Na terça-feira da semana passada deu-se uma hecatombe na cúpula do governo de António Costa que levou à sua queda.

O chefe de gabinete do primeiro-ministro António Costa, o seu negociador sombra de confiança e “melhor amigo” e o presidente da câmara de Sines (PS) foram detidos no âmbito duma investigação de corrupção e tráfico de influências relativamente aos investimentos de capital estrangeiro para a mineração de lítio, produção de hidrogénio verde e armazenamento de dados.

Ainda são arguidos pelas mesmas razões o atual ministro das Infraestruturas (e anterior Secretário de Estado do Ambiente e Energia) e o Presidente da Agência Portuguesa do Ambiente.

Além disto, o Supremo Tribunal de Justiça anunciou, apesar de não ter revelado os crimes sob suspeita, que está a investigar António Costa também por causa deste caso.

A demissão do Primeiro-Ministro, poucas horas depois destes acontecimentos virem a lume, a dissolução da Assembleia da República dois dias depois e a convocação de eleições legislativas para o dia 10 de março pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, resultam dum aprofundamento do desgaste da política de António Costa ao serviço do grande capital. No seu cerne esta demissão é consequência da podridão e da decadência do capitalismo.

A demissão de António Costa era inevitável com um escândalo desta dimensão no coração do governo e com o chorrilho de demissões de membros do governo no último ano e meio, maioritariamente, por envolvimentos também em casos de corrupção.

Quando o contexto social de inflação e desigualdade tem um pesado impacto nas condições de vida da classe trabalhadora e os salários são uma miséria. É óbvio que cerca de 80.000 € em notas escondidas no gabinete de um dos braços direitos do primeiro-ministro em buscas num caso de corrupção não é apenas lenha para arder o governo, é matéria com potencial explosivo.

Ainda por mais quando a sonegação de estudos de impacto ambiental, todas as manobras para ultrapassar os processos burocráticos de licenciamentos e apoios são desta forma expostas. Enquanto as negociações com os médicos, nomeadamente, para aumentos salariais são arrastadas há meses ou a recuperação integral do tempo de serviço dos professores é adiada há anos.

A este cenário social soma-se o crescimento da luta de classes, refletida tanto nos protestos nas ruas como nas greves em Portugal. E, toda a força e exemplo que a classe trabalhadora internacionalmente demonstra e transmite. Desde as manifestações que têm enchido as ruas em solidariedade com a Palestina, a situação pré-revolucionária em França no início deste ano, as greves no Reino Unido e nos EUA, as crises revolucionárias na América Latina…

A descredibilização das instituições burgueses e a sua “isenção” de interesses

Costa justificou a sua demissão como uma forma de proteger a "dignidade da função de Primeiro-Ministro [que] não é compatível com a suspeição sobre a sua integridade" e Marcelo Rebelo de Sousa elogiou “a elevação do gesto” da sua demissão e o do seu desempenho governativo nos últimos 8 anos.

O objetivo é claro, não aprofundar ainda mais a descredibilização dos órgãos do Estado burguês e limitar ao máximo o impacto na estabilidade política. De forma a não alimentar, por um lado, o descontentamento e a raiva da classe trabalhadora e por outro, a não alimentar a instrumentalização do discurso populista anti-corrupção da extrema-direita.

A “integridade” de António Costa foi para ser o pai e o campeão do “sucesso” português, tão aclamado internacionalmente, da estabilidade política, do crescimento económico, das “contas certas” e do excedente orçamental. A “integridade” de governar para o grande capital permitindo o alcance de lucros históricos, enquanto deixa o SNS num estado calamitoso e a classe trabalhadora empobrece e cai na miséria a olhos vistos.

