“Mesmo toda uma sociedade, uma nação, ou todas as sociedades existentes simultaneamente, como um todo, não são os donos da Terra. São simplesmente os seus possuidores, os seus beneficiários, e têm de a legar em estado melhorado às próximas gerações, como bons chefes de família."

- Karl Marx, Terceiro Volume d’O Capital

Antropoceno na era do Capital

A Humanidade surgiu na Terra há cerca de 1 milhão de anos. Na luta por sobreviver e prosperar, alterou radicalmente os seus ecossistemas. Ao moldar a natureza às nossas necessidades, moldámos a nossa própria evolução biológica e social. O desenvolvimento da agricultura e da sociedade de classes, assim como da indústria moderna, representaram saltos titânicos na nossa relação com a natureza, acelerando drasticamente o nosso impacto sobre toda a vida do planeta. Apesar da juventude da nossa espécie quando comparada com os 4,5 mil milhões de anos da Terra, inaugurámos uma nova era geológica: o Antropoceno, onde a actividade da sociedade humana impacta decisivamente a evolução das restantes formas de vida.

O Antropoceno na era capitalista, em que os meios de produção e reprodução da vida se encontram nas mãos de uma ínfima minoria, constitui o seu estádio inferior e destrutivo. Nas suas mãos, o conhecimento técnico não está ao serviço da prosperidade humana e da sustentabilidade ambiental, mas sim da lógica febril da acumulação privada. Hoje, as 26 pessoas mais ricas do mundo detêm tanta propriedade como os 3,8 mil milhões que compõem a metade mais pobre. Apenas 100 empresas são responsáveis por 71% das emissões de gases com efeito de estufa desde 1988. Começou a 6ª extinção em massa e a burguesia dirige a humanidade a todo o vapor para o abismo da destruição climática.

O que propomos, no entanto, não é fazer retroceder a roda da história, fantasiando o regresso à “vida do campo” ou aos caçadores recolectores — onde a nossa esperança média de vida mal excedia a do chimpanzé. Muito menos aceitamos a visão reaccionária que olha para a humanidade como um cancro na natureza. A ideia da humanidade contraposta à natureza nasce em capitalismo, com o desenvolvimento da indústria moderna e a migração de milhões de camponeses, que viviam intimamente ligados à natureza, para grandes centros urbanos. Essa ideia perecerá com o capitalismo.

Nós, marxistas, não rejeitamos avanços técnicos. Damos as boas-vindas ao Antropoceno! A burguesia, na sua marcha cega para a acumulação de capital, não consegue evitar desenvolver as forças da sua própria destruição: a grande massa de despossuídos, o proletariado tem o interesse e o potencial para derrubar o capitalismo e construir uma sociedade que beneficie a maioria. Com o controlo dos meios de produção, a classe trabalhadora poderá levar a cabo um investimento massivo em energias limpas, planear a limpeza de rios e oceanos, assim como da própria atmosfera. Poderemos inclusivamente restaurar espécies essenciais para a vida como a conhecemos, e que hoje se encontram em vias de extinção. Em suma, poderemos não só prevenir a catástrofe que o capitalismo cria como ainda inaugurar uma era de verdadeiro domínio humano sobre as forças da natureza; o Antropoceno socialista.

A impossibilidade do capitalismo verde

Há mais de 30 anos que os líderes burgueses de todo o mundo reconheceram as alterações climáticas, em particular o aquecimento global, como um problema central a nível planetário. Cimeira após cimeira são-nos apresentados cenários e perspectivas cada vez mais desastrosas. Os dirigentes burgueses mais esclarecidos reconhecem que o impacto das alterações climáticas também afectará os seus lucros e riqueza a longo prazo. Ainda assim, ano após ano, a burguesia é incapaz de chegar a acordo sobre medidas eficazes. As taxas sobre emissões de carbono, que tentaram colocar limites de emissões a Estados e empresas, foram um falhanço. Mesmo os subsídios públicos a energias renováveis, uma medida mais promissora pelos seus elementos de intervenção estatal — i.e. de alguma planificação económica —, nunca funcionaram e, após a crise de 2008, entraram em declínio à medida que a burguesia se dedicou a viver cada vez mais do rentismo dos seus Estados, cortando o financiamento destes programas de transição energética.

