Não à intervenção imperialista!

Haiti, um dos países mais pobres do mundo, é um barril de pólvora pronto a explodir. Desde há meses que as greves e os protestos nas ruas, nas quais participam dezenas de milhares de pessoas, se tornaram um cenário habitual. As tensões sociais e políticas têm chegado a níveis insustentáveis e, no decorrer das semanas, as mobilizações têm ganhado intensidade, até se terem tornado num movimento de massas insurrecionista para acabar com as terríveis condições de vida do povo e contra o governo corrupto de Ariel Henry, fantoche do imperialismo estado-unidense.

Anos de instabilidade e crise social

Apesar da atual onda de mobilizações ter começado no início deste ano, a realidade é que são a continuação das que ocorreram em 2016 e que se estenderam para os anos seguintes com várias greves gerais. Para além disso, em 2018 a luta de massas reverteu a intenção do governo de eliminar os subsídios dos combustíveis, um triunfo que animou o povo a continuar por este caminho de luta.

Em Janeiro deste ano começaram as greves no setor têxtil para exigir salários dignos e acabar com a sobre-exploração que sofrem os trabalhadores haitianos nas fábricas de roupa, nas quais a maioria da mão-de-obra são mulheres. A primeira greve eclodiu num dos centros industriais mais importantes do país, o Caracol Northern Industrial Park, que agrupa mais de 60.000 pessoas. O têxtil é o principal setor industrial do país e fabrica roupa para empresas como a Zara, Nike e H&M.

O Haiti também se converteu numa fábrica de mão-de-obra barata para a manufatura dos Estados Unidos. Dezenas de empresas norte-americanas utilizam as maquiladoras haitianas para montar produtos que depois importam novamente. Obtêm lucros enormes ao aproveitar-se de jornadas laborais que ultrapassam, em muitos casos, as 12 horas diárias, a troco de um salário de 120 dólares mensais que não cobre as necessidades básicas de alimentação ou transporte. 

Mas a indústria apenas acolhe 3% dos trabalhadores, a grande maioria da população trabalha no setor informal ou no campo, onde as condições laborais são ainda mais precárias, sem qualquer tipo de regulamentação ou proteção. Em fevereiro, a pressão das greves e os protestos laborais obrigaram o governo a subir o salário mínimo em 54%, fixando-o em 7,5 dólares diários, muito longe dos 15 dólares que exigem os trabalhadores.

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O Haiti converteu-se numa fábrica de mão-de-obra barata para a manufatura dos Estados Unidos.

Pobreza e miséria generalizadas

A subida do salário mínimo não conseguiu acabar com a indignação popular, e os protestos alcançaram um novo nível em setembro, quando o governo anunciou, mais uma vez, o fim dos subsídios aos combustíveis e o aumento do preço do gás.

Assim que a medida foi anunciada, a população saiu massivamente para as ruas. As principais cidades, entre elas a capital Port-au-Prince, ficaram bloqueadas e paralisadas pelas barricadas. Os escritórios bancários e das grandes empresas de importação converteram-se no objeto da ira das massas.

O Haiti, como muitos outros países, sofre uma espiral inflacionária e um aumento generalizado dos preços dos produtos básicos. Os alimentos já subiram 52% este ano. Com a retirada das subvenções, o galão de gasolina passaria de 2 para 4,78 dólares, o gasóleo de 3 para 5,60 dólares e o querosene, imprescindível para cozinhar, passaria de 3 a 5,57 dólares.

Mais de 80% da população haitiana vive abaixo do limiar da pobreza. A desnutrição infantil é endémica, escasseia a água potável, a tuberculose e a malária são uma epidemia constante entre os mais pobres, e é o primeiro país moderno no qual apareceu um surto de cólera. Há uma carência crónica de médicos, medicamentos básicos e quase não há infraestruturas hospitalares.

Toda a raiva acumulada contra o governo e o imperialismo vieram ao de cima, e o propósito já não é só melhorar as condições de vida, o principal objetivo agora é expulsar o primeiro-ministro e o governo.

Gangues armados e um Estado em decomposição

O primeiro ministro Ariel Henry, que também atua como presidente do Haiti, chegou ao cargo em julho de 2021, após o assassinato do anterior presidente Jovenel Moïse. Henry não foi eleito em eleições e, na prática, encabeça uma ditadura. As eleições deviam ter sido realizadas há dois anos, mas o Senado e o Parlamento não se reúnem há muito tempo. [Henry] foi nomeado a dedo pelo Core Group, encabeçado pelos embaixadores dos Estados Unidos, Canadá, Alemanha, França, Espanha, União Europeia e Brasil, e que controla o país desde a saída das tropas da ONU. Os imperialistas esperavam que Henry estabilizasse a situação mas aconteceu precisamente o contrário.

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O primeiro-ministro Ariel Henry, que também atua como presidente do Haiti, chegou ao cargo em julho de 2021, após o assassinato do anterior presidente Jovenel Moïse.

