Quando a Comuna de Paris tomou nas suas mãos a direção da revolução; quando, pela primeira vez na história, os simples operários ousaram violar o monopólio de governo dos seus "superiores naturais" (...) o ve lho mundo contorceu-se em convulsões de raiva perante o espetáculo da bandeira vermelha, símbolo da República do Trabalho, hasteada sobre o Hôtel de Ville [Câmara Municipal].

Karl Marx1


Passaram 154 anos desde 18 de março de 1871, data em que a classe operária parisiense tomou o poder através de uma insurreição pioneira. A Comuna, apesar da sua curta duração — pouco mais de dois meses — e da sua sangrenta derrota, lançou a sua luz sobre a luta revolucionária do século XX e continua a iluminar-nos hoje.

Assim foi para Lenine, para qem a "República dos Sovietes" de 1917 é a continuação "da revolução operária internacional iniciada pela Comuna de Paris"2, ou de Trotsky, convencido de que "sem o estudo da grande Revolução Francesa, da Revolução de 1848 e da Comuna de Paris, nunca teríamos levado a cabo a Revolução de outubro, mesmo com a experiência de 1905"3.

A audácia dos trabalhadores parisienses que tomaram de assalto os céus salvou a Comuna de ser esquecida pela passagem do tempo. No entanto, muitos dos seus autores, depois de descreverem a sua gloriosa epopeia, consideram-na um pedaço de história morta, ou seja, interessante do ponto de vista académico mas estéril no que diz respeito à atualidade. Na verdade a herança dos comunardos, com os seus acertos e erros, é um guia de ação perante as misérias do capitalismo do século XXI.

Consciência e mística revolucinária 

O último século e meio foi marcado por grandes transformações sociais, económicas, políticas e tecnológicas. A Primeira Guerra Mundial e o triunfo da revolução bolchevique, a ascensão do fascismo e do estalinismo, a Segunda Guerra Mundial e a divisão do planeta em dois blocos, a revolução na China e em Cuba, a recessão dos anos 70, o colapso da URSS e a restauração do capitalismo no país de outubro e na China pós-maoista, o declínio e a ascensão de antigas e novas potências imperialistas, o domínio incontestado do capital financeiro no mercado mundial, a era da Internet e das redes sociais, a Grande Recessão de 2008 e a pandemia mundial do coronavírus...

Todos estes acontecimentos que marcaram com fogo o século passado e o atual, incluindo as numerosas derrotas acumuladas pela classe operária, não fizeram desaparecer as contradições insolúveis do capitalismo e, consequentemente, não dissiparam o espetro da revolução socialista.

O extraordinário recrudescimento da luta de classes, as insurreições e as revoltas populares povoaram as últimas décadas, desde a primavera Árabe até aos surtos na América Latina e na Grécia, desde o movimento dos indignados em 2011 até às explosões revolucionárias no Chile, Colômbia, Peru, Equador, Líbano, Argélia, Sudão, Tailândia ou Myanmar nos últimos dois anos. E, à medida que passamos por estas convulsões, podemos sentir o fortalecimento numérico da classe trabalhadora.

É claro que as derrotas dessas experiências têm causas políticas evidentes. Mas elas não são fruto da falta de convicção e coragem demonstrada pelas massas em luta. Têm muito mais a ver com a ausência de uma direção revolucionária experimentada e consciente das suas tarefas históricas.

Na Comuna de Paris, a questão da direção desempenhou um papel importante, e seria um erro ignorar os limites do programa que foi posto em prática. Mas nós revolucionários não julgamos o movimento a partir de um pedestal. Cada vez que os oprimidos se levantam, abre-se uma nova oportunidade de aprendizagem.

Lenine e Trotsky não tinham qualquer desdém aristocrático em relação às massas. O mesmo se passava com Marx e Engels. Em 1871, estes últimos não só dedicaram toda a sua energia a apoiar a Paris operária, como estudaram com verdadeira paixão a dinâmica dos acontecimentos, as suas contradições internas, os seus contributos excepcionais e os seus defeitos mais flagrantes.

