Desde há uns meses que temos dito que arranjar uma habitação digna se está a tornar cada vez mais impossível em Portugal e o resultado está à vista. Em Lisboa, há cada vez mais gente a viver em tendas na Almirante Reis, Santa Apolónia, Oriente e em Cascais entre outros. Todas as semanas são cada vez mais pessoas, sem outra escolha senão viverem em tendas. Estamos cada vez mais a aproximar-nos das condições de habitação durante o fascismo: habitações clandestinas, sobrelotadas e sem condições — e quando isso não é possível, viver na rua.

Muitos destes sem abrigo são trabalhadores, grande parte imigrantes, que ganham menos do ordenado mínimo e têm trabalhos precários, empurrados para esta situação pelo aumento do custo de vida, da habitação e pela facilidade dos despejos. Mesmo com salário, suportar uma renda é impossível, e a escolha é entre habitar ou comer. Estima-se que, para se viver confortavelmente em Lisboa e no Porto, em que os preços médios de apenas um quarto são superiores a 400€, seria necessário um rendimento líquido mensal superior a 1500€, num país em que o salário mínimo nacional é de 760€! As respostas do Estado para os apoios e habitação social estão a ser claramente insuficientes, pois todas as medidas e reformas estão limitadas pelos interesses da burguesia financeira que lucra com a especulação galopante e para a pequena burguesia do turismo. A prioridade nunca será garantir habitação digna e acessível enquanto isso chocar com a obtenção de lucro. E nada mostra melhor quais as prioridades do Estado perante os trabalhadores mais pobres na rua do que, durante a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), estes mesmos trabalhadores sem abrigo terem sido "varridos para debaixo do tapete" para limpar as ruas para o evento.

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Durante a JMJ, os trabalhadores sem abrigo foram sido "varridos para debaixo do tapete" para limpar as ruas para o evento.

O mercado especulativo leva o custo de habitação ao absurdo

Portugal é o país da OCDE em que a diferença relativa à média entre o preço das casas e dos salários é a maior, 47,1% no primeiro trimestre de 2022. As casas estão agora 70% mais caras do que há 12 anos. Comprar uma casa é um sonho distante para muitos trabalhadores. Mas para quem o pôde fazer, em 90% dos casos o crédito à habitação é de taxa variável. Com o aumento das taxas de juro, a prestação média destes créditos aumentou 41,4% em termos homólogos (Agosto 2023), para 379€, mais de metade sendo juros aos bancos. Com o aumento dos juros muitas famílias estão a sentir reais dificuldades em conseguir cobrir todas as despesas. A situação só está a piorar e para muita gente a ameaça de perder a casa é real.

Mas para quem tem de arrendar a situação é ainda pior, principalmente para quem vive nos centros urbanos. No mês de Agosto as rendas registaram o maior aumento desde o início de 2014 e estima-se que a subida das rendas em 2024 será a mais alta em 30 anos — cerca de 6,9%. Em Lisboa a renda média já ultrapassou os 1400€. Em 2023 o governo impôs um limite máximo de 2% de aumento nas rendas e é possível que faça o mesmo em 2024, mas claro, sempre com compensação fiscal aos senhorios — nenhuma solução do Estado burguês põe em causa os lucros gerados pela habitação.

Portugal é o paraíso dos especuladores imobiliários

No primeiro semestre de 2023, de todo o capital internacional investido em Portugal, 93,9%(!) foi canalizado para o investimento imobiliário [12]. O peso deste tipo de investimento quase que duplicou nos últimos 15 anos. Então como se explica que, na última década, a oferta de habitação em Portugal tenha crescido apenas 1% — ou seja, tenha estagnado? Não existe falta de investimento. Isto acontece porque a habitação é primeiramente vista em capitalismo como um ativo financeiro no mercado de especulação. Não é a construção de novas casas a preços acessíveis aos trabalhadores (pois até poderia fazer sentido dada a elevada procura) a razão pela qual o grande parte do capital estrangeiro vem investir em Portugal, mas sim para jogar com a especulação, de forma a obter o maior lucro possível com o menor risco.

Nos média burgueses, a falta de oferta é repetida vezes e vezes sem conta como sendo a razão do aumento dos preços de habitação: "Não há casas suficientes" e "É preciso um aumento na oferta de casas para mitigar a crise habitacional, dizem especialistas".1 Mas isto não é a raiz do problema, mas sim um sintoma. Em primeiro lugar "85% do investimento imobiliário em Portugal é de capital internacional, de fundos de investimento imobiliário". E o que esses fundos de investimento fazem é na sua maioria investir para comprar e depois vender a outros fundos de investimento. Apesar da estagnação na oferta referida anteriormente, na última década o volume de vendas aumentou 76%, e o peso dos compradores estrangeiros duplicou. Um exemplo recente disso é o fundo Britânico Orion ter comprado 1.200 casas em Portugal à francesa Nexity. E isto só entre dois fundos imobiliários. Para comparação, segundo o INE, no ano de 2022, entraram no mercado 14,5 mil novas casas para habitação. A falta de oferta de habitação não existe porque existem falta de recursos para as construir. E na verdade existem mais que casas suficientes para habitar: entre casas devolutas, os apartamentos de luxo e as casas paradas nos negócios entre fundos imobiliários. É um sintoma gerado porque a construção de habitação acessível não dá o lucro desejado pelos capitalistas.

