A União Europeia bateu este ano o recorde de área ardida. Em Agosto já eram mais de 660 mil hectares de terra queimada. Portugal, até à data, conta com mais de 100 mil hectares — este ano ocorreram 5 dos 10 maiores incêndios no país desde que há registo.
Os meios de comunicação social pintam estes incêndios como uma tragédia natural, o resultado de um verão anormalmente quente. Mas tanto a quantidade de área queimada como a forma que os incêndios deflagraram tem como fator principal a atividade humana — ou, mais precisamente, o sistema capitalista, a economia organizada ao serviço do lucro.
Nem a natureza nem “as pessoas”. É o capitalismo!
No verão de 2021 assistimos a outras “anomalias” climáticas, entre as quais se contaram cheias na Europa e temperaturas recorde na América do Norte. No verão deste ano, 2022, a onda de calor que assolou a Europa resultou, só em Portugal, em mais de 1.000 mortes.
Este aumento das temperaturas é mundial, e a frequência de fenómenos extremos é a primeira demonstração de que aqui há muito pouco de “natural”. No passado já existiam cheias, ondas de calor, grandes incêndios florestais, etc., mas tudo isto é hoje muito mais grave e frequente. Um estudo realizado pela Universidade do Estado de Washington, nos EUA, revelou que na década entre 2010 e 2020 as ondas de calor foram sete vezes mais frequentes do que na década de 1980!
As causas das alterações climáticas estão bem documentadas, e como não podem negá-las, os meios de comunicação da classe dominante tentam responsabilizar-nos a todos pelo que está a acontecer. A verdade é que, desde 1988 até hoje, um grupo de 100 empresas foi responsável por 71% das emissões de gases com efeito de estufa, e 51% dessas emissões couberam às 25 maiores empresas de combustíveis fósseis! A insistência na responsabilidade individual, na culpa das “pessoas”, é uma tentativa de esconder uma realidade de exploração desenfreada e destrutiva do planeta feita por um pequeníssimo grupo de grandes empresas capitalistas.
Os incêndios florestais e o capital
As catástrofes florestais são igualmente o subproduto do capitalismo. Além da poluição atmosférica, estes incêndios resultam em primeiro lugar da forma como se produz madeira em capitalismo. A busca de lucro — que nunca olha a meios ou consequências — é o que faz com que as grandes empresas mantenham o tipo de árvores que compõem as florestas em Portugal, e com a falta de cuidados que resulta nos danos que sofremos todos os anos.
Hoje, a floresta em Portugal ocupa cerca de 1/3 do território. Mais de 80% dela é propriedade privada e, do território florestal total, 48% é ocupado por eucalipto e pinheiro-bravo. Estas duas espécies são o terreno perfeito para os incêndios: o eucalipto é uma espécie que consome muita água, deixando o terreno seco; o pinheiro-bravo, por sua vez, é das poucas espécies que se dá bem em solos arenosos. O problema é que ambas as espécies são árvores que ardem muito facilmente — não é por acaso que, em 2017, ano do incêndio de Pedrógão Grande, 90% da área ardida era ocupada por eucaliptos e pinheiros bravos!
Porque é que se insiste então em manter tanta área florestal com eucalipto e pinheiro-bravo? Pelo lucro. Esta “tragédia natural” tem ganhadores e perdedores: produzir eucalipto e pinheiro-bravo sem qualquer cuidado de manutenção tem consequências mortais para a população rural, mas beneficia os capitalistas do sector. As duas árvores são árvores de crescimento rápido. Para os capitalistas, num setor que ocupa 2,5% do PIB nacional (só a produção florestal gera mais de 800 milhões de euros por ano), não há tempo a perder.
Assim, vemos que enfrentar a crise climática e os incêndios florestais exige um choque com o capital. Rejeitando este choque, qual tem sido a resposta dos governos PS? Em 2005, projetou-se o Sistema Integrado das Redes de Emergência e Segurança em Portugal (SIRESP), destinado a assegurar comunicações móveis nos casos de emergência e segurança. Com um custo de mais de 500 milhões de euros, o SIRESP é mais uma parceria público-privada que teve apenas um concorrente ao concurso “público”.
Para os capitalistas envolvidos, o negócio foi brilhante: logo em 2016, foram distribuídos mais de 10 milhões de euros em dividendos aos acionistas. Ao mesmo tempo, dissolveu-se toda a estrutura pública de proteção das florestas, nomeadamente pela supressão do Corpo Nacional de Guardas Florestais, e manteve-se o corpo de bombeiros dependente de voluntários e com severas faltas de equipamento. O resultado só pode ser o aumento dos incêndios e da área ardida.
Mais escandaloso ainda é o facto de já por várias vezes ter sido afirmado pelos bombeiros — e demonstrado na prática — que o SIRESP tem graves falhas, e a isto acrescenta-se Paulo Viegas Nunes, o militar na presidência do SIRESP, ter culpado os bombeiros que arriscam e perdem vidas na luta contra os incêndios, falando da “falta, muitas vezes, de entendimento do funcionamento da rede” e de como “existe necessidade de formação no sentido lato do termo”.
Nada disto importa para Costa. Perante estes gigantescos incêndios, o governo pretende manter o SIRESP sob controlo privado. A nacionalização e o controlo democrático de um sistema de emergência e segurança nacional é assunto tabu: não se questiona o capital.
A situação dos vários corpos de bombeiros é realmente assustadora: em 2016, mais de 90% dos bombeiros eram voluntários e os poucos profissionais recebem até 9 vezes menos que um GNR que combata os mesmos incêndios florestais, ao que se acrescenta o envelhecimento das corporações — os vários corpos assinalam a necessidade de dezenas de novos bombeiros a curto prazo. Não é por acaso que as grandes empresas de papel mantêm o seu grupo privado de bombeiros. A Navigator Company, dona de 20% da floresta portuguesa, com lucros de mais de 1,5 mil milhões por ano, tem de manter meios privados para deter os fogos porque sabe que a oferta pública não é suficiente.
É preciso levantar um programa socialista!
É por isso que fazer frente aos incêndios florestais implica uma luta contra o capital em dois grandes eixos: uma luta internacional contra as alterações climáticas para impedir o aumento das ondas de calor que vimos este verão; uma luta pelo investimento nos serviços públicos que consigam salvar a floresta, prevenir e controlar o mais eficazmente possível todos os incêndios.
A classe dominante não abdica dos seus lucros para evitar a poluição nem abdica dos apoios do Estado à banca e às suas grandes empresas — recursos que poderiam ir para os corpos de bombeiros. A única solução é a planificação da economia de acordo com os interesses da nossa classe e sob o nosso controlo democrático. Somos nós, trabalhadores e a juventude, quem sofre com as alterações climáticas e com os incêndios.
É preciso levantar um programa genuinamente socialista e assente na luta da classe trabalhadora e da juventude, que passe pela nacionalização sem indemnização da indústria papeleira, pela nacionalização da terra, pela nacionalização do SIRESP, pela realização de um plano de restauração da floresta, por um investimento massivo em todos os corpos de bombeiros e sistemas de emergência, pela profissionalização de todos os bombeiros e a reativação do Corpo Nacional de Guardas Florestais. Por fim, e para financiar todo este programa, é indispensável a nacionalização da banca sob controlo democrático dos trabalhadores e sem indemnização para os capitalistas.
A luta contra os incêndios só pode ser efetiva se for também uma luta contra o capitalismo e pelo socialismo!