Com o verão de 2022 a bater recordes de temperatura, tendo sido precedido por um inverno invulgarmente seco e com temperaturas mais elevadas do que o habitual, o país encontra-se agora numa situação de seca meteorológica — com 44,8% do território em condição de seca extrema — e enfrenta a pior seca hidrológica dos últimos 100 anos. Com os caudais dos rios e os níveis dos reservatórios drasticamente baixos estão colocados em risco quer o abastecimento às populações quer a produção agropecuária.

Neste momento vários municípios têm já de transportar água através de camiões cisterna para encher depósitos de aldeias após os furos que as abasteciam terem secado. Múltiplos concelhos têm água para menos de um ano e procuram esticar este período com o encerramento de piscinas públicas ou limitando o uso de água para regas e diversas outras atividades. As medidas do governo para mitigar a seca focam-se maioritariamente no consumidor doméstico e incluem o aumento da tarifa para os grandes consumidores domésticos de água nas zonas onde a seca hidrológica é mais crítica, o que vários municípios recusam. É um braço de ferro fútil que não resolve nenhuma das principais causas da seca: a privatização e progressiva destruição dos serviços públicos responsáveis pela gestão da água e a utilização insustentável de água pela burguesia.

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Os interesses privados na gestão da água incluem os grandes grupos da agropecuária, o turismo, a mineração e a indústria.

O negócio da água em Portugal

O governo de Cavaco Silva privatizou em 1993 o sector da água, um bem essencial à vida, transformando-a em mais uma mercadoria para especulação e lucro. Vários municípios  liderados pela direita, principalmente no Norte e Centro do país, adotaram, contra a vontade das populações, um modelo de concessões a empresas privadas como a INDAQUA e a AQUAPOR ou Parcerias Público-Privadas (PPP), ficando com os encargos de investir na expansão e manutenção da rede enquanto as empresas privadas arrecadam os lucros. Apesar de 80% da população ser atualmente abastecida pelo grupo estatal Águas de Portugal (AdP), a sua privatização já foi colocada em cima da mesa diversas vezes, incluindo pelo governo PSD-CDS liderado por Passos Coelho.

A estratégia dos sucessivos governos tem sido a de desmantelar as estruturas públicas de fundos, trabalhadores e meios de forma a que estas percam a capacidade de assegurar a gestão e a planificação dos recursos hídricos e sejam consequentemente privatizadas ou substituídas por privados para, daí em diante, o Estado subsidiar a burguesia apesar da sua gestão perniciosa. A extinção, em 2013, do Instituto da Água, que regulava o sector, foi mais um passo no sentido de proteger o capital privado.

Os interesses privados na gestão da água incluem os grandes grupos da agropecuária — responsáveis por 75% do consumo de água a nível nacional —, do turismo — só os campos de golfe no Algarve consomem 20% do total anual de água canalizada na região —, mineração e indústria. Com a privatização da EDP, também em 2013, e, mais recentemente, com a venda de várias das suas barragens à Engie — multinacional francesa — a gestão de parte das albufeiras ficou sob o controlo de interesses privados, sobrepondo os lucros com a produção de energia nas barragens hidroelétricas às necessidades hídricas das populações, acentuando-se a manta de retalhos dos interesses privados.

Como resultado as redes de abastecimento urbanas estão degradadas ao ponto de todos os anos se perder um quarto da água captada para consumo humano; o nível mínimo do caudal dos rios não é cumprido pelas empresas que controlam as barragens hidroelétricas; a agropecuária e indústrias intensivas continuam a poluir intensamente os aquíferos, ameaçando a água destinada ao consumo humano. Que as medidas propostas pelo governo incidam maioritariamente sobre o consumo doméstico, uma pequeníssima parte do consumo total, enquanto não toca num cêntimo dos negócios da burguesia é querer atirar-nos poeira para os olhos sobre a origem do problema. 

Estas medidas insultuosas vêm juntar-se aos gigantescos custos da água para as populações dos cerca de 30 municípios com a gestão privada. Dos 25 municípios onde a gestão da água é mais cara, 24 são geridos por concessionários privados. É uma diferença brutal, de mais de 5 vezes, entre o município mais barato, Régua, e os mais caros, Santo Tirso, Trofa e Vila do Conde, geridos pela INDAQUA — o abastecimento necessário para uma família de 3 pessoas durante um mês, 10.000 litros de água, custa 45€ e 250€, respetivamente. Estes valores exorbitantes e serviço deficitário têm levado as populações dos municípios com concessionárias privadas a mobilizar-se pela gestão pública. Conseguiram-no nos últimos anos as populações de Carrazeda de Ansiães, Mafra e Penacova, não sem que os municípios tivessem de pagar chorudas indemnizações aos privados pela rescisão dos contratos de concessão.

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A gestão feita pelo Estado burguês não garante a qualidade do serviço nem as condições dos trabalhadores, como prova a greve de junho na AdP, a maior de sempre. É necessário o controlo democrático da água por trabalhadores e populações.

Exigimos o controlo democrático da gestão da água! Queremos a água como um bem público, gratuito e universal!

Mas como vimos, sob gestão do Estado burguês a privatização do sector é sempre um perigo, e nem a qualidade do serviço nem as condições dos trabalhadores são garantidas. Prova disso foi a greve a 30 de junho dos trabalhadores da AdP, a maior de sempre do setor, reivindicando aumentos salariais, o fim do trabalho precário, a contratação de mais trabalhadores, um regime de carreiras e a atribuição de um suplemento de penosidade, insalubridade e risco. Décadas de subfinanciamento deixaram todos os serviços públicos em crise, do SNS e educação à água, abrindo caminho aos privados. Defendemos o controlo democrático da gestão da água por trabalhadores e populações, através de uma empresa pública única bem financiada capaz de coordenar os projectos a nível nacional e local.

Na busca perversa pelo lucro, a burguesia criou as condições para uma crise ecológica e social mundial. O mês de julho deste ano foi o 3º mais quente desde que há registo e enquanto grande parte dos países sofrem de seca outros, como o Paquistão, enfrentam cheias catastróficas. A isto junta-se a fome e a miséria que crescem a cada dia enquanto os capitalistas especulam com os preços dos alimentos, da água — que entrou para a bolsa de valores em 2020 —, e de outros bens essenciais. A classe trabalhadora produz o suficiente para satisfazer as necessidades de toda a população mundial, mas todos os recursos e riqueza produzidos encontram-se nas mãos da classe dominante, servindo apenas os seus caprichos. A única opção da nossa classe é o choque frontal com os interesses da burguesia.

É necessário avançarmos para a reforma agrária entregando a terra a quem a trabalha e para a expropriação das maiores empresas portuguesas, como as do sector da energia e da banca, sem indemnização e sob controlo democrático dos trabalhadores. Só assim poderemos controlar a economia, gerir a água e restantes recursos de forma sustentável, investir nas infraestruturas necessárias para garantir água potável de qualidade e gratuita para toda a população e avançar para a geração de energias limpas, seguindo um plano a longo prazo para travar e reverter a crise climática.

A água é um bem essencial à vida: deve ser pública, gratuita e de acesso universal!

O capitalismo mata o planeta. Só o Socialismo o pode salvar!

Junta-te à Esquerda Revolucionária!

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