As alterações climáticas converteram-se numa realidade e num perigo grave para o futuro do planeta e da Humanidade. São uma consequência directa da acção humana, ou melhor dizendo, da lógica e funcionamento do sistema de produção capitalista. Em 2016, o Congresso Internacional de Geologia determinou que acabámos de entrar numa nova era geológica: denominada “Antropoceno”[1], marcada pela pegada humana, deixada como consequência do desenvolvimento da sociedade industrial desde há pouco mais de dois séculos.
Paradoxalmente, os actuais avanços científicos permitiriam começar a travar estas alterações climáticas e garantiriam um mundo ecologicamente sustentável. No entanto, sob o capitalismo, sem uma planificação democrática da economia e priorizando a obtenção do máximo benefício a curto prazo como é próprio das multinacionais capitalistas, tal tarefa apresenta-se impossível.
O sistema capitalista destrói o planeta
Desde o início da luta contra as alterações climáticas nos finais dos anos 70 do século passado, e especialmente após a Conferência do Rio de Janeiro de 1992, as coisas não melhoraram nem foram corrigidas, demonstrando quão impossível se torna resolver esta questão sobre a base de um sistema que funciona com critérios de mercado. Em 2013, as emissões de dióxido de carbono (CO2) tinham sido incrementadas em 61% em relação a 1990, aumentando 1% anualmente durante os anos 90, e 3,4% na década de 2000. O aumento dos gases de efeito de estufa (GEE) provocou um aumento em média de 0,8ºC da temperatura global, e em 2015 acordou-se, aquando do Acordo de Paris, limitar esta subida de temperatura global a 2ºC pelo final deste século.
Para alcançar estes muito modestos objectivos, exigiam-se medidas drásticas — e não os remendos acordados em Paris — como a redução das emissões destes gases por cerca de 40% antes de 2021, e uma redução anual nos países desenvolvidos de entre 8 a 10%. De facto, ao ritmo das emissões actuais, o Banco Mundial prevê um aumento de 4 graus das temperaturas até ao final deste século, o que representaria uma autêntica catástrofe: seriam perdidos 60% da produção de milho americano e de trigo na Índia, cereais essenciais na alimentação da população mundial. A existência de inúmeras formas de vida, incluindo a nossa própria espécie, encontrar-se-ia ameaçada.
Tal também implicaria vários outros perigos, consequências do vínculo existente entre os diversos ecossistemas que a Terra alberga. A acidificação[2] dos oceanos é apenas um dos exemplos destes perigos. Esta consequência das alterações climáticas já causou a morte de 50% dos recifes de coral do planeta, e calcula-se que poderão desaparecer completamente pelos meados deste século se não forem tomadas medidas drásticas e imediatas. Os recifes de coral são o equivalente marítimo das selvas e bosques que existem em terra firme e que absorvem o dióxido de carbono da atmosfera, formando com este os seus esqueletos. A morte destes ecossistemas significaria que grande parte do CO2 por nós emitido deixaria de ser absorvido ou transformado, contribuindo assim para um ainda mais elevado aquecimento do planeta. Algo semelhante ocorre com o plâncton, que sofreu um desaparecimento de 30% no Oceano Índico, onde era mais abundante.
Existem numerosos exemplos: a extinção de espécies e destruição da biodiversidade, desflorestação — como consequência, principalmente, da indústria pecuária — e o derretimento dos glaciares polares e do permafrost[3] em regiões geladas, como na Sibéria. O efeito deste último poderia ter consequências definitivas para toda a vida, pois libertar-se-iam toneladas de metano para a atmosfera, um gás dez vezes mais poluente e potente que o dióxido de carbono. São estas e outras múltiplas ameaças que interrelacionam e destacam a interconexão existente entre os distintos elementos e sistemas da natureza, e a necessidade de abordar o problema de uma forma global, internacional, e planificada sobre uma base de critérios exclusivamente científicos.
Conferências do clima: muita conversa e pouca acção
Tanto o Protocolo do Rio, como, posteriormente, o de Kioto e o de Paris, propõem medidas capitalistas para travar as mudanças climáticas, sendo a sua prioridade número um a defesa do meio-ambiente sem, no entanto, efectivar qualquer medida que possa afectar o comércio mundial, querendo dizer, o livre mercado entre capitalistas. E qual é o resultado, após mais de quatro décadas? Uma deterioração acelerada, ainda mais do que o esperado, da situação do planeta, enquanto se cria uma fonte de negócio e especulação que em nada trava a degradação do meio-ambiente, e que por sua vez enche os bolsos de muitos capitalistas. Estes, e os seus representantes políticos em diferentes governos, puseram em marcha incentivos fiscais, subsídios e ajudas, e outras medidas semelhantes em benefício das multinacionais, entre as quais se destacam, curiosamente, petrolíferas, empresas de gás e companhias automóveis, convertendo-se assim as alterações climáticas num novo e muito rentável negócio!