As principais empresas em Portugal têm batido recordes de lucros. Até setembro, a Galp lucrou +18% face ao período homólogo, notando que o ano de 2022 já tinha tido os melhores resultados em toda a sua história. Já a EDP aumentou os lucros em 83% face ao ano passado. Os 5 principais bancos estão neste ano com um crescimento de 70% em termos homólogos, tudo isto obviamente à custa das prestações da habitação dos trabalhadores que duplicaram ou triplicaram no espaço de um ano. As principais retalhistas também se têm alimentado da inflação para fazer crescer os seus lucros, cerca de 30% no ano passado.

A TED Talk de António Costa para a burguesia, de sábado à noite, em São Bento, é o in a nutshell do papel que desempenhou e continua a desempenhar mesmo após a sua demissão. Em suma, a função dos governos burgueses é serem comissões de gestão dos negócios da burguesia e não de entidades que têm o dom de, numa sociedade de classes, estarem à margem e para lá desses interesses.

Durante meia-hora António Costa falou para o grande capital, em particular estrangeiro, para que não se assuste com este processo que levou à sua demissão e as suas consequências. Destacamos uma das suas frases:

«Para que Portugal não desperdice oportunidades estratégicas para o seu desenvolvimento, e sobretudo para que futuros governos não percam instrumentos de ação política que são essenciais à atração do investimento, à valorização dos nossos recursos naturais, e ao pleno aproveitamento das infraestruturas de que o país dispõe".

Já sobre a situação económica da classe trabalhadora, que não lhe merece a mínima preocupação, nem uma única menção.

Ainda conseguiu a proeza de defender a ideia que a corrupção se deve a atos individuais e falhas morais. Será então pura coincidência que seja um padrão da elite política? Claro que não, a corrupção e tráfico de influências são inerentes ao funcionamento do capitalismo.

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A instabilidade dos governos burgueses e a própria crise do parlamentarismo não é singular de Portugal, mas inerente ao período histórico de decadência capitalista em que vivemos.

A estabilidade política e social na corda bamba

Estas eleições são marcadas menos de dois anos após a crise parlamentar do chumbo do Orçamento de Estado de 2022 que pôs fim à Geringonça como a conhecíamos e que deu início à maioria absoluta do PS nas legislativas de janeiro de 2022.

O voto no PS foi um instrumento da classe trabalhadora para afastar a ameaça de um governo da reação. Mas o descontentamento e a frustração com as políticas capitalistas do governo de coligação mantinham-se. O voto útil no PS foi também uma rejeição da política de paz social da esquerda reformista parlamentar. É isso que a sua brutal quebra eleitoral reflete.

Esta instabilidade dos governos burgueses e a própria crise do parlamentarismo não é singular de Portugal, nem de um único país, é transversal ao mundo inteiro. É inerente ao período histórico de decadência capitalista em que vivemos.

O medo e o potencial de uma explosão social fizeram com que as ações da cúpula do Estado fossem da maior celeridade, e analisadas com pinças todas as soluções possíveis. As decisões tomadas por Marcelo Rebelo de Sousa mantêm o regime burguês em funcionamento e abrem várias possibilidades de soluções de governo para a burguesia.

A AR só será dissolvida em dezembro para permitir a aprovação do OE. Os fundos do PRR vão continuar a fluir para as grandes empresas. As rendas vão aumentar até 7% para o gáudio da pequena-burguesia. As migalhas para a classe trabalhadora foram promulgadas: o aumento do salário mínimo e das pensões e os apoios miseráveis para os sectores mais pobres.

As eleições serão em março para que o PS tenha tempo de se preparar e eleger um novo líder, revelando assim também a falta de confiança da burguesia no PSD e da liderança de Luís Montenegro.

Apesar da crise do governo, sondagens recentes continuam a colocar o PSD atrás do PS nas intenções de voto, abaixo inclusivamente das do ano passado. O PSD tem estado em crise nos últimos anos. Parte do seu espaço político foi ocupado pela viragem à direita do PS. Outra parte foi ocupada pelo Chega, que ganhou a sua base social mais reacionária com a polarização social. Contudo, um governo da direita em coligação com a extrema-direita é uma possibilidade em aberto. As sondagens indicam mais do que uma duplicação dos votos do Chega.

