No passado dia 8 de Janeiro, 250 milhões de trabalhadores, estudantes e oprimidos em geral protagonizaram uma greve geral na Índia contra a política social e económica do governo do partido BJP, liderado por Narendra Modi. A elevada participação fez desta a maior greve geral da história do país. Foi convocada pelas dez principais federações sindicais estatais e apoiada pelos dois partidos comunistas que têm representação no Congresso indiano.
Segundo o site indiano de notícias Newsclick, trabalhadores de todos os sectores da economia apoiaram a greve, desde os bancos às empresas de telecomunicações, às tecnologia da informação, etc. A greve foi muito importante na indústria automobilística e nas principais cinturas industriais do país, na mineração de carvão, nos trabalhadores com piores salários e nos trabalhadores agrícolas, onde a força de trabalho é maioritariamente feminina. Os trabalhadores bancários também se uniram massivamente, especialmente os da banca pública, que o governo planeia privatizar.
Entre os trabalhadores do sector público da maioria dos departamentos do país, teve um impacto especial ao desafiar as ameaças do governo central e dos governos locais que anunciaram medidas disciplinares e descontos salariais contra quem participasse.
Mais de 35 milhões de motoristas de autocarro e camiões apoiaram a greve e os transportes públicos nos principais centros urbanos ficaram paralisados.
Houve protestos, bloqueios de estradas e auto-estradas, caminhos-de-ferro parados e manifestações em 482 distritos do país, às quais aderiram centenas de milhares de pessoas. Estudantes de 60 universidades também aderiram à greve. Eles encontram-se em luta há semanas por causa do aumento abusivo das propinas, em alguns casos de 999%, da imposição de uma lei reaccionária às universidades e contra a repressão policial dentro dos campi.
Supremacismo hindu
A greve geral é apenas mais um capítulo do movimento de massas que começou em Dezembro e se espalhou por todo o país. O motivo é a Emenda da Lei de Cidadania (ELC), outro passo na política reaccionária e ultra-nacionalista de Modi e do BJP que visa estabelecer a Índia como uma Hindu Rashtra ou "nação Hindu" que "tolerará" outras etnias e minorias religiosas, etc., desde que aceitem a supremacia hindu. Os seguidores do BJP não escondem que esta política equivale a uma Índia "livre de muçulmanos".
No currículo político de Modi encontra-se, em 2002, quando era o ministro-chefe do estado de Gujarat, o incentivo e liderança de um pogrom no qual entre mil e dois mil muçulmanos morreram. E ainda hoje continua impune. Não apenas Modi, mas também outros líderes proeminentes do BJP, vêm do partido fascista religioso hindu Rashtriya Swayamsevak Sangh (Associação de Voluntários Nacionais ou Associação Patriótica Nacional), uma organização formada por grupos paramilitares à imagem e semelhança dos Camisas Negras de Mussolini.
Segundo a ELC, todas as pessoas terão automaticamente cidadania garantida, excepto os muçulmanos que emigraram para a Índia antes de 2015 provenientes do Paquistão, Afeganistão e Bangladesh. Exclui também os tamils do Sri Lanka. Com esta lei, quase 200 milhões de pessoas tornar-se-ão cidadãos de segunda classe, sem direitos civis e com a ameaça de repatriamento para os seus países de origem.
Esta lei controversa é acompanhada pela intenção do governo de realizar um Registo Nacional de Cidadãos (RNC). O plano piloto foi realizado em Agosto passado no estado de Assam e deixou quase 2 milhões de pessoas, incluindo muitos hindus, sob a condição de apátridas que aguardavam a sua expulsão do país. Cada pessoa é obrigada a provar a sua residência no país desde há várias gerações. Dado que mais de 90% dos quase 200 milhões de muçulmanos são de origem pobre e 74% analfabetos, sem certificados de propriedade ou escolares, muitos serão considerados não documentados e não poderão solicitar asilo no país. O governo começou a prender muitas destas pessoas e tem vindo a colocá-las em centros de detenção construídos para abrigar todos os detidos considerados “ilegais”.