Perceber a impossibilidade de a burguesia resolver um problema que a afectará a longo prazo implica ter em conta a lógica interna do capitalismo, particularmente na sua era decadente. A competição desenfreada pelo mercado mundial e a natureza caótica da produção de mercadorias, exacerbadas pela crise, levam à incapacidade de planeamento por parte da burguesia. Uma cooperação a nível mundial, necessária para travar as alterações climáticas, é inconciliável com a luta por lucros trimestrais. O burguês luta, em primeiro lugar, pelo seu lucro particular. Nessa luta, a sua ferramenta mais poderosa continua a ser o Estado-nação. Assim se explica a atitude dos governos estado-unidenses face aos protocolos de Kyoto em 1998 e, mais recentemente, aos acordos de Paris em 2015. A burguesia yankee recusa-se a pagar pelas alterações climáticas.

Olhando para a China, podemos entender a profundidade destas contradições. Por um lado, a intervenção estatal possibilitou o crescimento acelerado da produção de energia solar, catapultando a potência ascendente para a posição de líder mundial do sector. Por outro lado, a China tornou-se em simultâneo o maior emissor de CO2 do planeta, mostrando-se incapaz de ultrapassar o uso de combustíveis fósseis como o petróleo e o carvão.

A deterioração das relações entre as potências imperialistas apontam-nos claramente o futuro que o capitalismo nos reserva, tão distante dos sonhos liberais e reformistas de uma transição energética nos limites do mercado. O “capitalismo verde” não passa de um rótulo para vender mercadorias. Só resolve os problemas de consciência da pequena-burguesia endinheirada.

Em menos de duas décadas a lista de guerras por petróleo é extensa: Afeganistão, Iraque, Líbia, Síria. A tentativa de golpe de Estado em curso na Venezuela é apenas o último exemplo deste caminho ruinoso. Trump e Bolsonaro, ambos negacionistas das alterações climáticas, são os rostos do capitalismo da nossa era.

Só a classe trabalhadora tem a solução

Ao contrário dos mitos anti-ecologistas propagados por todos os difamadores do marxismo, Marx foi pioneiro na sua análise sobre a inter-relação entre a humanidade e a natureza, assim como das consequências ecológicas do capitalismo. Mais tarde, o primeiro Estado Operário do mundo — a Rússia Soviética — foi pioneiro no desenvolvimento de políticas ecologistas abrangentes. Sob a direcção do Partido Comunista de Lenin e Trotsky, as primeiras reservas naturais do mundo foram criadas, de forma a conservar a natureza e a avançar no seu estudo científico. A primeira metade da década de 1920 foi marcada por uma política revolucionária em relação à gestão da terra, das florestas e dos oceanos. A contra-revolução estalinista marcou o fim deste caminho iniciado pela classe trabalhadora, mas não apagou o seu legado.

Relembrar a história e colocar de novo a classe trabalhadora no centro da luta contra as alterações climáticas nunca foi tão urgente. Não há tempo para os jogos sangrentos da burguesia mundial, que passeia entre cimeiras e guerras. Não há tempo para as falsas soluções de consumo “ecológico” individual que são propagadas por todos os porta-vozes da burguesia e da pequena-burguesia — essa culpabilização de trabalhadores e pobres pela destruição que causa o capitalismo.

Nem o mercado, nem os Estados burgueses oferecem qualquer solução. Tentar conciliar os lucros da burguesia com a salvação da humanidade, em suma, tentar encontrar uma solução dentro dos limites do capitalismo, é afundar a humanidade na barbárie, e possivelmente levá-la à extinção.

O movimento ecologista, hoje liderado pela pequena-burguesia e até por elementos da burguesia, mas composto por uma crescente base jovem e proletária, deve ligar-se à luta da classe trabalhadora nos locais de trabalho. Só a classe trabalhadora, pela sua capacidade não só de parar como de controlar a produção, tem as armas para derrubar o capitalismo. A greve mundial climática do próximo 15 de Março, convocada por estudantes numa resposta magnífica ao apelo de Greta Thunberg, é um passo histórico nessa direcção. Parar as aulas pelo futuro deve ser o primeiro passo para parar a produção e tomar a produção pelo futuro.

A classe trabalhadora não é apenas o sujeito com o poder para evitar a catástrofe climática, é também a classe mais afectada por ela, logo, a mais interessada no sucesso desta luta. As organizações laborais, sociais e políticas dos trabalhadores devem formar uma frente unida pelo clima, concretizando um plano de luta que termine aquilo que a juventude começou. Essa luta não pode apontar a meias-medidas para domar um sistema moribundo. Começando pela nacionalização do sector energético e de transportes sob controlo operário, esse controlo deve alargar-se à banca e às multinacionais de forma a colocar toda a riqueza da sociedade ao serviço das necessidades da humanidade e do planeta. Hoje, mais do que nunca, a luta pelo ambiente é a luta pelo socialismo.

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