As eleições autárquicas que se irão realizar a 12 de outubro de 2025 ocorrem num contexto de polarização social e repetidos ataques aos imigrantes, aos portugueses descendentes de imigrantes e às camadas mais oprimidas da classe trabalhadora.
Um pouco por todo o País, candidatos do PS, independentes e, principalmente, da direita e extrema-direita, utilizam os imigrantes como bode expiatório para todos os problemas das suas freguesias e concelhos. Não há habitação? A culpa é dos imigrantes. Não há creches? A culpa é dos filhos dos imigrantes. Os hospitais estão sobrelotados? É culpa dos imigrantes.
Esta retórica mentirosa tenta ocultar os verdadeiros culpados pelos problemas que as populações enfrentam no dia-a-dia: os sucessivos executivos, quer a nível nacional, quer a nível autárquico, e um sistema capitalista que se orienta exclusivamente para o lucro.
Prova de fogo
Estas eleições autárquicas ocorrem num contexto bastante diferente das realizadas em setembro de 2021. Na altura, estávamos em pandemia, o PS governava e ganhou as eleições autárquicas, embora com algumas perdas significativas como Lisboa.
Nos últimos quatro anos, o cenário político alterou-se radicalmente. Realizaram-se três eleições legislativas e a direita voltou ao poder. O Chega irrompeu decisivamente no panorama político — é aliás do seu grupo parlamentar que surgem 44 dos seus candidatos autárquicos — e prevê-se que irá reforçar a sua presença autárquica por todo o País. Já o PS, e o seu recém-eleito Secretário-Geral José Luís Carneiro, pretendem manter o maior número de Câmaras e reconquistar algumas capitais de distrito, em particular Lisboa e Coimbra. À esquerda, apenas o PCP é ainda relevante e lutará para manter os seus 19 municípios, o que se prevê impossível, tendo em conta os resultados obtidos nos últimos atos eleitorais.
A polarização social associada ao perigo da extrema-direita poderá levar muitos trabalhadores a optar pelo “mal menor” do PS para parar a direita e a extrema-direita nas autarquias. Mas ao PS e à esquerda não basta comparecer a jogo. É necessário uma política que responda às necessidades dos trabalhadores. É necessário enfrentar os lobbies da especulação imobiliária e do turismo, em primeiro lugar, apresentando medidas concretas para resolver a crise da habitação e como é que vamos conseguir efetivar essas medidas. Nada disto tem sido feito como sabemos e por isso mesmo devemos estar bem conscientes que apenas o perigo da extrema-direita poderá não ser suficiente para mobilizar o eleitorado mais à esquerda. Foi aliás essa a principal lição retirada das legislativas de 2024.
Nas grandes cidades e áreas metropolitanas os problemas de habitação, transportes e falta de serviços públicos gratuitos e de qualidade repetem-se. Onde governam, PS e CDU pouco mais fazem do que limitar-se a tentar gerir o capitalismo nos seus concelhos, apoiando privatizações, a precarização dos trabalhadores e negociatas, tal como o PSD. No entanto, continuam a existir diferenças relevantes face à direita e principalmente à extrema-direita. A Esquerda Revolucionária não apoia nenhum candidato em particular e reconhecemos as limitações da política burguesa, inclusive ao nível autárquico. No entanto, seria errado praticar a abstenção e não votar nestas eleições para travar a direita e a extrema-direita, tendo em conta as opções existentes concelho a concelho.
O perigo que autarquias da extrema-direita representam é real e terá consequências diretas nas vidas de milhares e milhares de trabalhadores e suas famílias. A campanha eleitoral em curso tem mostrado infelizmente aquilo que de pior poderemos esperar destas forças políticas.
A direita e o PS atacam a periferia de Lisboa
Nos concelhos periféricos a Lisboa, em particular Amadora, Almada, Odivelas, Loures e Sintra, a campanha da direita e da extrema-direita foca-se na criminalização dos trabalhadores e moradores mais pobres e dos imigrantes.