Outros defendem que terá de ser o Estado a investir no mercado com o seu património ou com parcerias público-privadas,2 entre os quais o FMI que diz que é "necessário utilizar fundos europeus para gerar mais oferta pública, com incentivos fiscais, penalização de casas vazias, e claro mais investimento no mercado". Mas estas medidas insuficientes, em parte adoptadas pelo Governo, não atacam a raiz do problema (como criticamos em artigos anteriores) — que em capitalismo, a procura de lucro é o que gera o caráter especulativo do mercado de habitação. A solução dentro do capitalismo passará sempre por "brincar" com a procura e a oferta, mas sempre de forma a que o lucro não seja posto em causa. Nisto, a forma como o mercado especulativo de habitação funciona não se altera, como uma lei imutável da natureza ao qual todas as reformas do Estado têm de obedecer, mesmo com a situação absurda que passamos.

Que não haja dúvida: a culpa da falta de acessibilidade à habitação é do capitalismo

Os capitalistas, quem de facto tem a faca e o queijo na mão para investir na habitação, não estão de todo interessados em resolver nenhum problema de habitação, nem o vão fazer. Aliás, pelo contrário, o aumento dos preços de habitação, e o aumento do carácter especulativo do mercado de habitação não é para eles um problema — é o seu objectivo. O crescimento da bolha imobiliária só aumenta a margem de lucro que podem ganhar à custa da exploração e miséria de muitos. Trata-se de uma manipulação do mercado “livre”, para que os preços subam e, no caso português, à boleia do boom turístico dos últimos anos. A crise de habitação mostra o que o "mercado livre" realmente traz: liberdade dos capitalistas fazerem os investimentos que quiserem, à custa de grande parte dos trabalhadores. Até a própria União Europeia o admite, num estudo sobre habitação, que, segundo o Ministro das Infraestruturas e da Habitação, mostra como "o mercado, só por si, gera desigualdades" e não garante o "direito fundamental de todos a uma habitação digna". É a liberdade para lucrar mesmo que isso atire a classe trabalhadora para a miséria. E tal como em 2008, quando a bolha rebentar, será a classe trabalhadora a pagar pois "viveu acima das suas possibilidades".

A habitação não pode estar subordinada a uma lógica de mercado. Ela tem de ser gerida de acordo com as necessidades da população, e só é possível ser gerida pelos próprios trabalhadores, organizados, enfrentando a lógica de lucro capitalista. “Apenas um governo dirigido ou pressionado pelos trabalhadores poderá realmente administrar reformas legais na habitação.”.3 A única forma de resolver o problema da habitação é considerando a habitação como um direito fundamental. E para garantir esse direito é preciso haver uma planificação democrática da habitação, que só é possível se se colocar em causa o direito à propriedade privada da terra e o lucro capitalista, ou seja, exigindo uma mudança de sistema, lutando pelo socialismo.

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É necessário haver uma expropriação sob controlo democrático dos trabalhadores dos grandes fundos imobiliários, da banca e dos setores da construção. Só é possível fazer esse confronto e vencê-lo pela via da luta revolucionária e da ação de massas.

É necessário haver uma expropriação sob controlo democrático dos trabalhadores dos grandes fundos imobiliários, da banca e dos setores da construção que tornem tal planificação possível. Da mesma forma, a expropriação sem indemnização de toda a propriedade abandonada, com a consequente restauração e transformação em habitação e em serviços públicos gratuitos e de qualidade e o controlo de rendas, possível através da existência de órgãos democráticos de moradores e trabalhadores.

Realizar um programa destes é impossível apenas pela via parlamentar e institucional porque implica um confronto com a burguesia e todo o seu Estado. Só é possível fazer esse confronto e vencê-lo pela via da luta revolucionária e da ação de massas. Tem de haver um plano que garanta o direito à habitação — plano tal que só é possível acabando com o mercado de especulação financeira e todos os mecanismos dos capitalistas para gerar lucro às nossas custas. Está na altura de sermos nós, os trabalhadores, a gerir como e onde vivemos.


Notas

1. Jornal Economia Expresso de 2023/09/15

2. ibidem

3.  Friedrich Engels, Para a Questão da Habitação, “Como Resolve a Burguesia a Questão da Habitação”

JORNAL DA ESQUERDA REVOLUCIONÁRIA

JORNAL DA LIVRES E COMBATIVAS

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