Do lado do PS o novo líder será Pedro Nuno Santos — ala esquerda — ou José Luís Carneiro — ala direita —, o primeiro a abrir caminho para um novo entendimento com a esquerda e uma possível geringonça 2.0 e o segundo para um acordo do centrão.

A cada dia os dados são cada vez mais nítidos que Pedro Nuno vencerá as eleições internas no PS. Na formalização da sua candidatura encheu a sede do Largo do Rato. Conta com o apoio da Juventude Socialista. Conta com o apoio de 17 das 21 distritais. Conta com o apoio de Francisco Assis, a figura principal da ala direita.

Pedro Nuno está a passar sem espinhas no primeiro teste da burguesia. Fez o feito de unir e conciliar o PS sobre si em poucos dias. Fala diretamente para a classe trabalhadora e sobre as suas maiores dores: os salários, a habitação e os serviços públicos. Ataca de frente a direita e o racismo e xenofobia do Chega.

A ala pedronunista nos últimos anos foi capaz de demonstrar por diversas vezes e afirmar-se perante a esquerda como o principal inimigo do fascismo. Como o fez através da candidatura de Ana Gomes às últimas eleições presidenciais. Recordemos que Ana Gomes fez a oposição mais contundente à extrema-direita e foi a única candidata a fazer bandeira da ilegalização do Chega.

Este posicionamento de Pedro Nuno e o medo generalizado entre diferentes camadas da classe trabalhadora da eleição de um governo reacionário que inclua a extrema-direita pode concentrar sobre si o voto generalizado à esquerda e captar também para si a base eleitoral do BE e do PCP.

Contudo, o seu programa político não é novo e não traz alternativa. É puramente social-democrata. O seu quase slogan de ser o neto do sapateiro e o filho do empresário é a síntese do seu propósito, a conciliação de classes. No seu discurso de candidatura deixa-o transparente.

«Não conseguiremos salários dignos desprezando quem trabalha, mas também não o conseguiremos desprezando as empresas e ignorando os seus desafios. Reconhecemos que as empresas são comunidades entre empresários e trabalhadores, e que as relações entre uns e outros são feitas de direitos e de obrigações. É por isso que o PS é a plataforma política que melhor defende e promove o diálogo, a negociação e a concertação entre empresários e trabalhadores.»

Por tudo isto, Pedro Nuno Santos pode ser o trunfo da burguesia. Contudo, caso seja eleito primeiro-ministro estará sob enorme pressão social dos trabalhadores e da juventude.

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Pedro Nuno Santos pode ser o trunfo da burguesia mas caso seja eleito estará sob enorme pressão social dos trabalhadores e da juventude.

Os mesmo erros da esquerda reformista

Quando António Costa se demitiu, a resposta do PCP foi pedir "soluções e não eleições" e o BE embora exigindo eleições antecipadas esperava que a investigação decorresse na maior das serenidades e que fosse feita justiça.

Vale a pena perguntar: que soluções espera o PCP deste regime? Alguma vez o atual governo vai expropriar os grandes fundos imobiliários para garantir habitação para todos? E que justiça espera o Bloco? A do Estado de Direito burguês? A mesma que prende trabalhadores pobres por pequenos furtos mas deixa em liberdade violadores, grandes banqueiros e elite política?

No turbilhão desta situação política e social, é isto que as direções do PCP e do BE nos têm para dizer. A sua fixação é com o parlamentarismo e as instituições burguesas.

Basta ler as palavras do ex-dirigente e fundador do BE, Francisco Louçã, quando diz que:

«Em contrapartida, as esquerdas podem lembrar que a ‘geringonça’ foi o remédio que protegeu o país da bolha autoritária que é uma maioria absoluta. É certo, mas isso não fará uma política, pois a história não se repete. O facto de agora ser necessário não a substituição de um Governo de direita, mas antes assegurar a resposta estrutural a problemas criados ou agravados pelo Governo cessante, na política de industrialização, de investimento e de salários ou na organização dos bens comuns da democracia que fazem o bem-estar do povo, incluindo saúde, habitação, educação e política ambiental, exige agora um programa mais profundo e detalhado do que em qualquer momento do passado. A minha conclusão é que só vencerá a direita uma esquerda que seja mais exigente do que nunca.»

