

Que diferenças restam agora entre Costa e Passos?

O preço que a esquerda paga

Uma das últimas sondagens dá ao PS 42% das intenções de voto e ao PSD 24,6%. PCP e BE mantêm-se abaixo dos dois dígitos nas várias sondagens, rondando 8% e 9%, respectivamente. Isto acontece num momento em que a Europa é varrida pela mais grave crise política desde a Segunda Grande Guerra, num momento em que a democracia liberal se encontra desacreditada como nunca antes, fazendo ruir o bipartidarismo que a sustenta. Em Portugal, pelo contrário, PCP e BE suportaram o peso da crise política, apoiaram um PS cambaleante e agora sofrem as primeiras e mais suaves consequências.

O aviso que fazemos não é novo: se as direcções do PCP e do BE não apelarem a um plano de luta de toda a classe trabalhadora e dos jovens, se não agitarem greves, protestos e todo o tipo de acções que aumentem de intensidade até que as necessidades urgentes dos explorados obtenham resposta, pagarão um pesado preço quando se virem associados à austeridade que o PS se prepara para aplicar.

A burguesia, pela boca de um dos seus mais fiéis mordomos, o já aqui referido Montenegro, coloca a possibilidade de alterar o sistema eleitoral para que em Portugal, à semelhança da Grécia, o partido mais votado nas eleições legislativas tenha direito a 50 deputados extra. Isto pode parecer paradoxal num momento em que o PSD desce nas sondagens, mas não é. A burguesia revela assim o seu receio de situações como a presente, em que um governo seu se vê dependente da esquerda e se sente condicionado na sua governação pela ameaça de greves e de protestos.

Contudo, a continuar as suas manobras de desmobilização e desorganização da classe trabalhadora, o que as direcções da esquerda parecem querer provar é que esse receio da burguesia é infundado. Cabe aos trabalhadores organizados nos partidos, sindicatos e comissões de trabalhadores provar o contrário!

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