Na Amadora, a candidata pelo PSD, Suzana Garcia, leva a cabo uma campanha marcadamente racista. Nos seus materiais de campanha, a porção dedicada a eleitores e munícipes não-brancos é inexistente. Esta candidata sabe bem para quem fala e quem lhe dará votos: a pequena-burguesia branca. Prometeu erradicar a Cova da Moura com o apoio do Governo, certamente para aproveitar os terrenos para um novo empreendimento de luxo. E prometeu aumentar o policiamento de proximidade para aumentar a repressão sobre os jovens das famílias trabalhadoras.
Eleita pela primeira vez há 4 anos, tendo ficado como vereadora sem pelouro, Suzana Garcia é mais uma prova de que o PSD convive e nutre políticos racistas e xenófobos que em pouco ou nada se distinguem da extrema-direita e que representam os mesmos interesses imobiliários de sempre.
Mas a Câmara Municipal, nas mãos do PS há décadas, nada fez para resolver os graves problemas de habitação. As rendas no concelho da Amadora aumentaram 47% em cinco anos e é hoje o concelho com maior densidade populacional do País. Milhares de agregados familiares continuam a viver em bairros auto-construídos há décadas, enquanto outros bairros foram demolidos e os seus moradores expulsos à força e realojados nos limites do concelho, atirados para a periferia da periferia, com pouco acesso a transportes e serviços.
A mesma Câmara que implementou, há mais de uma década, medidas securitárias e a criminalização dos moradores pobres. É totalmente conivente com a brutalidade policial da vergonhosa esquadra de Alfragide, cujo homicídio de Odair Moniz é apenas o caso mais recente, e com os despejos forçados e a presença regular do corpo de intervenção em vários pontos da cidade.
Em Loures, a situação é igualmente grave. O incumbente do PS, Ricardo Leão, leva a cabo uma política de criminalização dos trabalhadores que, devido à crise da habitação, recorrem à auto-construção e lutam por um tecto. O bairro do Talude Militar, com vista para o rio Tejo, é o caso mais gritante. Contra ordem judicial, e por mais de uma vez, a Câmara de Loures recorreu a forte dispositivo policial e demoliu violentamente várias barracas, deixando famílias inteiras na rua.

Ricardo Leão aliás assenta a sua campanha eleitoral nestes “feitos”, não se distinguindo em nada de um candidato da extrema-direita. A sua preocupação não é resolver o gravíssimo problema de habitação que Loures também atravessa, mas culpar os moradores pobres, acusando-os de viver em barracas porque querem e de serem manipulados pelo movimento Vida Justa, que tem prestado auxílio material e jurídico a estes moradores.
Ao atual Presidente da Câmara de Loures junta-se Ricardo Lima, também PS, e Presidente da Junta de Freguesia da Portela e Moscavide, que criou recentemente um “gabinete de Defesa da Identidade Local” vocacionado para a delação de habitação ilegal e/ou sobrelotação de apartamentos, num claro ataque à população imigrante. Uma política de extrema-direita e indistinguível daquela que seria seguida por autarcas do Chega.
De notar que Ricardo Leão, a propósito da proposta de querer despejar famílias inteiras se um dos seus elementos tivesse participado nos motins que se seguiram ao homicídio de Odair Moniz, chegou a ser confrontado por figuras de proa do PS, como o ex-Primeiro-Ministro António Costa mas, como sempre acontece com os reformistas, o máximo que lhe aconteceu foi demitir-se da concelhia de Loures do PS.
Lisboa: uma cidade “para inglês ver”
Os quatro anos de presidência de Carlos Moedas, candidato pela coligação PSD/IL/CDS, não só aprofundaram todas as tendências dos anteriores executivos socialistas como, em linha com a atuação do governo central, trouxeram novos e preocupantes ataques aos mais oprimidos da cidade.