O Estado haitiano está desmantelado e os grupos armados controlam uma boa parte do país e da economia. O seu poder converteu-se num problema preocupante para os capitalistas haitianos e os imperialistas. Estes gangues têm crescido nos últimos anos, protegidos por um setor da elite haitiana e estão vinculadas com o exército e a polícia.

Segundo uma sondagem da organização de direitos humanos Sant Karl Lévèque, entre 40% e 60% dos oficiais da polícia têm ligações com os gangues. O maior é conhecido como G9, dirigida pelo polícia Jimmy “Barbecue” Chérizier, que tem laços com um setor da burguesia haitiana e com o partido governante, o Partido Haitiano Tét Kale (PHTK).

As armas que usam vêm dos Estados Unidos e até agora a sua principal fonte de rendimento eram os sequestros, que triplicaram nos últimos anos e tornaram o Haiti no país com mais sequestros do mundo. Mas os seus métodos de financiamento diversificaram-se e atualmente também se dedicam a roubar o combustível que entra no país, bloqueando os principais portos e terminais, ao ponto de que já controlam 70% do combustível armazenado.

Neste contexto de grave crise económica, desemprego e pobreza extrema, os gangues também são um pólo de atração para muitos jovens que não só procuram proteção, como também de rendimento, uma vez que já são um dos principais empregadores do país.

O terremoto de 2010 e o furacão de 2017 permitiram ver o poder dos gangues quando bloquearam e controlaram o transporte da ajuda procedente da ONU. Este organismo viu-se obrigado a negociar com eles para que declarassem uma trégua e assim permitir que a ajuda chegasse à população.

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O Estado haitiano está desmantelado e os gangues armados controlam uma boa parte do país e da economia.

A situação é muito preocupante para o imperialismo ocidental, não só por causa do poder dos grupos armados, mas também porque pode triunfar um movimento revolucionário com as implicações que isso teria em todo o continente.

Uma longa história de invasões imperialistas

Este medo é a razão para que, nas últimas semanas, o governo haitiano, o secretário-geral da ONU e os porta-vozes de outros governos capitalistas ocidentais estejam a pedir insistentemente uma intervenção militar estrangeira para “estabilizar” a situação.

No passado dia 15 de Outubro, os Estados Unidos apresentaram uma resolução no Conselho de Segurança da ONU legitimando a implantação de tropas estrangeiras no Haiti, apontando que a invasão seria composta por tropas norte-americanas e canadianas. Estes dois países são os que têm mais interesses económicos no país.

A ingerência imperialista no Haiti tem uma longa história. Durante quase três décadas, os Estados Unidos apoiaram as ditaduras de François “Papa Doc” Duvalier e depois a do seu filho, Jean-Claude “Baby Doc” Duvalier, apoiando todas as atrocidades cometidas pelas forças paramilitares haitianas treinadas pela CIA, os infames Tonton Macoutes.

O caos e a instabilidade que sofreram deram um salto em 2004, quando um golpe de Estado patrocinado e financiado pelo imperialismo norte-americano derrubou o governo democrático de Jean-Bertrand Aristide, o primeiro presidente eleito democraticamente na história do país, a quem sequestraram, puseram num avião e levaram para a República Centro Africana. Aristide tinha ganhado as eleições com uma ampla maioria, e embora se baseasse num modesto programa de reformas, isto era intolerável para os interesses dos capitalistas haitianos e os seus amos imperialistas.

A situação piorou com a ocupação do país pelos capacetes azuis da missão da ONU para a estabilização do Haiti (MINUSTAH). Esta invasão estrangeira prolongou-se durante 13 anos, de 2004 a 2017. Vários países participaram liderados pelo Brasil, mas as suas supostas credenciais “democráticas” foram expostas quando impediram o retorno de Aristide e impediram o seu partido, o Fanmi Lavalas, de concorrer às eleições. As tropas estrangeiras tiveram de abandonar o país quando foram revelados diversos escândalos e atrocidades cometidas pelas “forças de paz” da ONU, entre elas violações massivas de menores, torturas, assassinatos ou repressão violenta dos protestos.

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As tropas da ONU tiveram de abandonar o país quando foram reveladas violações massivas de menores, torturas, assassinatos ou repressão violenta dos protestos.

Não à invasão militar estrangeira no Haiti!

Uma nova invasão militar imperialista não tem nada a ver com direitos humanos ou a defesa da democracia no Haiti. Apenas é uma nova tentativa de obter o controlo direto, de proteger os interesses económicos das multinacionais ocidentais e esmagar qualquer tentativa de insurreição revolucionária das massas haitianas. A população opõe-se esmagadoramente a uma nova invasão militar e essa é uma das razões pelas quais há presença de bandeiras russas e chinesas, porque para muitos são os únicos países que combatem e enfrentam o todo-poderoso império norte-americano.

O imperialismo ocidental, em conjunto com os capitalistas haitianos, mergulharam o país na catástrofe e na decomposição. A única saída para as massas haitianas é derrubar o governo corrupto de Henry e acabar com o sistema capitalista que é a base da exploração e da pobreza que sofrem há décadas.

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