Por habitação digna e pública, expropriar os bancos, fundos imobiliários e grandes rentistas!
Cada vez mais famílias de classe trabalhadora se veem incapazes de pagar as rendas. O preço das rendas de novos contratos subiu 10% em 2024. Lisboa, com um valor médio de 1200€, é a cidade mais cara da Europa em relação ao custo de vida, face a salários completamente estagnados.
Começando por esvaziar o centro das cidades, a classe trabalhadora vê-se cada vez mais exilada para as periferias e, nesta fase da crise capitalista, a crise da habitação já atingiu um ponto em que nem aí se consegue encontrar casa. Como resultado, cada vez mais pessoas se veem forçadas à condição de sem-abrigo, ou a procurarem outras soluções para além do mercado imobiliário tradicional.
A luta das Marinhas do Tejo é a luta pela habitação
Em nenhum outro concelho isto é tão visível quanto em Loures, o 4º maior concelho em termos de população da Área Metropolitana de Lisboa e um dos que mais tem crescido, principalmente à conta de trabalhadores imigrantes, servindo como dormitório para Lisboa. O bairro das Marinhas do Tejo, em Santa Iria da Azoia, é paradigmático. Desde há dois anos trabalhadores imigrantes, vindos originalmente de São Tomé e Princípe, e descendentes dessa comunidade, começaram por ocupar um edifício devoluto pré-existente, antes de se expandir, começando a construir as suas próprias habitações. Agora, cerca de 100 pessoas vivem em 3 imóveis e 15 habitações autoconstruídas, em condições bastante precárias.
Desde dezembro que a autarquia de Loures tem vindo a esmagar os esforços de autoconstrução dos moradores do bairro. Começaram por afixar em cada uma das portas um aviso de que as habitações seriam demolidas num prazo de 48 horas. Os moradores do bairro resistiram a esse ultimato e, perante a pressão assim gerada, têm conseguido que a autarquia vá sucessivamente atrasando a data da demolição — primeiro para 31 de janeiro, depois para 17 de março e, por enquanto, indefinidamente.
Noutros bairros de Loures, a autarquia já demoliu habitações. No bairro do Talude, foram sete no início de março. Enquanto os seus habitantes, também eles imigrantes são-tomenses, estavam a trabalhar, chegaram os bulldozers, sem qualquer aviso prévio, e destruíram as suas casas e tudo o que continham, atirando-os à condição de sem-abrigo.
No bairro das Marinhas do Tejo, a pretensa solução apresentada pela Câmara Municipal de Loures, em janeiro, foi imprimir folhas A4 com uma compilação de anúncios do Idealista, OLX e outras plataformas, e entregá-los aos moradores, para que se desenvencilhassem. Esta não é solução: ninguém vive em condições tão precárias como estas por opção. Mas com as rendas cada vez mais inacessíveis, conseguir um contrato de arrendamento torna-se impossível.
E para muitos trabalhadores imigrantes, basta que o agente imobiliário ouça o sotaque para que desligue logo a chamada, com um racismo atroz que a burguesia usa para explorar ainda mais estes trabalhadores.
A 27 de março, a Câmara Municipal de Loures anunciou que 44 dos moradores das Marinhas do Tejo seriam realojados em habitação social, providenciada através de um programa do governo. É uma solução incompleta e insuficiente, conquistada apenas através da luta dos moradores.
Não só em Loures, mas por toda a Área Metropolitana de Lisboa e em diversos outros pontos do país, situações como a do bairro das Marinhas do Tejo e do Talude repetem-se: autarquias a demolir os bairros autoconstruídos, alegando uma luta contra a precariedade, mas sem dar nenhuma solução viável para os desalojados.
As demolições são só a ponta do iceberg
As demolições dos bairros autoconstruídos são casos particularmente graves, que afetam uma camada particularmente explorada da classe trabalhadora — os trabalhadores imigrantes, racializados, e os seus descendentes. Mas esta é apenas a faceta mais severa de uma crise da habitação que toca já toda a classe trabalhadora.
