O capitalismo está perante uma catástrofe económica. Ainda que alguns tentem justificar esta crise com a guerra imperialista na Ucrânia, a realidade é que a guerra só está a agravar os profundos desequilíbrios e problemas dos quais a economia mundial já padecia. O caos económico que nos ameaça, e para o qual os meios de comunicação cada vez mais alertam, evidencia a incapacidade dos capitalistas e dos seus governos para resolver as graves contradições que o seu sistema arrasta.

Ao que é mencionado nas perspetivas de recessão levantadas por inúmeras organizações internacionais — tais como o FMI e a OCDE —, somam-se ainda outros problemas de grande envergadura: a inflação descontrolada que está a mergulhar milhões de pessoas na miséria e que ameaça gerar uma situação prolongada de estagflação;1 um endividamento público e privado sem precedentes que alcançou 296 bilhões de dólares, ou 350% do PIB mundial, que não existia quando estourou a crise de 2008 e que reduziu agora ao mínimo a margem de manobra dos governos e bancos centrais; ou as diferentes bolhas especulativas que rebentam nas Bolsas de Valores e no mercado de dívida pública, como no sector imobiliário ou de criptomoedas.2 E a tudo isto somam-se ainda os efeitos cada vez mais dramáticos da catástrofe climática na economia.

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A guerra imperialista na Ucrânia só está a agravar os profundos desequilíbrios e problemas dos quais a economia mundial já padecia. O capitalismo enfrenta uma catástrofe económica.

Crise de sobreprodução. Lucros recorde para os capitalistas e miséria para as massas

Tal como em 2008, estamos a falar, em última análise, de uma crise de sobreprodução.3 A produção capitalista é anárquica, procurando desesperadamente o lucro das empresas a curto prazo e, neste processo, expandindo-se além daquilo que o mercado pode absorver. É o que mais uma vez está a emergir. A espiral inflacionária dos preços demonstra exatamente isto. Os grandes monopólios e fundos de investimento estão a fazer um festival de especulação com a energia e os alimentos, obtendo lucros recorde. Mas não há escassez de petróleo, de gás, de alimentos ou de quaisquer outros recursos ou mercadorias. Pelo contrário!

O caso dos alimentos é um bom exemplo. Apesar dos brutais aumentos de preços nos mercados internacionais — 20% no caso do trigo e até 29% no caso do milho —, a FAO declarou que a produção mundial de cereais em 2022/2023 terá uma redução de apenas 1,7%, com um superávit de 847,8 milhões de toneladas. Um superávit abaixo de 2021, que foi um ano recorde, mas acima de 2018, 2019 e 2020. No caso do trigo, cujo aumento foi atribuído à guerra na Ucrânia, a produção deve chegar a 787,2 milhões de toneladas, um novo recorde histórico. E o mesmo pode ser dito para petróleo, gás e outras matérias-primas.

Todo o sofrimento gerado por esta situação sob a forma de fome, empobrecimento massivo, impossibilidade de aquecimento durante este inverno, tem um único beneficiário: as grandes multinacionais e a banca, que estão a enriquecer como nunca com a guerra, praticando a especulação mais obscena. Esta crise vai lançar milhões de pessoas na pobreza e no desemprego e, no entanto, ela é perfeitamente evitável com os imensos recursos e avanços tecnológicos que a humanidade alcançou. Perfeitamente evitável, mas nunca sob capitalismo.

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Todo o sofrimento gerado por esta situação na forma de fome, empobrecimento massivo, impossibilidade de aquecimento durante este inverno, tem um único beneficiário: as grandes multinacionais e a banca.

Nacionalismo económico e guerra comercial. Os EUA encostados às cordas

A crise global é retroalimentada pelo confronto cada vez mais decisivo entre as grandes potências e blocos imperialistas, entre os EUA e a China — com os seus respetivos aliados —, que recorrem ao nacionalismo económico e à guerra comercial numa luta de morte por maiores fatias de mercado, pelo controlo de fontes de matérias-primas e cadeias produtivas e de abastecimento, e para sair da dinâmica à custa um do outro. Um confronto pela supremacia económica que tem a sua continuação natural no âmbito militar e geoestratégico, como vemos na Ucrânia. Tal como explicou Lenin, esta é a dinâmica inevitável sob o capitalismo na sua fase imperialista.