Graças a esta atitude, acrescentaram pontos cruciais à estratégia revolucionária. Por exemplo, a experiência da Comuna respondia, em particular, ao que devia ser feito com a velha máquina do Estado burguês quando a classe operária tomasse o poder. Para os grandes mestres do socialismo científico, a conclusão era óbvia: essa máquina tinha de ser destruída.

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A experiência da Comuna respondeu ao que devia ser feito com o velho aparelho de Estado burguês quando a classe operária tomasse o poder: devia ser destruído.

Nada está mais longe da realidade do que apresentar as revoluções como acontecimentos decididos de forma fria e premeditada, nos quais a vanguarda e as massas concordam antecipadamente em tomar o poder com um programa acabado e uma tática fechada. Não admira que, numa tal perspetiva, a eclosão de uma insurreição operária seja apresentada como algo pouco menos que impossível.

As massas oprimidas actuam de forma instintiva e explosiva, não pedem autorização para se porem em movimento. Abordar corretamente o processo contraditório de tomada de consciência é muitas vezes uma tarefa complexa, uma vez que, na maior parte das vezes, ocorre impercetivelmente sob uma superfície de rotina diária aparentemente estável.

A compreensão das mudanças moleculares que ocorrem no modo de pensar das pessoas só é possível com base no método dialético do marxismo. As grandes viragens históricas seguem-se geralmente a longos períodos de estabilidade social, de crescimento económico ou de guerras reaccionárias. Quando tudo parece estar sob controlo, os comentadores vulgares apenas vêem as mentes dos oprimidos como recipientes cheios de propaganda burguesa. É-lhes impossível compreender que as massas pensam, assimilam e sofrem constantes mudanças na sua perceção política, que atingem um ponto crítico em circunstâncias concretas.

Não são poucos os revolucionários que são apanhados de surpresa pela revolução. A diferença é que, quando ela irrompe abertamente, alguns desistem de intervir nos acontecimentos, adoptando uma atitude de suficiência doutrinária, enquanto outros tentam compreender e e deitam mãos à obra para contribuir para o seu triunfo.

Meses antes da proclamação da Comuna, e tendo em conta as condições muito desfavoráveis que dominavam a situação objetiva após o triunfo das tropas prussianas sobre as de Napoleão III, Marx aconselhou os proletários parisienses a evitarem uma ação prematura. Mas assim que a intervenção dos trabalhadores abriu o processo revolucionário, Marx e a Primeira Internacional puseram de lado todas as outras considerações que não fossem apoiar os insurrectos com todas as suas forças e assegurar o seu triunfo por todos os meios, denunciar as tropas prussianas e de Versalhes na sua frente unida contrarrevolucionária, e encorajar a mais ampla e poderosa solidariedade internacionalista.

Aprender com a revolução

Marx e Engels não se limitaram a fazer a crónica da Paris revolucionária, a sua tarefa era ver o significado histórico mais amplo do que estava a acontecer e compreender que a prática revolucionária estava a fornecer materiais construtivos para a teoria revolucionária.

Os dirigentes comunardos simplificam a questão no seu manifesto de 18 de março, que refere que os proletários, "no meio dos fracassos e das traições das classes dominantes" face aos ocupantes prussianos, devem "salvar a situação tomando nas suas próprias mãos a direção dos assuntos públicos", compreendendo "que é seu dever imperativo e seu direito indiscutível tornarem-se senhores dos seus próprios destinos, tomando o poder".

Pela primeira vez na história, surgiu uma experiência de ditadura proletária, e com sucesso. O que é que os trabalhadores de Paris fizeram com o poder? Uma vez a cidade sob o seu controlo, arrancaram o monopólio da violência à antiga classe dominante, abolindo o exército permanente e substituindo-o pelo povo em armas. As tarefas da polícia também foram assumidas pelo povo. Mas tudo isto foi insuficiente para garantir a vitória. O controlo da burguesia não se baseia exclusivamente na repressão, é garantido sobretudo pelas relações sociais de produção e pela dominação ideológica.