Mais de 70% dos moradores na Área Metropolitana de Lisboa estão em situação de sobrecarga financeira para pagar as despesas com a habitação, com a maioria chegando mesmo a gastar mais de metade dos seus rendimentos para cobrir as despesas da habitação, uma pressão insustentável que leva a cada vez maior precariedade.
Para os estudantes de classe trabalhadora, a habitação torna-se também o maior entrave à entrada no ensino superior, com relatos de estudantes a pagarem 700 a 880 euros de renda sem contrato, um valor equivalente ao Salário Mínimo Nacional.
Outro fenómeno preocupante é o aumento do número de crianças em risco e sem casa digna. É cada vez mais comum as altas de bebés recém-nascidos serem adiadas por carência habitacional. Esta é uma forma de violência racista e classista estatal bastante perniciosa, e um dos principais receios dos moradores dos bairros autoconstruídos. Casos como o de Ana Paula, uma moradora do bairro do Talude cuja casa foi demolida, e que foi depois ameaçada por uma assistente social de que, se não encontrasse casa, seria reportada junto da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens, que lhe poderia retirar os filhos, incluindo o recém-nascido.
Isto tudo acontece enquanto 15% das casas em Lisboa se encontram desocupadas, e em condições de serem habitadas. É um aparente paradoxo que revela que a causa da crise da habitação não é a falta de construções, mas a sua gestão à base de um mercado imobiliário dominado por fundos imobiliários que preferem negar a habitação à classe trabalhadora, aumentando a pressão e inflacionando os valores das rendas.
E tal como não é a falta de habitação que causa a crise, não poderá ser o seu aumento, com projetos como a Lei dos Solos, que procura entregar ainda mais terrenos para a especulação imobiliária, para lucro das imobiliárias e de certos dirigentes políticos no seu bolso, alegando fazê-lo em proveito da classe trabalhadora. Nada disso. A única solução para esta crise passa, necessariamente, pela expropriação dos fundos imobiliários, a banca e os grandes rentistas, que negam a habitação à classe trabalhadora e fazem desse direito fundamental uma forma de lucro milionário.
E só o povo se poderá salvar desta crise.
PS de Loures despeja e demole sem oferecer solução
O PS conquistou a Câmara Municipal de Loures à CDU nas últimas eleições autárquicas de 2021, em grande parte por Bernardino Soares não apresentar uma resposta aos problemas da habitação. Chegou mesmo a levar a cabo demolições de habitações autoconstruídas sem oferecer solução durante a pandemia.
Mas o atual presidente da câmara, Ricardo Leão, do PS, está decidido a elevar os ataques a outro nível. Já em 2023, fez um ultimato a 1225 famílias que tinham rendas em atraso: ou pagam nos próximos 90 dias ou são despejados. Em outubro do ano passado mantinha o plano de despejar 550 famílias por não pagarem rendas.
Pela mesma altura Ricardo Leão aprovaria uma recomendação do Chega, que permitia despejar de casas municipais quem comete crimes. Isto no contexto das revoltas que se seguiram ao assassinato racista de Odair Moniz às mãos da polícia. Defendeu ainda o despejo “sem dó nem piedade” também das suas famílias.
Este foi um escândalo que causou incómodo dentro do próprio PS. Apesar disto Pedro Nuno Santos manteve a sua confiança no autarca, obrigando António Costa a atacar publicamente o autarca, numa tentativa de manter o PS com uma aura de esquerda, enquanto continua numa viragem à direita. O mesmo Ricardo Leão, então recém-eleito presidente da Federação da Área Urbana de Lisboa, a estrutura responsável pela definição da orientação política do partido, foi assim obrigado a demitir-se. De nada serviu a palmada de Costa: recentemente voltou a afirmar que “qualquer nova edificação ilegal será imediatamente demolida”.