Depois dos resultados desastrosos obtidos nas eleições de há 2 anos e depois do caos em que o PS mergulhou a classe trabalhadora e os oprimidos, sonham com voltar ao passado. Sonham ainda com a geringonça ou, quem sabe, com um lugar ministerial num hipotético futuro governo de Pedro Nuno Santos.

O grande programa do reformismo resume-se ao seguinte: mostrar aos capitalistas que os seus interesses estão mais bem garantidos sob o seu governo do que sob um governo de reação.

O que importa agora é a unidade para parar a direita! Mas se os mesmos erros que nos levaram a esta situação se repetirem, os resultados serão muito semelhantes. A paz social permitida pelas direções do BE, PCP e CGTP para encobrir a política capitalista do governo de António Costa só serviu para fortalecer a extrema-direita.

O crescimento da extrema-direita não cai do céu, nem em Portugal, nem nos Estados Unidos, Itália, França ou Alemanha. É o resultado de profundas desigualdades e decomposição social, da crise do parlamentarismo burguês dominado pela crescente polarização, da viragem reacionária das classes médias que enchem os bolsos com a precariedade laboral, os baixos salários e a infame exploração dos trabalhadores imigrantes. É o resultado da política de colaboração de classes que deixa o movimento operário descalço, que o enfraquece e o desmobiliza, do fracasso de uma esquerda social-democrata, tanto a tradicional quanto a nova.

As eleições de 10 de março serão um novo teste. Obviamente temos que nos mobilizar para barrar a extrema-direita e a reação nestas eleições. Não podemos facilitar o seu avanço em campo algum, inclusive nas urnas. A abstenção fará avançar e dará confiança a estes fascistas. Não é indiferente se governa PSD/Chega ou se governa a esquerda parlamentar. Não podemos dizer que os reacionários e os reformistas são iguais. Portanto, o voto nestas eleições tem de ser muito criticamente na esquerda parlamentar. Este voto não é de forma alguma um voto de confiança, é um voto para golpear os fascistas. A nossa confiança para mudar as nossas vidas e derrubar o fascismo está na força do movimento da classe trabalhadora e da juventude, na sua capacidade de organização e nos seus métodos de luta.

Encher as ruas e construir a esquerda revolucionária

Os trabalhadores, em Portugal, têm demonstrado a sua vontade de lutar com centenas de greves ao longo deste ano. Com destaque nos movimentos grevistas dos professores e mais recentemente dos médicos, com a greve às horas extraordinárias ilegais. O caminho são os protestos nas ruas e a greve geral que unifica e intensifica a luta dos trabalhadores. Em vez das greves exclusivamente sectoriais que a direção da CGTP mantém.

Os dirigentes do PCP e do BE têm uma nova oportunidade para abandonar uma política orientada exclusivamente para o parlamentarismo e as instituições e para se apoiarem na força do movimento desde baixo. A correlação de forças é favorável à esquerda e à classe trabalhadora, as greves de professores, médicos, sector público, as mobilizações do movimento feminista, os fortes protestos por habitação digna, e outros que ocuparam as ruas ao longo deste ano demonstram isso.

Este é o momento ideal para intensificar a luta contra os capitalistas e a reação com um programa que levanta a bandeira da transformação socialista da sociedade. A luta contra as políticas de miséria e contra a extrema-direita não se vence entre as paredes do parlamento.

A esquerda que precisamos é uma esquerda consequente e revolucionária que lute pelo fim da exploração da classe trabalhadora e não lute pela conciliação da nossa miséria com os lucros dos grandes monopólios capitalistas.

Se queres construir essa esquerda, junta-te a nós!

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