Por exemplo, o Protocolo de Quioto criou um mercado de emissões. Os capitalistas podem negociar comprando e vendendo percentagens de emissões, gerando-se um mercado especulativo. Se algum país polui menos, em vez de o deixar estar, de modo a assegurar a redução de emissões, as emissões desse país “que sobram” podem ser vendidas, continuando assim a contribuição para a poluição ambiental, e por consequência, o aumento da temperatura do planeta. Um autêntico absurdo, próprio de um sistema caduco como é o caso do sistema capitalista. E isto sem contar com a corrupção inerente a este sistema, tal como foi constatado graças ao esquema da Volkswagen e dos seus motores problemáticos. Esta lógica doente do mercado levou inclusivamente ao surgimento de “futuros climáticos”, valores especulativos com os que negociar na Bolsa, e que desde 2005 se vão elevando de 9.700 milhões a 45.200 milhões de dólares.
Outro efeito é a privatização massiva de bosques para receber os chamados “créditos de carbono”, uma forma de as multinacionais de combustíveis fósseis ou eléctricas — responsáveis pelo espessamento das emissões de CO2 — maquilharem os seus balanços a respeito das ditas emissões, publicitando-se como companhias “verdes” ao mesmo tempo que alimentam a especulação e a corrupção existente neste lucrativo mercado que nasce em torno das emissões e das alterações climáticas.
Por outro lado, numerosas emissões ficaram excluídas de ditos protocolos, como a contaminação gerada por grandes navios contentores que sulcam os oceanos hasteando bandeiras de países que não exigem o cumprimento de quaisquer normas ambientais, e cujo tráfego tem aumentado em 400% em 20 anos. Também a pecuária industrial — desenvolvida massivamente para abastecer uma demanda irracional de carne, algo negativo para a nossa saúde — contribui em grande parte para o aumento dos gases de efeito de estufa, através das emissões de metano do gado, representando entre 19 a 29% da emissão total dos GEE, uma quantidade maior que a emissão total de todos os transportes a nível mundial.
Há que denunciar também as mentiras sobre os progressos saídos do Acordo de Paris. Países como a Alemanha ou o Reino Unido não fizeram mais do que exportar a sua poluição para países em vias de desenvolvimento, onde a regulação ambiental é inexistente ou ridícula, em consonância com as leis laborais. As deslocalizações furto da globalização não só têm permitido afundar os salários e destruir as condições laborais, como têm contribuído notavelmente para a emissão de gases de efeito de estufa e para a aceleração da destruição ambiental.
Um estudo de 2011, publicado pela revista da Academia Nacional de Ciências dos EUA, indicou que o incremento das emissões, consequência da produção de bens em países em vias de desenvolvimento, com o objectivo de serem consumidos em países industrializados, é seis vezes superior à quantidade de emissões reduzidas nestes ditos países industrializados; ou seja, as emissões reduzidas na Europa, fruto das deslocalizações, multiplicam-se por seis vezes quando estas indústrias são instaladas em países em vias de desenvolvimento.
Os responsáveis por esta degradação e destruição ambiental têm nomes e apelidos. Um estudo[4] revelou que entre 1750 e 2010, 63% das emissões de CO2 e metano foram consequência da actividade de 90 multinacionais, enquanto que 30% correspondiam a apenas 20. As empresas de petróleo e gás, responsáveis por grande parte da poluição mundial, são as mais rentáveis do mundo[5] e, ao mesmo tempo, recebem enormes quantidades de dinheiro público por meio de vários subsídios, calculando-se que nos últimos anos esta quantidade se aproximou de cerca de um bilião de dólares. Outro bom exemplo é o Exército dos Estados Unidos, o maior consumidor de petróleo do mundo, que só em 2011 emitiu 56,6 milhões de toneladas métricas de CO2 para a atmosfera, mais que ExxonMobil e Shell conjuntas.
