De 7 a 14 de maio os trabalhadores da CP realizaram greve total até dia 10, paralisando completamente os comboios, e em regime parcial a partir de dia 11. Ao longo dos últimos meses, os trabalhadores dos comboios têm levado a cabo greves, mas nunca de forma tão ampla e de tão longa duração quanto esta. 14 sindicatos juntaram-se para decretar esta greve, e a adesão foi de 100%. E os efeitos fizeram-se sentir: com os comboios paralisados, causaram-se grandes constrangimentos aos transportes públicos das periferias para o centro das cidades. A luta dos trabalhadores dos comboios não pôde continuar a ser ignorada pela comunicação social burguesa.

Esta greve aponta o caminho para a classe trabalhadora, numa altura em que a direita cresce e os métodos reformistas fracassam redondamente. Mas também expõe fragilidades que têm de ser superadas para enfrentar a ofensiva patronal e o seu Estado.

Uma greve contra a precarização e os ataques da direita

Esta greve surgiu após a administração da CP romper unilateralmente um acordo alcançado com os sindicatos no final de 2024 que previa uma nova grelha salarial, repondo as diferenças em relação ao salário mínimo nacional existentes em 2018. Em abril, a empresa recuou, reduzindo o bolo dos prometidos aumentos de 12.4 milhões de euros para cerca de 3 milhões, além de adiar o seu início por mais seis meses.

A isto somam-se outros ataques do Governo contra os trabalhadores ferroviários ao longo dos últimos meses – destacando-se as declarações caluniosas do Ministro da Presidência, António Leitão Amaro, que sugeriu que os acidentes ferroviários se deviam a consumo de álcool por parte dos maquinistas. Um insulto grave aos maquinistas, e contra os próprios utentes, que sofrem a maior sinistralidade ferroviária da Europa devido a uma infraestrutura degradada por décadas de desinvestimento.

Face a esta intransigência, os 14 sindicatos de trabalhadores dos comboios lançaram o pré-aviso de greve, com semanas de antecedência, exigindo o cumprimento do acordo. Pediram uma reunião com o Governo – e foram ignorados. Depois de terem causado esta greve, ao não cumprir o acordo firmado com os sindicatos, o Governo refugiou-se na sua condição de governo de gestão para se recusar a resolver o conflito, tentando depois usar a greve como arma de arremesso na campanha eleitoral.

A direita ameaça o direito à greve!

Desde o início, os sindicatos denunciaram o plano do governo da AD com estas manobras traiçoeiras e burocráticas: o de preparar o terreno para a privatização da CP, como já fizeram com tantas outras empresas públicas, nomeadamente a TAP. A cartilha é conhecida: asfixiar empresas estáveis, lucrativas e estratégicas, sabotar a sua gestão, para justificar entregá-las de barato aos seus amigos e patronos capitalistas.

Com a eclosão da greve, e perante a revolta dos utentes, em particular dos trabalhadores das periferias que dependem dos comboios para se deslocarem diariamente para o trabalho – consequência direta do desinvestimento no transporte público alternativo, e no desinteresse do Governo em aliviar esta situação – a direita intensificou os ataques, visando agora o próprio direito à greve.

Luís Montenegro acusou a greve de ser “injusta”, e admitiu a possibilidade de se mexer na lei que regula o direito à greve. Mais tarde, clarificaria que as greves não podem ter “uma prevalência tal que o país pare, literalmente”, acusando a greve de lesar outros direitos, e que “um dia vão ter de pôr cobro a isto”. Rui Rocha, da IL, reforçou: “não há leis intocáveis”.

Estas ameaças ganham peso face à nova composição parlamentar. A direita tem agora uma supermaioria de dois terços, o que lhe permite alterar legislação, e mesmo a Constituição, sem ter de colaborar com a esquerda. Mas mesmo Pedro Nuno Santos, em plena viragem à direita, tinha já admitido “refletir sobre a lei da greve”.

Por mais que Montenegro afirme que o direito à greve “não está em causa”, a sua palavra não vale de nada, quando na mesma frase jura a pés juntos que o Governo fez “tudo para evitar” a greve, quando na realidade foi o Governo que a causou.

A classe trabalhadora tem de preparar-se para um período difícil, em que todos os nossos direitos estarão sob ataque – e não poderá contar com qualquer defesa dentro do sistema parlamentar burguês. Resta-nos uma única e a principal arena de combate: a rua.

Preparar a greve contra o novo governo

Se a direita é tão feroz nos ataques a esta greve, é porque esta a fez tremer. Uma greve de sete dias, com adesão de 100%, que paralisa completamente a ferrovia nacional, é uma demonstração de força tremenda. Relembra-nos, e aos patrões, o poder da classe trabalhadora: sem esta, nenhuma indústria ou serviço da preciosa economia capitalista pode operar.

Mas se vamos usar essa arma, temos de nos preparar para o combate. O próximo Governo será, inevitavelmente, um governo de ataque, um governo de cortes, de privatizações e de austeridade. Um governo que terá na mira a privatização de tudo quanto possível, e recortes nos direitos e nos salários de todos os trabalhadores. Este governo terá de ser combatido com uma greve ainda mais ampla, unificada e determinada.

É urgente ultrapassar as divisões de ofício e trazer os trabalhadores das empresas subcontratadas — como dos bares da CP, também em luta nos últimos anos — e as convocatórias burocráticas de cima para baixo. Para tal, é fundamental convocar já uma assembleia de trabalhadores, que decida democraticamente os próximos passos, mobilize forças e revitalize a luta.

Um dos principais erros desta greve foi não ter procurado aproximar os utentes dos transportes públicos, a esmagadora maioria de classe trabalhadora, à sua luta. Milhares de pessoas, dependentes do comboio, viram-se encurralados nas estações sem aviso ou explicação, exceto aquela dada pela patronal e pelo Governo: a de que os sindicatos são responsáveis pelo caos. Isto abriu espaço para a ofensiva política contra o direito à greve.

Para evitar o isolamento é necessário retomar os métodos históricos de luta de classe trabalhadora: piquetes, propaganda, agitação. É preciso estar nas estações, distribuir panfletos, explicar os motivos da greve. É necessário envolver os utentes — trabalhadores como os da CP — e mostrar que esta luta toca a todos. Sem isso, os meios de comunicação burgueses ocupam todo o espaço e viram a opinião pública contra os grevistas. Uma classe trabalhadora informada e solidária compreenderia os verdadeiros motivos, não cairia nas mentiras e colocar-se-ia do lado dos grevistas.

Na próxima greve estes erros não se podem repetir. Os sindicatos devem-se unir para organizar assembleias democráticas de trabalhadores de toda a empresa, dinamizar os piquetes, e promover a agitação e a imprensa independente da classe trabalhadora. Só assim se constrói uma força capaz de fazer frente ao Governo e aos patrões.

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