Mantendo-se na esteira do nacionalismo económico de Trump, o governo de Biden e a Reserva Federal (Fed) não hesitaram em adotar uma política que envolve uma guerra comercial agressiva contra o resto dos países do mundo, e inclusive contra os seus principais aliados. A subida das taxas de juro levada a cabo pela Fed e a consequente revalorização do dólar — perto dos 20% — fazem parte desta guerra.

As consequências já são visíveis: o encarecimento da dívida em dólares para muitos países, especialmente os chamados emergentes, levando a defaults massivos e a falências, como aconteceu com o Sri Lanka, ou ao colapso de moedas como a libra ou o iene, que perderam 26% e 20% do seu valor, respetivamente. Uma situação que na Grã-Bretanha, principal aliado dos EUA na guerra imperialista na Ucrânia, obrigou o Banco de Inglaterra a correr desesperadamente para resgatar a economia. Os políticos em Washington e a burguesia estado-unidense estão a exportar a sua crise e a sua inflação, a recuperar a sua força económica contra a China, mas fazem-no à custa de afundar o mundo inteiro, especialmente os seus aliados na Europa e noutras partes do globo.

O enfrentamento com a OPEC é outro bom exemplo disso. As tentativas dos EUA e da UE de controlar e limitar os preços do petróleo para conter a escalada da inflação levaram a um choque direto com a Arábia Saudita, o aliado histórico do imperialismo dos EUA no Golfo Pérsico.

Biden acusou a OPEC de cair nos braços de Putin, e o seu Departamento de Estado está a fazer ameaças de duras represálias contra o regime de Riad. Mas esta política só isolou ainda mais os EUA e a UE internacionalmente, fortalecendo a aliança estratégica da OPEC com a Rússia (e com a China) para manter os altos preços do petróleo e os seus lucrativos negócios. Neste contexto, a manutenção de elevados preços do petróleo contribuirá para aprofundar a recessão mundial e atingirá particularmente os aliados europeus do imperialismo estado-unidense, que são muito dependentes energeticamente.

O aprofundamento desta guerra económica e comercial, das medidas protecionistas, do aumento das taxas de juro e das desvalorizações de moeda para ganhar competitividade no mercado mundial, estão a levar a uma recessão cada vez mais grave e até a uma possível depressão. É o mesmo caminho seguido após o crash de 1929, e que finalmente levou à Guerra Mundial. O nacionalismo económico mostra-se completamente impotente perante o colapso da economia capitalista.

Os EUA continuam a adotar medidas desesperadas para impedir o seu próprio declínio e a ascensão do gigante chinês. Mas a realidade é que tanto os capitalistas estado-unidenses como os seus aliados capitalistas europeus e asiáticos continuam a fazer investimentos recorde na China, numa busca desenfreada por maiores lucros.

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O aprofundamento desta guerra económica e comercial, das medidas protecionistas, do aumento das taxas de juro e das desvalorizações de moeda para ganhar competitividade no mercado mundial, estão a levar a uma grave recessão e a uma possível depressão.

Nos primeiros oito meses de 2022, o investimento estrangeiro direto na China cresceu 16,4%: 58,9% vindo da Coreia do Sul, 30,3% da Alemanha, 26,8% do Japão e 17,2% do Reino Unido. Uma realidade que mostra que, apesar dos problemas dos quais a China também sofre — como, por exemplo, a sua bolha imobiliária —, e do facto de o país não poder escapar da crise global da qual padece o capitalismo, a sua força económica continua a fortalecer-se frente à do seu competidor norte-americano.

E a tudo isto soma-se ainda o perigo de estourarem as enormes bolhas especulativas geradas durante anos de injeções maciças de liquidez aplicadas pelos Bancos Centrais.

O crédito e a dívida, tal como explica o marxismo, são instrumentos para tentar contornar as crises de sobreprodução, alimentando artificialmente o ciclo expansivo, expandindo o mercado para além dos seus limites naturais. As consequências, como vimos no crash de 29 ou na crise financeira de 2008, são desequilíbrios ainda mais destrutivos. E isso também está a acontecer agora. No último ano houve uma forte depreciação dos ativos financeiros globais, muito superior à sofrida em 2008, o que fez com que em questão de meses 37 biliões de euros tenham desaparecido do sistema financeiro e das bolsas de valores! A possibilidade de um novo colapso financeiro está em cima da mesa.