Este tipo de medidas visam dividir a população em linhas religiosas, étnicas e sectárias, mobilizando a base supremacista hindu do BJP para utilizá-la como tropa de choque contra os trabalhadores, os pobres e as castas inferiores e, assim, tentar desviar a atenção das verdadeiras causas das tensões sociais, que são a desigualdade social e a rápida deterioração da economia, intimidando e dividindo a classe trabalhadora. Desta maneira, os ricos e poderosos, as castas superiores que dominam social e economicamente o país, continuam a apropriar-se da riqueza.
Infelizmente para o BJP, para Modi e para a classe dominante indiana, os muçulmanos não foram os únicos a ir às ruas contra a ELC e a RNC. As mobilizações massivas espalharam-se por todo o país e participaram nelas hindus, muçulmanos, cristãos ou sikhs, unidos contra Modi e o seu governo reaccionário. Acima das divisões religiosas ou étnicas, a unidade de classe impôs-se.
A retirada das duas leis juntou-se às exigências económicas, sociais e laborais que levaram dezenas de milhões a participar da greve geral. Os protestos continuam apesar da brutal repressão policial que causou quase 30 mortos e mais de 5.000 detidos. De qualquer forma, o que a repressão conseguiu foi que o movimento seja mais combativo e generalizado.
O ataque a Jammu e Caxemira
A outra frente da política repressiva e ultra-reaccionária de Modi é Caxemira. A 5 de Agosto, revogou o artigo 370 da Constituição, que reconhecia o estatuto especial atribuído aos estados de Jammu e Caxemira há mais de 70 anos. Com isto revogou a sua autonomia e anunciou a reorganização do estado. O território seria dividido em duas partes governadas diretamente de Nova Dheli e tornar-se-ia parte dos "territórios da união", o que significa que estariam sob o controlo direto do governo central. Com a divisão, Modi tenta fazer com que os budistas de Ladakh e os Hindus de Jammu se posicionem ao lado do governo indiano contra os muçulmanos que compõem a maioria da população de Caxemira.
Este ataque provocou a raiva e a indignação da população de Caxemira que imediatamente saiu às ruas para demonstrar a sua oposição. Se Caxemira já era uma das zonas mais militarizadas do mundo, com a presença permanente de dezenas de milhares de soldados, agora o governo enviou milhares de outras tropas e forças paramilitares.
Desde Agosto, a população de Caxemira sofre diariamente a repressão, o cerco, o assédio e a tortura. O recolher obrigatório foi imposto, a região foi fechada expulsando todos os turistas e trabalhadores de outros estados, as linhas telefónicas foram cortadas e a Internet bloqueada. Actualmente, Caxemira está totalmente bloqueada e, além da repressão, a população enfrenta uma escassez de alimentos e outros produtos básicos, incluindo medicamentos.
Com estas medidas repressivas, o governo indiano impede que os 12,5 milhões de habitantes da região alertem o resto do país dos crimes cometidos pelo Estado indiano. O governo também conta com a ajuda do poder judicial, neste caso o Supremo Tribunal, que se recusa a aceitar as queixas decorrentes de violações de direitos humanos pelo Estado em Caxemira.
O ataque a Jammu e Caxemira tem consequências que vão além da Índia. A disputa entre a Índia e o Paquistão sobre a questão de Caxemira causou confrontos militares entre os dois países no passado e este movimento de Modi serve apenas para atirar gasolina ao fogo. Representa um foco de desestabilização nesta zona da Ásia, que já é o epicentro da rivalidade estratégica e política dos EUA e da China.
O governo indiano é um aliado do imperialismo dos EUA na região, enquanto o Paquistão, agora numa situação económica inferior, depende do regime chinês. Caxemira é uma peça-chave para a China, pois o lado paquistanês é muito importante para o Iniciativa Faixa e Rota. Os interesses do capitalismo indiano, que compete com a China pelos mercados, investimentos e recursos da região, também não podem ser ignorados.