A Lisboa de Moedas é um parque temático para turistas e para as classes altas. Em 2024, Lisboa registou 15,7 milhões de dormidas — cerca de 43 mil por dia! — um número absolutamente astronómico e muito acima da capacidade das infraestruturas da cidade. Hotéis a cada quarteirão, alojamentos locais (AL) às centenas, lojas de souvenirs e restaurantes da moda encheram o centro histórico e expulsaram os residentes dos bairros. Nestas freguesias, entre 40 a 60% dos alojamentos foram convertidos em AL.
Moedas esbanjou dinheiro dos trabalhadores para a burguesia do turismo e para a sua auto-promoção política através de eventos como a Web Summit — para onde choveram milhões de euros retirados à Carris, por exemplo — ou as Jornadas Católicas, onde, além do dinheiro gasto, serviram de mote para a remoção dos sem-abrigo através de uma política discriminatória.
Uma montra que enche os bolsos a senhorios e fundos imobiliários, mas que contrasta com a realidade. A cidade está mais suja, com piores transportes, com pior habitação e com preços mais elevados nos serviços. Não é uma cidade para a classe trabalhadora que foi expulsa para localidades a 1 ou 2 horas de distância do seu local de trabalho e que são quem de facto faz a cidade funcionar. Esta é uma cidade só para os mais ricos.
A passagem de várias responsabilidades da Câmara para as freguesias com recursos insuficientes atolou a cidade em ainda mais lixo. Os pontos de recolha são insuficientes e é comum, em várias zonas da cidade, encontrar lixo acumulado durante vários dias. Este cenário de resto não é incomum nos concelhos acima mencionados. Esta lógica de descentralização burocrática é mais cara, providencia um pior serviço às populações e piores condições de trabalho.
E o recente acidente no ascensor da Glória é paradigmático desta lógica de corte nos custos de manutenção, aquilo que não se vê nem dá votos. A sobrelotação por via do turismo, por um lado, a negligência grosseira da Câmara ao longo de vários anos com a terceirização da manutenção, por outro, explicam totalmente o ocorrido que ceifou a vida a 16 pessoas. Esta política de cortes que é seguida na grande maioria dos municípios de norte a sul e ilhas é uma política criminosa e que não está ao serviço das populações.
Ganhe quem ganhar precisamos de uma política diferente
Ainda que o PS ganhe estas autárquicas é óbvio que existirá um reforço das vereações e Câmaras à direita, em especial do Chega. No entanto, mesmo em municípios PS, como vimos no caso de Loures, não está garantida uma política que responda às nossas necessidades. Independentemente de quem ganhar, é necessário que nós, trabalhadores e jovens, continuemos a lutar por melhores condições de vida para todos, nacionais e imigrantes.
Precisamos de habitação digna e acessível, com controlos ao turismo, às rendas e a expropriação do imobiliário devoluto para reabilitação e reconstrução de habitação camarária e pública. Podemos e devemos também transformar esta habitação em residências para os estudantes. Necessitamos de mais e melhores transportes colectivos, de alargar o passe Navegante até mais longe, abrangendo uma área metropolitana que não pára de aumentar. Melhorar igualmente as deslocações dentro da área metropolitana e não apenas no sentido periferia - centro. É ainda necessário melhorar e investir nos serviços públicos como creches, escolas, hospitais, centros de saúde e de apoio aos idosos.
Por último, é necessário terminar, de uma vez por todas, com políticas de criminalização dos pobres e imigrantes. Estas políticas racistas, xenófobas e discriminatórias é que criam um clima de insegurança para estes trabalhadores e promovem divisões artificiais entre trabalhadores nacionais e estrangeiros.
O nosso inimigo comum é o sistema capitalista que funciona apenas para o lucro, não quer saber das nossas vidas e que potencia o crescimento da extrema-direita. A nível local ou central é contra ele que temos de dar a batalha.