Relativamente a esta última questão, e parafraseando Marx, era necessário "destruir a força espiritual da repressão, o poder dos padres..."1. A Comuna decreta a separação da Igreja do Estado, suprime as dotações orçamentais públicas para fins religiosos e declara propriedade nacional todos os bens eclesiásticos.

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A Comuna decretou a separação entre a Igreja e o Estado, aboliu orçamentos públicos para fins religiosos e declarou propriedade nacional todos os bens eclesiásticos.

Para garantir o acesso do povo à educação, proclamaram o laicismo e a escola gratuita, livre de qualquer interferência da Igreja. Os comunardos também não esqueceram o sistema judicial corrupto, defensor de todas as injustiças dos opressores, e tentaram acabar com ele, impondo que os juízes e os magistrados fossem funcionários públicos eleitos e revogáveis pelos cidadãos.

A experiência da Comuna apaga de uma só vez todas as calúnias sobre a suposta hostilidade do movimento socialista em relação às camadas médias. A classe média, constituída por comerciantes, artesãos e pequenos comerciantes, longe de ser considerada a priori como um inimigo irredutível da revolução, é tratada como um possível aliado, na medida em que é também vítima da ditadura das grandes fortunas. Os decretos comunardos não só respeitavam a pequena propriedade, como contemplavam acções de que estes sectores beneficiavam, como a remissão temporária das rendas, a suspensão da venda de objectos penhorados no Montepio e o encerramento de todas as casas de penhores e de usura.

A Comuna lançou um projeto de democracia operária sem precedentes. O grau de consciência atingido pelo proletariado parisiense, longe da imagem de ingenuidade romântica veiculada por muitos cronistas, reflecte-se nas medidas tomadas para "se precaver contra os seus próprios deputados e funcionários, declarando-os todos, sem exceção, revogáveis a qualquer momento (...) Contra esta transformação do Estado e dos órgãos do Estado de servidores da sociedade em senhores dela, uma transformação inevitável em todos os Estados anteriores, a Comuna empregou dois remédios infalíveis. Em primeiro lugar, preencheu todos os cargos administrativos, judiciais e docentes por eleição, através de sufrágio universal (...) Em segundo lugar, todos os funcionários, altos e baixos, foram pagos como os outros trabalhadores (...) Com este sistema, foi erguida uma barreira eficaz contra o carreirismo e a caça aos cargos (...)"4.

O chauvinismo burguês e o seu veneno racista receberam um golpe brutal do internacionalismo comunardo, quando se confirmaram os cargos de todos os estrangeiros que tinham sido eleitos como representantes populares. Foi o caso do operário alemão que assumiu o Ministério do Trabalho. A "bandeira da Comuna" era "a bandeira da República mundial".

Como já salientámos, a dominação burguesa baseia-se nas relações sociais de produção capitalistas. Os comunardos levaram a cabo transformações que atacaram a linha de água destas relações, visando imediatamente a melhoria das condições de vida do povo: redução da jornada de trabalho, abolição do trabalho noturno, proibição das agências de emprego da época, assistência às mulheres solteiras com filhos a seu cargo...

Este enorme progresso carecia ainda de um passo indispensável: ter todos os meios de produção e fontes de riqueza ao serviço da maioria oprimida. A justiça e a democracia são palavras vazias num estômago vazio e sem um teto onde se abrigar. Esta tarefa pode ser resumida numa frase curta: expropriar os expropriadores.

A Comuna começou por este caminho, estabelecendo um registo de todas as fábricas encerradas pelos patrões e planeando a sua reabertura sob a direção dos trabalhadores organizados em cooperativas, que deveriam ser integradas numa única grande União. No entanto, outras medidas fundamentais, como a tomada do Banco de França e a colocação das reservas de ouro sob o seu controlo, não foram levadas a cabo.