É possível outro modelo energético
De facto, as alterações climáticas não são alheias à luta de classes e aos interesses antagónicos destas. O bem-estar da imensa maioria da população choca com a existência da propriedade privada dos principais recursos naturais e energéticos do planeta, que pertence a poucos. Um punhado de capitalistas, apenas algumas centenas, concentram na sua posse a propriedade da indústria e das terras. São eles mesmos quem determina o que e como se produz, atendendo unicamente ao seu lucro privado. O aspecto central é o modo de produção, e é neste que reside a raiz do problema.
A estrutura energética ou de transporte pode ser hoje transformada rapidamente. Um estudo da Universidade de Stanford, dirigido por Mark Z. Jacobson, indicou que em 2030, 100% da energia mundial, para qualquer fim, poderia ser proveniente de fontes naturais como o vento, a água e recursos solares. Não obstante, os capitalistas não têm interesse em realizar os investimentos necessários, preocupados exclusivamente com o seu benefício individual imediato.
Além disto, o carácter caótico do capitalismo reflecte-se perfeitamente na competição feroz entre os diversos capitalistas, impedindo assim qualquer tipo de planificação racional e científica que permita a luta contra as alterações climáticas, entre outras coisas. A recente decisão de Trump de retirar o país do Acordo de Paris é uma nova constatação da incapacidade da burguesia de resolver aspectos tão decisivos para o nosso futuro, pois é parte do problema e não da solução.
Expropriar a burguesia para salvar o planeta
Durante várias décadas o discurso dominante tem sido de carácter reformista, que em vez de propor o final do sistema capitalista, causa principal das alterações climáticas, defendem uma posição de reforma deste sistema, procurando torná-lo ecológico. Tal discurso leva os reformistas a culpabilizar a própria população pela situação, tratando de centrar o debate exclusivamente na questão da consciencialização e consumo responsável. Independentemente da boa-fé de muitos comportamentos e acções individuais, o problema central é como organizar a produção. Muitos partidos verdes têm vindo a participar em governos por toda a Europa e a realidade não tem mudado nem um ápice, sendo aplicadas por muitos deles as mesmas políticas de cortes, privatização e desregulamentação, contribuindo para a eliminação de qualquer controlo que poderia travar a degradação ambiental. O melhor exemplo foi a nefasta acção do Partido Verde alemão, num governo conjunto com o SPD entre 1998 e 2005, que levou avante o maior programa de ajustes e privatizações desde o pós-guerra.
Não se trata de gerir melhor o capitalismo. É necessário expropriar as principais alavancas da economia. As empresas eléctricas, as petrolíferas ou as multinacionais de transportes, em mãos públicas e sob o controlo democrático dos trabalhadores, seguindo critérios exclusivamente científicos e em benefício dos interesses da imensa maioria, poderiam ser transformadas, desaparecer, ou ser rapidamente substituídas por energias limpas.
Necessitamos de dar um passo em frente e começar a reverter os efeitos catastróficos que o sistema capitalista e o seu modo de produção está a causar ao planeta. Durante os últimos anos temos assistido a uma autêntica rebelião de país após país contra as políticas de austeridades e os cortes. Tais políticas contribuem directamente para multiplicar o caos capitalista e a miséria de milhões de pessoas, e também a degradação ambiental e a destruição de numerosas fontes de riqueza natural como a água, a biodiversidade, os mares e o ar.
É necessário impulsionar um movimento ecológico anticapitalista que não aceite a lógica do sistema e que, baseado na força dos movimentos vistos nestes últimos anos, una as reivindicações ecológicas com as reivindicações sociais, estabelecendo um programa ecológico autenticamente revolucionário que aponte os culpados, os capitalistas, e que exija a sua expropriação de modo a tornar possível um planeamento democrático de uma economia sustentável que preserve e aproveite ecologicamente as riquezas deste planeta. Podemos construir um mundo melhor.
[1] Época durante a qual a actividade humana alterou a face, a fauna e a atmosfera da Terra, tendo início em meados do século XX.
[2] Nome dado à actual descida do pH dos oceanos da Terra, causado pela absorção de dióxido de carbono antropogénico contido na atmosfera.
[3] Camada de solo permanentemente congelada nas regiões polares.
[4] Informação do Climate Accountability Institute do Colorado, que também indica que metade das emissões históricas de CO2 e metano foram produzidas desde 1986.
[5] Entre 2001 e 2010, as cinco maiores acumularam um lucro líquido de 900 mil milhões de dólares.