Os ataques à habitação social continuam há já vários anos, com as autarquias aproveitando qualquer oportunidade e desculpa que possam usar para despejar famílias de classe trabalhadora e alimentá-las aos lucros dos fundos imobiliários. É um fenómeno que se repete por todo o país. Defendemos a construção de habitação social mas esta situação deixa claro como, enquanto a habitação social estiver nas mãos destes autarcas e governadores burgueses, será apenas uma solução parcial para a crise da habitação, muito àquem das nossas necessidades.
Outras soluções terão de ser alcançadas.

Só a organização manterá os bulldozers à distância!
O que separa o bairro das Marinhas do Tejo do bairro do Talude, e dos vários outros bairros demolidos pelas autarquias ao longo dos anos, é o esforço de resistência dos seus moradores e, em particular, a sua auto-organização, fomentada pelo movimento Vida Justa.
A Vida Justa tem vindo a promover assembleias no bairro, nas quais os moradores têm sido capazes de expressar as suas queixas e planear como melhor resistir às ameaças de demolição. É também assim que se têm conseguido mobilizar e captar atenção mediática para o seu caso, mostrando a várias outras comunidades nas periferias de Lisboa de que não estão sozinhas e de que resistência é possível contra o avanço dos bulldozers.
Não é a habitação social providenciada pelo governo, nem o apelo a autoridades maiores do Estado – nomeadamente o Presidente da República – que salvaguardarão os bairros autoconstruídos, mas esta luta dos seus moradores e a sua organização.
É a organização dos moradores que tem salvado o bairro das Marinhas do Tejo da demolição, a única solução para a classe trabalhadora se resgatar da crise da habitação. Têm de se organizar esforços semelhantes em todos os bairros, tanto naqueles que estão em risco de ser despejados ou demolidos, como nos que ainda não estão — mas que poderão ficar a qualquer momento, por capricho dos negócios capitalistas.
Têm de se organizar assembleias em todos os bairros e, dessas assembleias, surgir comités capazes de levar a cabo o trabalho de resistência contra os despejos, as suas demolições, e todas as demais agressões à classe trabalhadora. E esses comités, por sua vez, terão de se coordenar a nível local, regional e nacional, de maneira a conseguirmos criar uma força capaz de fazer frente aos capitalistas que nos exploram e ao Estado que lhes serve de músculo nesse esforço.
Nenhuma solução que não passe pela auto-organização da nossa classe é viável a longo prazo. Qualquer desculpa pode ser usada por governos burgueses para nos tirar a habitação social que eles controlem e as instituições só nos vão dar soluções, por mais limitadas que sejam, em resposta à nossa luta, por receio da nossa força.
A habitação não pode ficar sujeita aos caprichos do lucro capitalista. É um direito, e a única maneira de o salvaguardar é através do planeamento democrático da habitação. Para isto se levar a cabo, é necessário começar com a expropriação em massa dos fundos imobiliários, que mantêm as casas vazias, e pô-las sob gestão de comités democráticos, organizados por decisão de assembleias de moradores dos bairros.
O que se está a exigir não é irrealista — é apenas retomar o que foi feito na Revolução Portuguesa, quando comités de moradores tomaram controlo dos seus bairros, quando os moradores dos bairros de barracas ocuparam casas para viver, e quando os bairros autoconstruídos finalmente se viram livres das ameaças de demolição. O que se seguiu foi uma melhoria imensa da qualidade de vida da classe trabalhadora portuguesa, da qual usufruíram as gerações posteriores, mas que hoje se vê cada vez mais regredida à miséria existente no tempo do fascismo.
Gerações de trabalhadores portugueses nasceram e foram criados em bairros ocupados, autoconstruídos, autogeridos. Para garantir habitação dígna teremos de voltar a tomar o poder, construamos o socialismo!
Organiza-te no teu bairro para defesa contra os despejos e as demolições!
Junta-te à Esquerda Revolucionária para lutar pelo socialismo!