Muitos dos líderes comunardos não tinham uma abordagem marxista e foram fortemente influenciados pelo pensamento pequeno-burguês dos socialistas utópicos, proudhonistas e anarquistas da época. Mas, apesar das insuficiências, podemos questionar os cépticos e os renegados do socialismo: não é verdade que as necessidades abordadas pela Comuna continuam por resolver no capitalismo do século XXI?

Mulheres oprimidas na linha da frente

Como qualquer revolução social genuína, a experiência de 1871 foi um passo em frente na batalha pela emancipação das mulheres trabalhadoras. A participação consciente na luta de centenas de mulheres trabalhadoras conquistou-lhes o direito de serem tratadas como iguais.

Tal como na Rússia czarista, foram eles que ousaram quebrar as correntes e abriram caminho para a revolução vitoriosa. "Em Montmartre, o general Lecomte avança, fingindo tomar o controlo da situação. Por três vezes, ordena às suas tropas que disparem, mas elas não o fazem. Uma mulher interpelou os soldados: "Vão disparar contra nós? contra os vossos irmãos? contra os nossos maridos? contra os nossos filhos? (...) Lecomte ameaçou disparar contra quem se recusasse a disparar, perguntando aos seus soldados se "se rendiam a esta escumalha". Louise Michel, a intrépida comunarda anarquista presente nesse momento crítico, conta como um sargento se recusou a obedecer a essas ordens e "foi ele que foi obedecido pelos soldados, que confraternizaram com o povo"6.

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Como qualquer revolução social genuína, a experiência de 1871 foi um passo em frente na batalha pela emancipação das mulheres trabalhadoras.

Houve muitas mulheres revolucionárias audazes que foram completamente ignoradas pela historiografia da Comuna. É o caso da delegada à Primeira Internacional, Elisabeth Dmitrieff. Após uma primeira e frustrante participação no Comité Feminino da Comuna, decide fundar, no início de abril, juntamente com a anarquista Nathalie, a União das Mulheres para a Defesa de Paris e Socorro aos Feridos, que se desenvolve rapidamente entre as operárias e os comités presentes na maioria dos bairros parisienses. Dmitrieff foi eleita sua presidente e deu à organização um claro carácter socialista, conseguindo que a União se ligasse à Primeira Internacional.

Dmitrieff, armada com duas pistolas na faixa vermelha do seu vestido, participou ativamente nos combates de rua. As suas acções valeram-lhe um genuino ódio de classe dos poderosos: Thiers, chefe da reação, afirma que "a senhora Dmitrieff e a sua organização são responsáveis pela maior parte dos actos insurreccionais cometidos por mulheres na Comuna".

Os relatórios de Dmitrieff incluem assembleias em que participaram entre três e quatro mil mulheres. Nestas assembleias aconteceram grandes debates sobre como repelir a contrarrevolução, a necessidade de abolir a propriedade privada e de acabar com a desigualdade económica baseada no género, e muitas outras questões. Mas o debate esteve sempre ao serviço da ação: as mulheres comunardas construíram barricadas, armaram a população, promoveram a educação pública e socorreram os feridos.

Marxistas na Comuna

As forças da contrarrevolução burguesa, que tinham fugido cobardemente para Versalhes para se reagruparem, tinham plena consciência da ameaça que representava a "República do Trabalho". Para a sobrevivência da Comuna era também indispensável compreender que o inimigo só se renderia no caso de uma ofensiva rápida e esmagadora. A direção dos comunardos cometeu, nas palavras de Marx, "um erro decisivo: não marchar imediatamente sobre Versalhes".