A unidade europeia racha sob os golpes da recessão

No centro desta crise está a Europa, condenada a um contínuo retrocesso na cena mundial para benefício do imperialismo estado-unidense. Uma decadência que se vem a desenvolver desde 2008 e que agora está a dar um salto qualitativo. Enquanto que, entre 2009 e 2020, a taxa de crescimento anual da China foi, em média, de 7,36% e a dos EUA de 1,38%, a da UE foi de 0,48%. Em 2005, a UE representava 20% do PIB mundial. Em 2030, espera-se que esteja reduzida a apenas 10%.

A guerra imperialista na Ucrânia está a levar o continente europeu e a Alemanha, que é o seu motor industrial, a um ponto crítico. A rutura com as fontes de energia barata da Rússia, chave para a competitividade da Alemanha, aplica uma pressão insuportável sobre a indústria alemã e europeia.

Os preços do gás triplicaram em relação a 2021 e multiplicaram-se por 10 em relação a 2019-2020, ou seja, ao período antes da pandemia. No caso da Alemanha, os preços aumentaram em agosto 139% em relação ao ano anterior. Os custos de energia na Europa passaram de 2% para 12% do PIB, afundando a competitividade da indústria alemã e europeia e colocando em cima mesa a possibilidade da destruição de uma parte dela em benefício da China ou dos EUA. O brusco aumento do défice comercial da UE,4 com números recorde desde o início da série estatística, evidencia isto mesmo.

As desesperadas tentativas de encontrar fontes de energia alternativas ou de limitar os preços da energia chocaram com a realidade do mercado capitalista. O Gás Natural Liquefeito (GNL) vendido pelos EUA não só não pode substituir o gás russo como é entre 4 ou 5 vezes mais caro do que este, e o seu preço continua a aumentar devido ao aumento da procura. Esta situação fez com que os preços dos produtos industriais na Alemanha, cuja indústria depende do gás, subissem 46,9% interanualmente em agosto, naquele que é o maior aumento desde o início da atual série estatística, em 1949. Uma situação que coloca a economia alemã entre a espada e a parede: o Deutsche Bank fala de uma possível queda do PIB, em 2023, de entre 3% a 4%, o que significaria uma autêntica hecatombe económica em todo o continente.

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A guerra imperialista na Ucrânia está a levar o continente europeu e a Alemanha, que é o seu motor industrial, a um ponto crítico. A rutura com as fontes de energia barata da Rússia aplica uma pressão insuportável sobre a indústria alemã e europeia.

Um desastre que se dá no contexto de uma espiral inflacionária: pela primeira vez, a UE teve uma taxa de inflação de dois dígitos, 10,2%, e países como a Holanda, a Bélgica, a Polónia e os países bálticos já estão próximos ou acima de 20%. A situação, que não mostra sinais de melhoria e já começa a provocar fortes protestos sociais, condena o continente a uma feroz luta de classes no próximo período.

Esta situação coloca mais uma vez na ordem do dia a precariedade da unidade europeia. Independentemente dos discursos e da propaganda triunfante dos burocratas da UE, a realidade é que a Europa está cada vez mais dividida. Os atritos que já se viram em relação às sanções contra a Rússia continuam a aprofundar-se, e agravam-se as medidas nacionalistas e protecionistas de cada país para enfrentar a recessão. É um “salve-se quem puder” que vai mergulhar a Europa numa crise várias vezes pior do que aquela que o continente viveu há uma década.

As recentes críticas da Comissária Europeia para a Concorrência e de outros governos contra a Alemanha pelo seu plano de ajuda multimilionária às suas indústrias e grandes empresas, 200.000 milhões de euros (8,4% do PIB alemão, o dobro da França ou da Itália), deixou isto claro. Enquanto a Alemanha pode dar-se ao luxo de atuar desta forma, com uma dívida pública de 68,2% do PIB, outros países, como a França (114,5%), a Itália (152,7%) ou o Estado espanhol (116,1%) não podem fazer o mesmo. Mais uma vez, a suposta solidariedade europeia revela-se completamente vazia. Esta é a consequência inevitável de uma unidade europeia sobre bases capitalistas.