A exigência do fim da ocupação e repressão indiana em Caxemira, e o seu direito à autodeterminação, deve ligar-se às exigências sociais, económicas e políticas de centenas de milhares de trabalhadores, jovens e pobres, que estão nas ruas do país há semanas a protestar contra a política reaccionária do BJP e Modi.
Derrotar o governo Modi e a sua agenda de privatização e austeridade
Desde a reeleição do BJP em maio passado, o Executivo aplicou uma política draconiana contra a classe trabalhadora. Modificou e endureceu as leis laborais, favoreceu a extensão do trabalho temporário ou limitou os direitos sindicais e os direitos de greve.
Os sindicatos apresentaram ao governo um programa com 12 exigências, entre as quais o aumento das pensões, um salário mínimo de 21.000 rupias; garantir a proteção e os direitos básicos dos trabalhadores e os subsídios de desemprego para os 73 milhões de desempregados do país — 8% da força de trabalho, a maior em cinquenta anos. Exigem também que seja paralisado o plano de privatização com o qual sectores como os caminhos-de-ferro, unidades de defesa, o petróleo ou a Air India iriam para mãos privadas.
A economia do país não está a passar pelo seu melhor momento. Durante o último ano, o crescimento económico caiu e nos seis anos anteriores, o PIB cresceu abaixo dos 5%. Segundo analistas económicos, apenas para criar o emprego necessário para os 10 a 12 milhões de jovens que entram no mercado de trabalho todos os anos, a Índia precisaria de crescer acima dos 8%.
Os anos de boom económico e industrialização não mudaram as condições de vida e pobreza em que vive a maioria da população. Segundo dados do Credit Suisse Group, na Índia, o 1% mais rico possui 52% da riqueza do país. A parcela da riqueza dos 10% mais ricos aumentou de 68,6% em 2010 para 77% em 2018. No outro extremo, segundo a FAO, um quarto da população sofre de fome extrema, quase 60% vive com menos de 3,10$ por dia e mais de 250 milhões sobrevivem com menos de 2$ por dia.
Em 2014, o BJP chegou ao poder com o slogan "Made in India". A sua pretensão era conseguir que as multinacionais fabricassem na Índia para o resto do mundo. Seriam criados cem milhões de empregos. A meta era que o sector manufatureiro passasse de 16% para 25% do PIB em 2015.
Embora tenha atraído alguns investimentos, a manufactura ainda não excede os 17% do PIB e milhões de trabalhadores estão desempregados. Por outro lado, os que têm trabalho mantêm-no em condições de extrema precariedade e insegurança. Dois terços dos trabalhadores laboram em empresas com menos de dez funcionários, a maioria sem direitos laborais. A Índia possui o maior sector informal da economia de todos os países chamados "emergentes".
Os dois grandes partidos de esquerda, o Partido Comunista da Índia (M) e o Partido Comunista da Índia, embora tenham apoiado a greve geral, infelizmente sujeitam a luta de massas às instituições burguesas "democráticas" e ao poder judicial, que já demonstrou de que lado está. Nos últimos anos, quando estiveram no governo, como é o caso do PCI(M) em Bengala Ocidental, aplicaram a mesma política favorável às grandes empresas, o que fez com que em 2011 perdesse as eleições estrondosamente e ainda não tenha recuperado todos os votos perdidos nestes anos.
A única maneira de defender os direitos laborais, sociais e democráticos, derrotar o governo reaccionário e autoritário do BJP, é através da mobilização da classe trabalhadora, da juventude e dos oprimidos da Índia. Quebrando a estratégia reformista dos dirigentes da esquerda, adoptando um programa internacionalista de oposição ao capitalismo indiano. Somente com base num programa socialista e revolucionário os trabalhadores e oprimidos da Índia poderão superar as divisões nacionais sectárias, religiosas e de casta.