À crítica de Marx, Lenine acrescenta uma outra grave deficiência do seu programa: "em vez de proceder à "expropriação dos expropriadores", [a Comuna] (...) não se apoderou de instituições como, por exemplo, o banco [de França]"7. O Comité Central da Guarda Nacional — o mais importante órgão revolucionário — era composto por trinta e cinco membros, dos quais apenas dois podiam ser considerados marxistas. A maioria era composta por proudhonianos e blanquistas.

Esta dificuldade não impediu os seguidores de Marx e Engels de participarem na luta de forma enérgica, honesta e sem qualquer sectarismo. Não foi por acaso que o Conselho Geral da Associação Internacional dos Trabalhadores, presidido por Marx, declarou que "onde quer que seja e sob qualquer forma que a luta de classes seja travada, os membros da nossa associação devem estar na primeira fila".

De uma assembleia geral dos seguidores parisienses da Internacional, realizada em meados de maio, temos a seguinte informação: "Depois de ter ouvido os associados, que são ao mesmo tempo membros da Comuna, a assembleia considerou a sua conduta como inteiramente leal e decidiu pedir-lhes que continuem a defender por todos os meios os interesses da classe operária, esforçando-se por manter a unidade da Comuna para lutar com vigor contra Versalhes. Além disso, recomendou que as sessões da Comuna fossem objeto de plena publicidade e que o terceiro parágrafo do seu Manifesto fosse anulado por ser incompatível com o direito do povo de controlar os actos do poder executivo"8.

Uma derrota semeada com o futuro

Após dois meses de governo operário e de resistência heróica, Paris estava cercada e a revolução isolada. As chaves da derrota comunista, sem esconder os erros de direção, devem ser procuradas fundamentalmente em factores objectivos, tanto nacionais como internacionais.

O desenvolvimento ainda modesto do proletariado industrial, em contraste com um campesinato forte e abundante, e o papel político desproporcionado dos sectores artesanais e das pequenas oficinas constituíam uma dificuldade para o programa revolucionário mais consistente avançar.

A França, por outro lado, estava envolvida numa guerra sangrenta que tinha perdido para a Prússia. As classes dirigentes de ambas as nações, monárquicas ou republicanas, não hesitaram em pôr em causa os seus interesses nacionais antagónicos perante o perigo de uma revolução social, estabelecendo uma aliança para afogar a Comuna em sangue. Uma experiência muito útil nestes tempos atormentados por conflitos inter-imperialistas pelo domínio do mercado mundial: "todos os governos nacionais são um só contra o proletariado"1.

A Comuna não teve tempo de remediar as suas fraquezas e de pôr em prática os seus decretos. Ao dar os primeiros passos, os seus homens, mulheres e jovens são obrigados a concentrar todos os seus esforços na defesa armada. A chegada dos exércitos contra-revolucionários a Paris não dissuade os comunardos: "Não há em parte alguma sinal de desânimo ou de inquietação; pelo contrário, há por toda a parte uma atividade quase alegre (...) Que se amontoe a terra, ela amortecerá os obuses. Que os colchões atirados das casas abriguem os combatentes. Ninguém deve dormir a partir de agora (...) Na Bastilha e nas avenidas interiores, encontram-se por vezes multidões de trabalhadores. Uns escavam a terra, outros carregam pedras. Os rapazes carregam picaretas e pás tão grandes como eles. As mulheres incitam os homens, substituem-nos... (...) Há uma barricada perfeitamente construída, defendida por um batalhão de mulheres, cerca de cento e vinte... uma jovem com o barrete frígio sobre uma orelha, espingarda na mão, cartucheira sobre os rins... (...) Grupos de vinte homens atrás destas fortificações esfarrapadas resistiram ao avanço de regimentos inteiros.

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Quando a Comuna estava a dar os seus primeiros passos, os seus homens, mulheres e jovens foram obrigados a concentrar todos os seus esforços na defesa armada. A chegada dos exércitos contra-revolucionários não os dissuadiu.