A burocracia de Bruxelas e os diferentes governos europeus estão de acordo apenas sobre quem terá pagar pelas consequências desta crise: a classe trabalhadora.

A Comissão Europeia, por exemplo, aprovou uma série de regulamentos para permitir que os governos resgatem os grandes monopólios de energia, tal como aconteceu em 2008 com a banca, e a Alemanha e outros países já estão a resgatar grandes empresas do sector usando a guerra como justificação. Por outro lado, o aumento drástico dos orçamentos militares, a começar pela Alemanha (100.000 milhões), está a significar um negócio fabuloso para as grandes indústrias armamentistas europeias. E enquanto os seus negócios prosperam, pedem-nos, às trabalhadoras e aos trabalhadores, que apertemos o cinto, que nos preparemos para um inverno rigoroso e que aceitemos morrer de frio.

Mais cedo ou mais tarde, a situação insustentável da dívida, que já está a elevar novamente os prémios de risco, levará a UE a regressar às duras políticas de austeridade com mais cortes e ajustes sociais.5 Se isto não é ainda abertamente defendido, é apenas devido ao genuíno terror que sentem a burocracia da UE e os governos perante a possibilidade de explosões sociais incontroláveis.

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A crise capitalista levará a um choque frontal entre as classes, a protestos massivos, a levantamentos e inclusive a crises revolucionárias. E a Europa estará no centro destes processos.

A crise capitalista levará a um choque frontal entre as classes, a protestos massivos, a levantamentos e inclusive a crises revolucionárias. E a Europa estará no centro destes processos. A ascensão da extrema-direita europeia, com sectores cada vez mais próximos do fascismo e com um forte discurso nacionalista, é reflexo da profundidade da crise.

No entanto, o que os burocratas da UE e os governos europeus realmente temem é que essa polarização se expresse como inevitavelmente se vai expressar: revolucionariamente, com greves cada vez mais radicalizadas e combativas, ultrapassando as burocracias sindicais, e com movimentos explosivos de jovens e trabalhadores com métodos de ação direta. Será um terreno fértil para chegar a conclusões socialistas avançadas, para levantar a bandeira do internacionalismo proletário e do comunismo revolucionário.


Notas:

1. Estagflação significa que, apesar da contração económica e, portanto, do menor consumo, se mantém uma situação de inflação elevada. Este fenómeno ocorreu na década de 1920, na Alemanha, ou mundialmente durante a crise do petróleo dos anos 70 do século passado.

2. A maioria das criptomoedas perdeu entre 70 a 90% do valor num ano. Bitcoin, a criptomoeda de referência, já perdeu 60% do seu valor.

3. Marx e Engels, n’O Manifesto Comunista, explicaram que a peculiaridade das crises capitalistas é justamente esta, que são crises de sobreprodução e não de subprodução, como ocorria nos sistemas económicos pré-capitalistas: “Nestas crises surge uma epidemia social que, em qualquer época anterior, teria parecido uma absurdez: a epidemia da sobreprodução. A sociedade encontra-se subitamente recuada a um estado de barbarismo momentâneo; dir-se-ia que uma fome ou uma guerra de devastação universal a privaram de todos os meios de subsistência. A indústria e comércio parecem aniquilados. E porquê? Porque há demasiada civilização, demasiados meios de subsistência, demasiada indústria, demasiado comércio.” O Manifesto Comunista, Fundação Friedrich Engels, página 17, primeira edição, setembro de 2021.

4. O que significa que a UE importa mais do que exporta. O recorde foi alcançado em março, quando as exportações cresceram 14% enquanto as importações cresceram 35%. A desvalorização do euro em relação ao dólar, que encarece as importações, é outro grave problema económico.

5. Na Grã-Bretanha que enfrenta uma situação económica ainda pior, com uma dívida cada vez mais insustentável, o Banco de Inglaterra já levantou a necessidade de cortar 70.000 milhões de euros em despesas sociais.

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