Apesar de uma coragem que ainda hoje nos comove, no final de maio a Comuna foi assassinada. A crueldade dos vencedores não tem limites. Paris está repleta de dezenas de milhares de cadáveres de todas as idades e sexos. «As espingardas não matavam suficientemente depressa, e as metralhadoras entraram em ação para abater os vencidos às centenas»4. Não há acordo sobre o número de mortos, mas a matança foi tão grande que, "ao comparando o recenseamento de 1872 com o de 1866, metade dos 24.000 sapateiros tinha desaparecido, assim como 10 000 dos 30 000 alfaiates, 6 000 dos 20 000 carpinteiros e marceneiros e 1 500 dos 8 500 ferreiros, com números apenas um pouco menos chamativas entre canalizadores, telhadores e outros ofícios de onde saíram muitos comunardos militantes"5.

No entanto, a luta dos comunardos não foi em vão.

Jamais renunciaremos à nossa história

Até à proclamação da Comuna, todas as classes que tinham anteriormente arrancado o poder às mãos de outras tinham-se apoiado num estatuto económico dominante no seio da velha sociedade e não tinham outro objetivo senão a consolidação dos seus privilégios. Em 1871, uma nova classe entrou em cena, uma classe com a capacidade de abolir todos os privilégios e pôr fim à exploração do homem pelo homem.

A tarefa histórica que desde então recaiu sobre os ombros da classe trabalhadora não é de modo algum fácil. Não desfrutamos de quaisquer vantagens económicas ou culturais, como o fez a burguesia na sua luta contra o sistema feudal. Pelo contrário, estamos sujeitos a horários de trabalho exaustivos que não só produzem mais lucros para os capitalistas, como também nos retiram tempo e energia para pensar, formar e viver, para tudo o que nos ajude a desafiar a ordem estabelecida.

Mas não podemos transformar a sociedade apenas com o pensamento. Precisamos da ação colectiva, unificada e consciente de milhões de pessoas, com um programa, tácticas e métodos proporcionais à experiência histórica e ao conhecimento do inimigo que enfrentamos. Precisamos de um partido com um programa genuinamente revolucionário, socialista e internacionalista, como o proposto por Marx e Engels à Comuna. Um partido que se oponha firmemente às tentativas de assimilação do sistema, cujos dirigentes e representantes nos sindicatos e nas instituições políticas burguesas, tal como exigiam os comunardos, tenham um salário e condições de vida como os da classe que dizem defender, sempre eleitos democraticamente e revogáveis a partir do momento em que traiam as suas ideias.

Estamos a meio de um dos períodos mais turbulentos da história do capitalismo. Assistimos a uma combinação explosiva de crise económica, desigualdade, avanço do totalitarismo e destruição ambiental que ameaça o futuro da humanidade. Assumindo formas pouco ortodoxas e enfrentando inúmeros obstáculos, a revolução socialista baterá à porta e, mais uma vez, tomaremos o céu de assalto. E sim, desta vez venceremos.


Notas:  

1. Marx, A Guerra Civil em França.

2. Lenine, Resolução sobre a Mudança do Nome do Partido e a Modificação do seu Programa, 8 de março de 1918. Em Obras Completas, Editora Progresso, Moscovo, 1986, Vol. 36, p. 62.

3. Trotsky, As lições de outubro

4. Introdução de Engels à edição de 1891 de A Guerra Civil em França.

5. John Merriman, Massacre. Vida e morte na Comuna de Paris de 1871. Siglo XXI. Madrid, 2014, p. 74

6. Louise Michel, O 18 de março.

7. Marx, Ensinamentos da Comuna.

8. Estes materiais da IWA estão reunidos no artigo de Lenine A Comuna de Paris e as Tarefas da Ditadura Democrática, julho de 1905, incluído em A Comuna de Paris. Editora Progresso. Moscovo, ano não especificado, p. 117.

9. H. Lissagaray, A Comuna de Paris. Editorial Txalaparta. Tafalla, 2004, pp. 347-49.

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